Uma das melhores notícias que este ano recebi foi aquela que me informou acerca da renovação do “glorioso” Largo das Freiras, que brevemente estará concluída. O largo, ou adro, como era mais conhecido, já sofreu várias remodelações nos últimos cinquenta anos, mas nenhuma delas se poderá comparar a esta. Há tempos um passarinho nos contou que o gradeamento do nosso jardim do Largo Hintze Ribeiro ali seria posto. Mas o passarinho morreu, e não há provas que tal foi dito. Porém, contentamo-nos com o “rio” – o tal tanque que era a peça central do referido jardim. Uma iniciativa de aplaudir.
Em 1963, sendo ainda bebé de colo, experimentei por uma semana, ou pouco mais, a mudança provisória de residência. Devido ao facto de um tremor de terra ter feito cair parte de uma parede da nossa casa, por detrás da cama em que meu irmão dormia. Sorte dele foi o desmoronamento ter acontecido de tal forma que o cair das pedras empurrou a cama para o meio do quarto, sem lhe ter provocado lesão alguma. Uns anos mais tarde, em 1966, ou no ano seguinte, sem lembrar de datas recordo-me de uma madrugada em que minha mãe veio à minha cama acordar-me, para ir para a rua, porque fazia tremores de terra. Tenho na memória o cenário da Rua de São Vicente: escuridão total, sombras de tanta gente. Ao se habituarem os olhos, distinção de pijamas, mantas coloridas, cobertores e xailes negros. Ouviram-se orações e gritos durante a primeira hora, que foi de alvoroço total. Depois, tendo a terra deixando de tremer, as pessoas recusaram-se a voltar às suas casas antes do amanhecer. Por um lado, a noite estava perdida; por outro, a confraternização das famílias com os vizinhos estava excelente. Um bom pretexto para se ouvir casos – aquelas famosas estórias que os mais velhos gostavam de contar, e que alguns dos mais novos ouviam com entusiasmo. Um dos casos daquela noite contava que, por causa de um terramoto, antigamente, aquele grande pico que estava à nossa frente era uma porção de terra que se deslocara dos altos montes, e avançava lentamente contra a Ribeira Grande, ameaçando a destruição total. Só parou quando as religiosas, “aquelas freiras que moravam no convento do Adro das Freiras“, tendo organizado uma procissão que fora ao seu encontro, colocaram no chão uma cruz, e a terra ali parou. Era aquela a razão do monte se chamar Pico das Freiras.
Esta estória fascinou-me de tal modo que, bem cedo comecei a gostar das nossas freiras, e a demonstrar interesse de as conhecer. Mas já se passaram tantos anos e nem sequer me cruzei com Madre Margarida do Apocalipse, embora já tenha apreciado muitas vezes o seu Arcano Místico. Para o leitor que pensa que o caso não tem pés nem cabeça, posso garantir-lhe que tem pelo menos dois pontos a considerar: o primeiro tem a ver com as procissões desorganizadas que fizeram as freiras e o povo, aterrorizados com os terramotos que acabariam por destruir o meu mosteiro, em 1563; o segundo prende-se com a apresentação física do pico, visto acima da Ribeirinha, o que, realmente, parece ser terra corrida. Como o povo diz, e tem razão: “quem conta um conto aumenta um ponto“. Como se vê, bastantes pontos foram aumentados. No século dezasseis o nome do pico era Monte de Trigo, “por parecer um monte de trigo na eira“. Mais tarde passou a ser das Freiras porque muitas terras dele lhes pertencia. Resta-me acrescentar que esta estória da oralidade do nosso povo foi recolhida em livro, por uma tal de Angela Brum, com dois ou três pontos diferentes. Tenho este livrinho por aí, enterrado em qualquer canto da minha casa, mas não tenho pachorra de o procurar.
Depois dos terramotos e da crise vulcânica o Mosteiro do Santo Nome de Jesus foi reconstruído, assim como a sua igreja. Há quem afirme que o conjunto arquitectónico se assemelhava ao do Convento da Esperança de Ponta Delgada. Concluída a levada dos moinhos, do Conde, ou da Condessa, foi dela tirado um anel de água para o convento, com a condição de deixar correr a excedente para o lado de fora, para o povo se abastecer. A água era conduzida ao mosteiro por um aqueduto que ainda nos nossos dias existe, e chamava-se: muro de água das freiras.
Estávamos na escola Gaspar Frutuoso quando, numa aula de História, a professora Maria Zenaide Miranda nos levou às ruinas do convento, mostrando-nos a fonte que abastecia a população local, a roda das esmolas, cuja estrutura ainda estava numa parede do interior da garagem do sr. Luís Pinheiro, e fomos em seguida admirar o aqueduto mencionado. Acrescenta-se que esta aula de História da Dona Zenaide fugiu às regras, porque era História Local em vez de ser Nacional. O nosso dever era saber tudo do Continente, das colónias ultramarinas e nada de nós. À saudosa professora, que também lecionava Português, devemos o conhecimento de poetas e escritores açorianos. Graças a ela, naqueles dois anos lectivos (73-74 e 75-76) estávamos devidamente informados sobre a revolução dos cravos, suas causas e consequências. Na mesma aula de História ficámos a saber que muitas pedras do mosteiro serviram na construção do Teatro Ribeiragrandense, e que a fachada da igreja de São Pedro, da Ribeira Seca, era o fontispício da Igreja do Santo Nome de Jesus, das freiras. A imagem do padroeiro é conservada com muita adoração na igreja Matriz, principalmente na cerimónia de veneração à Cruz, de sexta-feira santa.
Glorioso Adro das Freiras por ter sido o assento de Pedro Rois da Câmara, fundador do convento, filho do terceiro capitão do donatário de São Miguel; glorioso adro, ou largo, por causa do Mosteiro de Jesus; por causa da casa do Morgado Estrela Rego; por causa da Assistência (maternidade, dispensário, etc.); por causa da Escola Preparatória Gaspar Frutuoso; por causa das suas padeiras; por causa dos jogos de futebol dos anos sessenta, que consolavam a rapaziada até chegar a polícia e estragar tudo; por causa de todas as outras brincadeiras de rapazes e raparigas da geração “Boom”; por causa das companhias de circo que ali montavam suas tendas e realizavam espectáculos; glorioso Adro das Freiras porque atraía centenas de forasteiros para ver o “encontro” de Jesus e sua Mãe na solenidade dos Passos. Etc.
Em conversa com Hernani Costa, actual presidente da Junta de Freguesia da Matriz, pudemos notar o seu contentamento pelo andar das obras. Afirmou-nos que a remodelação do adro já era um plano que fez parte da sua campanha eleitoral, em 2017, dizendo-nos:
“Sabendo que o riacho do antigo jardim, mais do que uma importante peça do nosso património histórico, representava um valor sentimental inestimável para várias gerações de ribeiragrandenses, pensei que seria uma forma digna de reaver esse património histórico e sentimental, valorizando bastante o Novo Largo das Freiras. Em 2018 e já como Presidente de Junta da Matriz, na habitual reunião de preparação do orçamento camarário, o Presidente Alexandre Gaudêncio auscultou quais as expetativas da Junta da Freguesia para o ano seguinte, ao qual solicitei que fosse dada prioridade à requalificação do Largo das Freiras inserindo o riacho no projeto (aliás como tinha prometido no programa eleitoral), obtendo desde logo a sua concordância. Em 2019 procedeu-se à elaboração do projeto de arquitetura e de seguida a Câmara Municipal adjudicou a obra à empresa Albano Vieira, S. A. pelo valor de 310.000,00€, a sua conclusão está prevista para o final do próximo mês, estando nesta fase nos acabamentos finais.” Hernani Costa dizia-nos isto no dia 3 de Maio. Notando o seu entusiasmo tivemos de lhe fazer esta pergunta: -Afinal, isto é uma obra da Junta de Freguesia, ou da Câmara Municipal? Respondeu-nos: “De forma simples, a dona da obra é a Câmara Municipal da Ribeira Grande, mas a sua sinalização foi da Junta da Freguesia. Aliás, nenhuma junta de freguesia tem capacidade financeira para executar obras deste valor, o melhor que pode fazer é sensibilizar e “pressionar” no bom sentido a Câmara Municipal para as principais lacunas de cada localidade.”
Muito bem dito, sr. Presidente! Estamos todos de parabéns. Só ficará uma lacuna no adro: os edifícios da “antiga” escola Gaspar Frutuoso. Porém, temos a certeza que em breve este será mais um problema resolvido. O Adro está rodeado de habitações e de importantes infraestruturas em pleno funcionamento, tais como: tribunal, cartório notorial, registo predial e a biblioteca pública Daniel de Sá, as quais beneficiarão com a requalificação daquela zona. Na nossa sincera opinião, em recompensa do longo abandono, finalmente o Adro das Freiras volta a ser glorificado. Bom trabalho, minha gente! Mais Matriz, mais Ribeira Grande. Haja saúde!