Sem mais demoras, passamos a desvendar a terceira prova do nosso torneio de decifração, assinada por um dos nossos mais fiéis leitores e dedicado participante nas iniciativas que têm animado esta secção, distinguido com prémios na decifração de enigmas e na produção de contos.
TORNEIO “SOLUÇÃO À VISTA!”
Prova nº. 3
“As Três Poltronas”, de Rigor Mortis
João Velhote dirigiu-se à porta da enorme vivenda vitoriana, onde o esperava um homem alto, vestido de cinzento-escuro, na casa dos sessenta anos.
– Boa tarde – disse o homem. – É o senhor inspetor da Polícia?
– Inspetor João Velhote. Foi você que chamou a Polícia?
– Sim, inspetor, fui eu. Sou Antero Rodrigues, o curador desta mansão, sede do War Veterans British Club. Acompanhe-me, por favor.
Atravessando o hall de entrada e percorrendo um longo corredor, chegaram a uma sala ampla, com mobiliário escasso mas rico. Cada uma das paredes laterais tinha duas portas, uma delas marcada com um discreto sinal WC. À frente, uma portada de enormes proporções, de painéis de vidro, virada para o não menos magnífico jardim das traseiras. No centro da sala, a uns dois metros da porta para o jardim, três poltronas de cabedal de espaldar alto e amparos de cabeça, uma de frente para o jardim, as outras paralelas a este, uma de cada lado da primeira, sobre um espesso tapete oriental. À direita de cada poltrona, uma mesa de apoio, cada uma delas com um copo cheio e uma tacinha com amendoins, duas delas com revistas e jornais em cima.
Na poltrona da esquerda estava um corpo de homem, ensanguentado, com o tronco caído sobre os joelhos. No chão, à frente, uma pistola com silenciador. Atrás, aos pés da mesa de apoio, duas revistas e folhas soltas de jornais, meio amarrotadas e espalhadas no chão. Bastante sangue no tapete, ao centro entre as três poltronas. Observando o cadáver, Velhote notou um orifício de bala na testa, logo acima dos olhos. Na nuca, também ao centro, outro orifício. Intrigado, o inspetor não encontrou nenhum projétil incrustado nessa poltrona. Mas, levantando os olhos para a que estava em frente, viu logo o buraco deixado pela bala, à altura da cabeça.
– Conte-me lá, senhor Rodrigues… – convidou o inspetor.
– Bom… Aquele é o senhor Luís da Mata, um dos quatro sócios fundadores do clube. Os outros foram os senhores António de Carvalho, Carlos dos Santos e Lord George Kelvin, barão de Windlecroft. Lord Kelvin faleceu há quatro meses. Milionário, solteiro e sem descendência, foi ele quem adquiriu este terreno e mandou construir esta mansão, há uns cinquenta anos, para ser sede do clube. Ao falecer, deixou toda a sua fortuna ao clube, garantindo a sua preservação com os padrões que lhe conferiu. Os quatro combateram na 2ª Guerra Mundial, no mesmo Regimento, tendo sido condecorados por atos heroicos no Extremo Oriente, na luta contra os Japoneses. Segundo sei, os três portugueses salvaram a vida de Lord Kelvin numa terrível batalha na Indochina.
– O clube tem agora dez membros, hoje nonagenários. Todos vêm cá regularmente, mas os três senhores que mencionei estão cá todos os dias. Chegam a meio da manhã e sentam-se nesta sala, lendo os jornais e revistas do dia até à hora de almoço. Almoçam aqui no clube, rigorosamente às 13h, e só saem a seguir, pelas três ou quatro da tarde. O senhor António senta-se sempre precisamente na poltrona onde está o corpo do senhor Luís, que se costuma sentar na poltrona oposta. A do meio, virada para a porta, é sempre ocupada pelo senhor Carlos.
– Embora tenham sido no passado grandes amigos, certamente por terem estado juntos em situações muito difíceis, não se falam desde que o barão morreu. Travaram-se de razões, julgo que por cada um deles entender que Lord Kelvin não lhes deixou a sua fortuna devido aos conselhos que os outros dois lhe tenham dado.
– Luís da Mata sentava-se por vezes na poltrona onde está o corpo? – perguntou o inspetor.
– Nem por sombras! Nenhum deles se sentaria noutra que não fosse a “sua” poltrona! Nem toleraria sequer que qualquer dos outros se sentasse na “sua” poltrona! Ou que tocasse num objeto “seu”!
– Têm sido pessoas saudáveis?
– Nunca os vi doentes, nem mesmo com uma gripe. São fisicamente muito fortes e mantêm toda a sua lucidez e inteligência, apesar dos noventa e tal anos que têm!
– A pistola que ali está, era do senhor Luís da Mata?
– Não senhor. É do senhor Carlos, que a tem guardada, bem como o silenciador, no seu armário privado aqui no clube. Antes que me pergunte… Cada membro tem um armário privado no clube, fechado com cadeado, onde pode guardar o que bem entender. Todos os armários estão no corredor para onde dá aquela porta – Antero apontou para o lado esquerdo.
– Os cadeados são normais, mas as chaves estão todas na posse do membro proprietário. Acontece que o senhor Carlos, tal como o senhor António, costuma por vezes praticar tiro num local que temos para o efeito e, por isso, vi muitas vezes um e outro com a respetiva arma. O uso do silenciador é uma imposição, para não perturbar os outros membros do clube.
– Hoje, estavam aqui os três?
– Chegaram pelas 10h, como sempre, e sentaram-se nas suas poltronas, onde passaram a manhã. Servi-lhes os aperitivos habituais às 12h30, como faço todos os dias – Gin e tónica, nunca bebiam outra coisa. Nesse momento o senhor António levantou-se e foi à casa de banho, àquela ali à esquerda. Uns minutos depois, quando eu regressava à cozinha, foi o senhor Carlos que se levantou e foi também à casa de banho, mas àquela ali do lado direito. O senhor Luís manteve-se sentado, a ler o jornal em silêncio. Devo dizer que este cerimonial era repetido todos os dias, sem exceção – os dois senhores ficavam um bom quarto de hora na casa de banho.
– Às 13h voltei para os chamar para o almoço e deparei com esta cena… Fiquei tremendamente chocado, como compreenderá!
– E os outros dois senhores?
– Quando aqui cheguei não estavam na sala, nem nas casas de banho. Encontrei-os na varanda da sala de jantar e contei-lhes da morte do senhor Luís, logo antes de telefonar para a Polícia.
– Muito bem… Obrigado pela sua minuciosa descrição… Chame lá os outros dois senhores, porque quero falar com eles, naturalmente. Ainda que julgue já saber o que aqui aconteceu…
DESAFIO AO LEITOR
Caro Leitor, é a sua vez! Baseado na minuciosa descrição do Antero Rodrigues, curador do War Veterans British Club, qual é a sua conceção do que aconteceu naquele dia, naquela sala? Terá Luís da Mata cometido suicídio? Ou terá sido morto por algum dos seus dois ex-amigos? E se foi um homicídio, quem o terá cometido? Aguardamos a sua proposta de solução.