Longe vão os tempos em que os residentes da vasta propriedade da Quinta dos Frades, na freguesia de Oliveira do Douro (Vila Nova de Gaia), dedicavam os seus dias às práticas religiosas, ensino e até assistência médica, entre os séculos XVII e XIX. Com a extinção das ordens religiosas, através da Convenção de Évora-Monte realizada a 26 de maio de 1834, os 20 frades da Congregação de Nossa Senhora da Conceição, que ainda aqui habitavam, foram forçados no dia seguinte a abandonar a propriedade e esta… Bem, esta ficou à mercê do poder de um novo regime político conturbado, a Monarquia Liberal, e à espera que alguém a adquirisse em hasta pública e lhe desse, assim, uma nova roupagem. Este foi o destino não só da Quinta dos Frades, mas de tantas outras propriedades e/ou património que estiveram na posse da Igreja.
No dia 14 de dezembro de 2019, conhecemos aquela que, juntamente com o seu falecido marido, passou grande parte da sua vida (mais de meio século!) na Quinta dos Frades, pois lá viveu, trabalhou, ouviu e até presenciou muitos episódios que, hoje, nos permitem compreender como passou a ser o novo dia-a-dia na Quinta dos Frades, num contexto político, económico e social bem diferente dos idos tempos do século XIX, mas igualmente delicado. O seu nome é Mária Ferreira, nasceu a 30 de outubro de 1933, é natural desta freguesia e, até na sua reforma, vive próxima à propriedade que tanto a marcou e ainda sente saudades. Maria, filha de pais lavradores, sempre conheceu a Quinta dos Frades, pois os seus pais moravam próximos à mesma e estava longe de imaginar que o seu futuro marido era nada mais, nada menos que o afilhado do Dr. Gaspar da Costa Leite, o proprietário da quinta à época e filho, aliás, do Dr. Manuel da Costa Leite, o qual foi diretor da Escola Médico-Cirúrgica do Porto.
Quando a Maria casou, nos anos 50 do século passado, foi com o seu marido viver para a Quinta dos Frades, através de um prévio contrato de arrendamento estabelecido com um dos filhos do Dr. Gaspar da Costa Leite, o qual consistia no pagamento anual de “12 contos e vinho a meias”, segundo o testemunho de Maria. Na quinta produzia-se vinho (“Americano”), além de milho, gado e outros produtos hortícolas; o que significava que, no final do ano, além do valor numerário da renda “tínhamos de dar metade da produção de vinho”, como nos explicou. Quando lhe perguntamos como era o seu dia-a-dia na quinta, nomeadamente em termos de tarefas, a Maria explicou-nos que a gestão e orgânica de uma quinta caracterizava-se por uma multiplicidade de funções e atividades, onde existiam vários intervenientes envolvidos na concretização das mesmas, desde as “criadas de servir” (popularmente conhecidas como “sopeiras” e oriundas, normalmente, das terras do interior que, em troca de abrigo e de um pequeno ordenado, desenvolviam as tarefas domésticas das famílias abastadas), jornaleiros (Maria recorda, com carinho, um que “vinha d’Aveiro” só para ali trabalhar); e a Maria preparava as refeições para “aquela gente toda”. Mas não só, pois também “ia para o campo acatar sulfato e tinha que andar a vender o que produzíamos, por exemplo, fruta, hortaliça e flores… A pé!”, acrescentou orgulhosa.
Na Quinta dos Frades, como se compreende, o número de trabalhadores era variável, desde “7 ou 8 no lagar”, na altura das vindimas e sem contar com a apanha, “5, 6 e às vezes 2 criadas de servir”, muitos mais jornaleiros, “enfim, era o que calhava”, como nos explicou Maria. Com esta última afirmação, a Maria alerta-nos que naquele tempo as pessoas que trabalhavam na quinta procuraram sempre por oportunidades de trabalho mais fixas, pois lá o trabalho primava sobretudo pela sazonalidade. Os produtos da Quinta dos Frades eram muito apreciados pela população local e dos arredores, tanto que o seu falecido marido transportava, através do recurso aos “bois amarelos”, vinho em pipas, para serem vendidos em lojas da freguesia vizinha, Avintes.
“Já os garrafões de vinho vendiam-se na Quinta dos Frades”, referiu Maria. Mas se o vinho Americano da Quinta dos Frades era bastante apreciado pelos locais e não só, o milho também não lhe ficava nada atrás. “Aquilo eram milhos que nem imagina!”, referiu-nos Maria, acrescentando de seguida que na quinta existia uma eira enorme, onde este era colocado a secar. À desfolhada, um trabalho agrícola que, apesar de parecer “festivo”, a verdade é que é moroso, duro e cansativo; juntava-se muita gente, bem como nas vindimas. “Era muito trabalho e ainda existia um outro pormenor!”, exclamou-nos Maria com um sorriso no rosto.
“Na Quinta dos Frades não existia eletricidade! O que a gente passou…”, recorda com saudade, lembrando também que alguns processos destes trabalhos, a pisa das uvas, por exemplo, eram feitos “à luz das velas e até altas horas da madrugada”. Mas nem isso fez com que a quinta continuasse a despertar a curiosidade alheia, razão pela qual quer os proprietários da Quinta dos Frades, quer os caseiros nunca fechavam o portão da mesma (“ficava só encostado”) e porquê? O que tinha esta quinta de tão especial que atraía inúmeros visitantes ao ponto de até lá se fazerem excursões? Isso é o que vamos descobrir na próxima edição!