Fundada a 28 de fevereiro de 1593, a Santa Casa da Misericórdia da Ribeira Grande é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) com o objetivo de praticar a solidariedade social.
Sendo a terceira maior empregadora do concelho com 215 funcionários, é uma das entidades que mais apoia e se preocupa com a sociedade onde se insere, indo ao encontro das necessidades da população ribeiragrandense. Prova disso são as 30 valências que detém, abrangendo cerca de 550 crianças e jovens e 250 idosos das freguesias de Calhetas, Pico da Pedra, Ribeira Seca, Santa Bárbara, Rabo de Peixe, Conceição, Matriz e Ribeirinha.
Em entrevista ao Audiência, Nelson Correia, Provedor da Santa Casa da Misericórdia da Ribeira Grande, revela o seu percurso pelas causas sociais até exercer o seu cargo atual, fala sobre o presente, o passado e o futuro da Misericórdia e aponta as principais preocupações desta Mesa Administrativa.
Para ter o cargo que tem na Santa Casa, é preciso ter gosto para ajudar os outros. De onde é que surgiu esse gosto?
Desde muito novo comecei a ter gosto pelo teatro e folclore. Eu, os meus pais e uns amigos montámos um grupo de teatro e folclore na Ribeira Seca. A partir daí nasceu o “bichinho” pela causa pública. A seguir estive 12 anos numa Junta de Freguesia como tesoureiro, também me dediquei à parte partidária, ainda que na retaguarda, mas ajudei naquilo que pude.
Independentemente disso, acabei por ajudar no primeiro projeto “Sementes de Mudança”, que foi comparticipado pela União Europeia na freguesia da Ribeira Seca, junto da igreja. Estive nesse projeto cerca de 10 anos. Envolvia creches, jardins de infância e centros de dia, ajudava na reconstrução de casas de habitação degradada a famílias com carências… depois também conseguimos um financiamento para reconstruir uma escola que estava abandonada e pôr a funcionar creche, ATL’s, jardim de infância e centro de dia.
A dado momento, começámos a perder dinheiro, pelo que foi sugerido à Santa Casa que ficasse com aquilo, uma vez que é a maior instituição da Ribeira Grande nessa área. Na altura a antiga Mesa achou por bem ficar a administrar aquela valência, com a condição de fazer a conservação do edifício. A Santa Casa ainda mantém esse espaço. Longe de mim vir para cá. Pertencia às listas da Misericórdia há mais de 20 anos, mas estava em suplente. Depois acabei por ir para efetivo há nove anos. Entrei aqui como vice-provedor da Santa Casa durante dois anos. Os outros três anos estive como tesoureiro. O senhor Cabral de Melo [antigo provedor] estava cá há 21 anos, estava muito cansado – fez muito por esta Santa Casa, há muitos equipamentos que vem dele e da sua Mesa – acabou por ir embora e queria que alguém continuasse da Mesa anterior. Quase por imposição continuei. Também não gostava que alguém de fora viesse para cá e fizesse uma grande revolução na instituição. Acabei por aceitar.
Indo no segundo mandato e sendo este de quatro anos, há quanto tempo começou?
Comecei em 2009. Essa questão de querer ajudar ao próximo e estar aqui… no fundo é isso que fazemos, não ganhamos nada com isto. O estatuto permite receber mas eu abdico. Não estou cá muito presente, venho as horas que é preciso e faço o que é necessário, mas julgo que quem tiver disponibilidade, e mesmo que não tenha mas se fizer um esforço, torna-se interessante. O horário público acaba por não ser muito penalizado e acaba-se por estar-se mais próximo das instituições.
Se fosse um funcionário pago a estar aqui, de certeza que não teria o mesmo coração e a mesma sensibilidade. Todos nós temos um pouco de cuidado na área financeira. A instituição tem o que tem em termos de património, mas todos os anos, na área social, das nossas poupanças e rendimentos, como o Governo não cobra tudo, chegamo-nos à frente com cerca de 300 mil euros com mensalidades que os pais não pagam, mensalidades que não estão corretas, com a cantina social (todos os dias 50 utentes vêm cá buscar alimentação porque não têm condições), na área do serviço de apoio ao domicílio temos 135 utentes neste momento, portanto, é uma área também bastante deficitária. Penso que fazemos a nossa parte social muito bem feita. Também temos dois ATL’s em parceria com a Câmara Municipal da Ribeira Grande. 28 são valências com o Instituto da Segurança Social.
A Santa Casa abrange muita gente. Crianças, idosos, jovens, pessoas com necessidades especiais… como é que é fazer a gestão de tudo isto?
Nós temos acordos de cooperação com a Secretaria Regional da Segurança Social. Acordos esses que existem na área dos ATL’s, dos jardins, do Centro de Dia, do serviço de apoio ao domicílio, do Centro de Atividades Ocupacionais… Tentamos conjugar tudo isso de forma a que umas não sejam mais deficitárias que outras.
Os funcionários é que são o grande problema. O estatuto não está a fazer as correções devidas aos aumentos que existem nas carreiras profissionais do nosso pessoal. Estamos a falar de uma instituição que tem 215 funcionários. Muitas carreiras já foram ultrapassadas pelo salário mínimo nacional, que aumenta quase cinco por cento no ano, e as correções andam na casa do um a dois por cento, ou seja, estão a perder três por cento.
A nossa função é social. Mas há tetos. Quando o teto for atingido, vamos ter de tomar uma medida muito radical com a Secretaria Regional da Solidariedade Social. Atualmente temos conseguido equilibrar porque temos ido buscar outras fontes de receita, como por exemplo através de rendas. Há que rentabilizar outras áreas, e vamos ter mais atenção a isso durante este mandato.
Esta é a terceira instituição mais empregadora do concelho.
Sim. Temos entre 208 e 215 funcionários conforme os contratos. 208 são fixos.
Os funcionários acabam por ter “amor à camisola”.
Uma das coisas que esta Mesa tem vindo a incutir nos funcionários é que, efetivamente, vistam a camisola da Santa Casa.
Eu tenho funcionários na empresa que tenho, também sou funcionário, e o que nós levamos para casa é o que conta. É muito ingrato dizer “está congelado, não há mais aumentos”. Não está correto. Temos que olhar para os funcionários, mas também é preciso saber onde é que vamos buscar o dinheiro para lhes dar. A instituição pode até ter onde ir buscar, o problema é manter esse nível.
Quando dizemos para vestirem a camisola, às vezes há coisas que se podem fazer sem prejuízo de horas e dentro da sua atividade. Aí o funcionário da Santa Casa tem de ser diferente. É uma instituição de solidariedade social ligada à igreja. O funcionário tem de ter carinho, amor e paixão pelo utente.
Hoje em dia, de certeza que os funcionários vestem mais a camisola da empresa do que há alguns anos, porque sabem que as empresas não conseguem dar mais.
Há uma preocupação em ligar os jovens e todos os utentes ao ambiente e ao desporto, por parte da Santa Casa.
Sim. Nós temos um professor de ginástica que percorre todas as valências, inclusive com os idosos. A par disso, com o novo Centro de Dia [inaugurado no passado dia 14 de janeiro), queremos que haja vários encontros de gerações entre as crianças dos ATL’s e os idosos. Eles têm de se sentir mais “avós” das crianças que temos nos ATL’s. Vamos estar muito atentos a esta situação durante este mandato. As estufas também vão estar ao dispor do idoso, vai haver cultivo de plantas aromáticas, entre outras coisas.
Também há a preocupação de manter os idosos ligados às novas tecnologias.
Sim. Adquirimos um equipamento na ordem dos 5.000 para o Centro de Dia. Não é preciso saber ler nem escrever, o equipamento é ‘touch’… podem tirar uma fotografia a si próprios e enviar para a família… queremos que haja muita interatividade nesse aspeto. A par disso, temos também mais computadores e ‘tablets’ para que possam interagir melhor com esses equipamentos. Há um grande preconceito para com os centros de dia. Julgam que é para acamados. Não é. É para se passar um pouco fora de casa, para aqueles idosos que não têm companhia.
A Santa Casa da Misericórdia vai fazer 426 anos. Quais os momentos que mais marcaram a história da instituição?
Vou falar do passado mais recente. Ao longo dos anos houve uma “passagem pelo deserto”, com alguns beneméritos a oferecerem alguns terrenos à instituição. Posteriormente, a Santa Casa foi chamada a interferir em Rabo de Peixe para liderar a área social no campo de jardins, creches e ATL’s, e a par disso foi oferecido à instituição o Centro Familiar Estrela-do-Mar, junto à orla costeira de Rabo de Peixe.
A Santa Casa, posteriormente e por necessidade, teve de abrir mais algumas creches, jardins e ATL’s. Como da parte da manhã tinha os seus professores e ajudantes de educação disponíveis, fez uma parceria com a Escola Básica Luísa Constantino para um projeto que é constituído por todas as crianças com dificuldades na escola: os nossos professores estão lá de manhã e orientam essas crianças. Temos também mais dois equipamentos diferentes dos outros, em que os casos mais complicados da freguesia são ajudados. Jovens que não querem ir para a escola, por exemplo, ou que nem à escola foi. Temos tido muito sucesso em ambos os equipamentos. Os psicólogos que lá estão têm feito um excelente trabalho.
Também temos a farmácia que também nos sustenta.
O que é que ainda se pode fazer mais na Santa Casa?
Este mandato, disse aos meus colegas, seria para consolidar. Estarmos mais atentos a cada valência, ver o que se pode melhorar em cada valência em termos de qualidade dos nossos serviços. A par disso estamos muito focados nas obras de remodelação da farmácia, que vão acontecer brevemente. É a farmácia mais antiga na Ribeira Grande, e também a mais velhinha. Precisa de ser modernizada para dar condições aos nossos clientes, de forma a que tenham um acompanhamento mais personalizado e também para dar outra oferta de produtos. Isso vai acontecer até ao final do ano, está previsto no Plano e Orçamento de 2019 e em que nós vamos empenhar-nos com todas as nossas forças nessa obra.