Jamim Oliveira e Eduardo Nunes, sócios fundadores da Kendirstudios, estão a trabalhar num jogo 3D que tencionam que revolucione o mundo da educação, uma vez que não acreditam no atual sistema. O jogo, composto por módulos, trabalha as disciplinas de matemática e ciências, de 6º ano, mas o objetivo é chegar a outros anos e a todas as disciplinas. A par disso, a marca venceu um concurso da DGE e está também, agora, a desenvolver um Recurso Educativo Digital para ser implementado no ano letivo 2024/2025.
Jamim Oliveira e Eduardo Nunes são amigos há muitos anos e já tinham conversado várias vezes sobre entrarem num projeto profissional juntos, mas as ideias nunca deixaram de ser isso mesmo e, por isso, ambos continuaram a trabalhar por conta de outrem, até que um dia tudo mudou. Eduardo trabalhava numa empresa de recursos humanos, que tinha um projeto sem fins lucrativos associado à educação e começou a desenvolver soluções gamificadas para treino de equipas. Dessa ideia, na pandemia, surgiram outras, relacionadas com a criação de ferramentas web multijogador e ele começou a perceber que os jogos, em si, e não essas ferramentas gamificadas, eram uma solução. A empresa não concordou e disse que a ideia era infantil, mas o jovem não deitou a toalha ao chão. “Propus a solução ao Jamim e ele gostou. Falei com outras pessoas, elas também gostaram. Contactei a Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto, propus-lhes a mesma ideia e, passado uma semana, tínhamos um projeto de investigação a decorrer”, explicou Eduardo Nunes.
Em outubro de 2020 arrancou o projeto de investigação e, logo depois, Eduardo saiu da empresa de recursos humanos e começou a dedicar-se a full time à Kendirstudios, enquanto o Jamim ainda estava no seu outro emprego, situação que rapidamente mudou. “Com o passar do tempo, as coisas foram escalando de uma forma quase impossível de controlar”, explicaram os empresários, referindo que rapidamente “o que começou como um projeto de jogo 2D, passou para um projeto 3D, com o desafio da ESMAD, para acomodar dois estágios”. Com a Raquel e o Luís na equipa, Jamim e Eduardo tiveram de arranjar um espaço e a Associação Comercial, Industrial e Serviços De Vila Nova De Gaia (Acigaia) cedeu-lhes uma sala na sua sede.
Deste projeto nasceu um protótipo que os sócios foram mostrando nas escolas, e que, segundo eles, apesar de ter criado interesse nos professores e nos alunos, não foi aceite como esperavam. “É de tal maneira diferente que as pessoas não conseguem conceber que isto é, efetivamente, uma potencial substituição da forma de educar”, referiram, explicando que, o jogo desenvolvido permitia que os alunos aprendessem em uma hora, “conteúdos que, às vezes, demoram uma ou duas semanas a compreender e uma série de fichas de exercício”. Ainda assim, as barreiras, tecnológicas por exemplo, são difíceis de derrubar. Além de muitos professores não abraçarem as novas tecnologias, os computadores das escolas são antiquados para sistemas como o desenvolvido na Kendirstudios.
Eduardo Nunes vai mais longe e assume que existe um marasmo criado no próprio mercado da educação, que pretende que esta não evolua e que acredita que o sistema atual, o mesmo de há 50 ou 60 anos atrás, é o correto e funciona, e “é isso que nos coloca na cauda da Europa”. Insistindo que o atual sistema não satisfaz, nem professores, nem alunos, “e não satisfaz, seguramente, um país que está a precisar de que todas as gerações que saiam da escola sejam capazes de fazer as coisas de forma diferente e a acompanhar aquilo que tem sido a evolução noutros países”, tornaram o objetivo da Kendir “destruir completamente o sistema anterior e substitui-lo por um que faz sentido”. Outra das limitações é o facto dos pais, por exemplo, terem medo de adquirir soluções como estas, quando as mesmas não estão oficializadas por nenhuma das entidades relacionadas com a educação.
O jogo de role play, 3D, em mundo aberto, tem como objetivo que o aluno passe por uma série de aventuras e, em cada uma delas, vai aprendendo conteúdos, sendo que começaram por o desenvolver nas matérias de matemática e ciências, para 6º ano e revisão de conteúdos de 5º.
A equipa foi crescendo e a Kendirstudios conseguiu, entretanto, uma certificação de empresa de investigação e desenvolvimento na área da educação. Devido, também, ao peso do protótipo inicial, a equipa começou a trabalhar noutro recurso. “Passamos para uma solução diferente, mais leve, rápida e compacta, mais dinâmica e incisiva, ou seja, criamos aquilo que são os módulos. Temos um plano de desenvolvimento de 12 jogos diferentes, onde cada modulo é uma espécie de jogo autocontido. 12 módulos, seis de matemática e seis de ciências. Cada modulo está focado num objetivo educativo específico do ano, quase como se fosse um capítulo do livro”, explicaram. O jogo conta ainda com ferramentas estatísticas para, por exemplo, o professor analisar onde os alunos mais acertaram, onde têm mais dificuldades, entre outras inúmeras possibilidades. Além disso, o facto de ser atribuída uma pontuação a cada jogador, faz com que haja uma espécie de competitividade saudável entre colegas. “Temos perspetiva de outras disciplinas, caso a equipa continue a crescer como tem crescido”, garantiram, ainda, os jovens empreendedores.
Entretanto, a Kendirstudios ficou a saber de um concurso da Direção Geral de Educação (DGE), para o desenvolvimento de recursos educativos digitais e decidiu tentar a sua sorte. Cerca de dois meses depois de se candidatarem, descobriram que eram os vencedores do mesmo.
O Recurso Educativo Digital (RED) que estão a criar, proveniente desse concurso, é um pouco diferente dos módulos em que já trabalhavam. “O RED está preparado para que, de forma autónoma, o aluno aprenda, faça revisão, interaja com o conteúdo e faça a validação da aprendizagem através de ferramentas de avaliação, enquanto os módulos focam-se mais numa visualização e interação com o conteúdo, mas com pouca aprendizagem, porque é suposto aprenderem na escola, com os professores e os manuais, e aí é utilizado como complemento”, contou Eduardo Nunes. Assim, este projeto obrigou a um aumento da equipa que, agora, é de 11 pessoas permanentes, mais sete especialistas, uma vez que “envolve uma série de produção que não tínhamos cá dentro, nomeadamente de multimédia e ilustração, muito mais avançada, porque precisamos de recursos de ensino do aluno inseridos dentro da plataforma, como apresentações multimédia, filmes educativos, ilustrações interativas, mapas, entre outros”.
Os dois projetos são distintos, mas não deixam de estar interligados e apesar da equipa estar dividida a trabalhar neles, o facto de trabalharem todos juntos, na mesma sala, é suposto promover a ajuda e troca de ideias constantes.
O que os sócios pensam é que, o sucesso do jogo de módulos está dependente do RED, uma vez que, aí, terão a aprovação de um organismo do sistema educativo, talvez o mais importante, que é a DGE, logo, os pais e os professores vão conferir-lhes mais credibilidade e apostar nos seus outros produtos.
Mas o que levou Jamim e Eduardo a desejarem tanto uma mudança no sistema educativo? “Neste preciso momento nós estamos a trabalhar para o futuro dos nossos filhos. Eu espero que quando eles chegarem ao 5º ou 6º ano, estejam a utilizar os produtos dos pais, isso vai ser uma evolução na área da educação, como houve do quadro de ardósia para o quadro multimédia, também tem de existir do quadro multimédia para um jogo 3D no computador”, confessou Jamim Oliveira. Para Eduardo Nunes, as motivações foram diferentes. “O sistema educativo, para mim, falhou completamente. O facto de eu me ter licenciado foi perto de um milagre, tendo em conta tudo aquilo que foram os sinais que o sistema educativo me deu de que deveria ter abandonado, desde de toda uma dinâmica de sala de aula completamente disfuncional, que a nível de competências tenta-nos transformar em pequenos robôs que aceitam tudo o que lhes é dito e que quando opinam ou são silenciados ou ignorados, à dinâmica fora da sala de aula. Um sistema disfuncional gera crianças disfuncionais que se tornam adultos disfuncionais, por isso, isto para mim era quase existencial”, sublinhou.
Prevê-se que o RED esteja nas escolas no ano letivo de 2024/2025, enquanto os módulos devem estar disponíveis já para o ano letivo de 2023/2024.
“O nosso objetivo principal passa pela mudança radical da forma como o aluno aprende, tanto em sala de aula, como em casa, e isso traduz-se na eliminação do manual como a principal forma de aprendizagem, passando-o para a função de ferramenta de apoio, e passa pela eliminação da transmissão de conteúdo como a única forma de ensino na sala de aula, portanto, nós, idealmente, só paramos, ou o nosso sonho só fica concluído quando o aluno chegar à sala de aula e não encontrar uma situação em que se senta, fica calado a ouvir o professor a falar durante uma hora e sai para outra, onde acontece a mesma coisa, durante 12 anos da vida dele”, afirmaram, com convicção.