NA “ORLA” DO TEATRO HÁ MUITO A DESCOBRIR

Nascida em 2016, tendo na sua génese o desenvolvimento cultural e social, envolvendo criação teatral, pesquisa crítica, formulação de dramaturgias e aplicação de estratégias didático-pedagógicas do teatro e artes cénicas em geral, a “Orla” é uma das mais jovens companhias de teatro profissional residentes em Gaia.

Ao longo dos seus quase três anos de existência, foram vários os projetos culturais elaborados e produzidos com recurso a diferentes abordagens e disciplinas artísticas, visando a valorização das capacidades e potencialidades de todos os seus intervenientes.

Para sabermos um pouco mais sobre esta cooperativa de criação e produção teatral, marcamos encontro com a atriz, dramaturga e produtora Jeanneth Vieira, uma das suas fundadoras. Venezuelana de nascimento, mas há muito radicada no nosso país, concluiu a licenciatura em teatro pela ESMAE-Escola Superior de Música, Artes e Espetáculo em 2014, desenvolvendo a partir daí uma intensa atividade em diversas estruturas, até se juntar às suas colegas de curso Márcia Gomes e Leonor Rodrigues para concretizar o sonho da criação da “Orla”.

Como nasceu a “Orla” e que razões presidiram à sua criação?

Inicialmente, desenvolvemos alguns trabalhos em separado enquanto artistas independentes e surgiram criações comuns em diversos projetos antes da formação da cooperativa cultural. O aumento das representações, a vontade de continuar a elaborar criações, o processo de crescimento enquanto artistas e a necessidade de nos afirmarmos como companhia abriu caminho para a formação de uma estrutura profissional que protegesse os nossos interesses e valores. Nasceu assim a “Orla – Companhia de Teatro, CRL”, que apresenta projetos artísticos que visam o desenvolvimento cultural e social, com espaço para a polivalência de disciplinas, desde o trabalho de palco até aos festivais de rua.

Qual o balanço destes primeiros anos de atividade?

Hoje, com quase três anos de existência, a companhia está no caminho da sua inscrição no tecido cultural nacional. Um percurso que se tem demonstrado longo e dificultoso pela falta de um espaço de ensaios permanente. Como companhia emergente, um dos nossos focos é ser uma parceira cultural das entidades públicas, municipais e nacionais. A “Orla” tem marcado presença nos mais diferentes espaços culturais e em diversos festivais do país. Continuando o nosso caminho, esperamos poder continuar a crescer e a dedicar-nos ao nosso propósito.

 Apesar de sediada em Gaia, a “Orla” apenas apresentou até hoje duas das suas produções em espaços culturais do concelho. A que se deve este facto?

A “Orla” apenas apresentou de facto duas das suas produções em Vila Nova de Gaia. Concretamente a peça “Auto da Nostalgia” no Armazém 22 e “Safety Bag” no Convento Corpus Christi, no Dia Internacional da Mulher. Não sabemos os motivos pelo qual não temos mais trabalho incidente na nossa localidade de sede. Sentimos que ainda estamos a criar uma relação de trabalho com as entidades do Município. Mas é nossa vontade que o público de Vila Nova de Gaia conheça o nosso trabalho e que sejamos uma companhia de referência e de grande qualidade artística no concelho. Ao nível escolar, a “Orla” possui 3 produções teatrais, direcionadas para o 1º. e 2º. ciclos, “Sapatinhos Vermelhos”, “Cabeça-Oca” e “Kit Parassimpático”. E seria ótimo poder apresentar estes trabalhos às escolas pelos diversos espaços culturais e/ou bibliotecas de Gaia. Somos uma companhia emergente e apenas podemos falar pela nossa experiência. Achamos que o Município deve valorizar todas as entidades artísticas pertencentes a Vila Nova de Gaia, criando mais propostas e desafios culturais. Apostar primeiramente, como se diz, “na prata da casa”, ou melhor dizendo “no ouro da casa”, porque sem a envolvência da comunidade local, o património cultural é pobre e descaracterizado. Mas estamos confiantes de que futuramente poderemos abraçar uma boa relação de trabalho com o Município e, quem sabe, partilhar experiências com outras entidades culturais.

A “Orla” foi convidada a apresentar em novembro próximo um dos seus espetáculos num espaço cultural da cidade de Gaia. O que pode adiantar sobre isso?

Foi com muito prazer que aceitamos o convite da direção da Tuna Musical de Santa Marinha para participarmos na segunda edição do Festival de Teatro José Guimarães. E ficamos muito contentes por integrar a programação juntamente com outras companhias de teatro do município de Gaia. A “Orla” irá apresentar (nos dias 22 e 23 de novembro próximo) a peça “Auto da Nostalgia” de Paulo Barrosa, com encenação de Teresa Arcanjo e interpretação de Jeanneth Vieira e Márcia Gomes. Nas palavras de Teresa Arcanjo, «esta é uma peça onde duas personagens vivem num mundo de repressão política, que o autor identifica como sendo um ”ismo novo, violento mas subtil, que o tempo não tinha sido capaz de batizar”. Não fosse a distração que nos permite a tecnologia e a Democracia, essa palavra tão usada para descrever a sociedade moderna, o que nos separa o século XXI de outro século qualquer? Há uma ilusão (quase poética) de vivermos num mundo já demasiado informado para que se possa assistir a uma regressão. É esta falsa segurança que nos atira para um estado de alienação e conforto e que nos faz crer que hoje é diferente de ontem e que, como tal, a mensagem já não é importante, é antiga e caída em desuso. Mas e se não for? E se a História nos “cair em cima” novamente? Que sabemos nós de liberdade? Ou da falta dela? Onde a procuraríamos? Seríamos capazes de pegar em armas e lutar pela nossa dignidade?»A “Orla” deixa desde já um convite ao público gaiense (e não só) para aparecer e assistir a esta peça que se encontra bastante atual face ao estado da nossa sociedade. Bárbara e Violeta, personagens da peça, encontram-se presas no refúgio, onde já se esgotou a água, o café e os cigarros. E perguntam(-nos) “Qual será o cheiro da Liberdade?”, “Será que tudo se perdeu?”, “Será que nos perdoam a nossa cegueira acomodada?”. Apareçam e retirem as vossas conclusões.

Ainda quanto ao futuro, para quando uma nova criação da “Orla”?

Se as condições forem favoráveis, a “Orla” tenta exibir, todos os anos, uma nova criação. Facto que tem vindo a acontecer desde o início da nossa existência. De momento, estamos a trabalhar numa criação de nome “Serotonina ou a Ânsia da tua Ausência” escrita pela atriz da companhia Márcia Gomes, a qual gostaríamos de apresentar ainda o decurso deste ano. Estamos também a trabalhar numa outra criação, mas ainda é muito prematuro falar disso. Aconselho a que se mantenham atentos e informados através do nosso sítio na internet (orlateatro.pt) ou das redes sociais.

Enquanto companhia emergente, quais são as maiores dificuldades com que a “Orla” se tem deparado?

As principais dificuldades que a “Orla” tem vivido até ao momento estão relacionadas com a necessidade de encontrar um espaço permanente de ensaios. A resolução deste problema permitiria uma maior estabilidade da companhia, quer em termos de localização, como de concentração no trabalho. Outra das dificuldades que encontramos tem a ver com a programação dos espaços culturais. A abertura destes espaços às companhias emergentes é muita das vezes um processo complicado e longo.

O financiamento público às artes ainda é olhado de lado pela nossa sociedade. Mas será que, sem a ajuda dos organismos públicos, a produção, investigação e desenvolvimento artísticos são sustentáveis?

Na minha opinião, é importante que as companhias garantam a sua sustentabilidade de forma autónoma. Contudo, não podemos esquecer que a cultura existe para todos e tem de ser considerada um bem público. Como tal, deve acompanhar as necessidades do nosso tempo e estar disponível a todos. É aqui que os apoios são importantes. Permitem às companhias assegurar trabalhos diferenciados, quer ao nível da criação, quer na qualidade de programação dos seus espaços. É também imprescindível que os apoios cheguem a todos os artistas e que sejam justamente distribuídos para garantir a continuidade e o desenvolvimento da arte.

 Mas não é a escassez ou a falta de apoios que vos fará arrepiar caminho…

Certamente que não! A “Orla” desde a sua fundação não teve como princípio sobreviver através de apoios. Como já referi, é do nosso interesse que a companhia tenha uma gestão sustentável. Até agora, contámos com os nossos próprios meios. Realizámos candidaturas a programas de apoios e estes serão bem-vindos quando formos contempladas. O objetivo para nós, é continuar a traçar o nosso percurso artístico em Portugal, apresentar criações e dramaturgias com qualidade; e garantir o trabalho da companhia e dos seus cooperadores de forma digna e respeitável.