Os primeiros seis meses de campanha em Namicunde, na área do Posto Administrativo de Metarica, uma zona climatérica onde em certa fase do ano, podíamos experimentar um clima próximo do nosso temperado mediterrânico, constituiram uma fase de aprendizagem na relação com a população nativa, numa área onde a cultura do algodão em rama era de importância vital para a subsistência dos agricultores locais. No entanto, à excepção de um ataque que visou o 2º Pelotão, liderado pelo então alferes Miliciano Daniel Lourenço, durante um patrulhamento na zona Muoco – Revia, sem consequências de maior para a integridade física dos militares então envolvidos no patrulhamento, o período em que permanecemos em Namicunde não nos causou grandes sobressaltos, apesar da Companhia de Metarica, a cerca de 20 Km dali, ter antes sido alvo de acções violentas da guerrilha, que deixaram bastante maltratado o cantineiro Rufino, único português estabelecido nas redondezas e que, por via desse ataque, viu um dos braços ser-lhe amputado, para mais tarde ser substituído por uma prótese.
Atitudes que Surpreendem
Porém, a dada altura da comissão, o quartel de Namicunde foi visitado pelos elementos do Comando Territorial de Moçambique, sob a chefia do General António Augusto dos Santos, por sinal um “freixenista” de nascimento, embora tenha saído da nossa terra natal muito novo. Ao chegar à porta de armas, depois da respetiva apresentação protocolar, o Senhor General Santos questionou o sentinela, o camarada Octávio Coutinho, também transmontano, oriundo da cidade de Chaves. Pergunta da praxe: Então de onde és tu meu rapaz? “Sou de Chaves meu General”, respondeu prontamente o camarada sentinela, conhecido por Espanhol, pelo facto de ter contraído matrimónio com uma senhora oriunda da cidade fronteiriça de Verin.
“Boa terra, porque eu também sou de lá” – replicou o senhor General. Perante este cenário, confesso que quando vi o camarada de armas contar posteriormente a cena, peripécia, fiquei um tanto perplexo, desapontado e até triste, uma vez que eu conhecia perfeitamente, quer as origens do ilustre oficial, quer a maior parte dos seus familiares directos. Independentemente do mérito do seu Estatuto, o Senhor General António dos Santos era, nem mais nem menos, um militar de alta patente, mas freixenista de nascimento, como eu. Passado algum tempo, questionei-me: “Porque terá o Senhor General procedido assim ?” Confesso que não encontrei razão plausível para o sucedido, a não ser, talvez, pelo facto do Senhor General ter saído da terra onde nasceu muito novo e não ter já dentro de si, raízes suficientemente fortes que pudessem recordar-lhe a sua “infância”. É um facto que, quando me lembro disto, interpreto a atitude como “estranha maneira de afirmar as suas origens, renegando-as”. Hoje, porém, à distância de várias décadas, talvez perceba melhor a razão pela qual, um militar de carreira com responsabilidades ao mais alto nível de uma nação, não pudesse pensar com o coração, mas em função da realidade que o envolvia. E a realidade desses tempos, finais da década de “sessenta”, apesar de estarmos numa zona calma do território, era uma realidade não de paz, mas sim de guerra.
Texto: António Massa Constâncio
“in – A Nordeste do Fíngoè – Cap. 10“ – Agosto de 2016