“O POLITEAMA É A MINHA CASA, É A HISTÓRIA DA MINHA VIDA”

Com 79 anos de vida, 58 deles como homem do teatro musical, Filipe La Féria, assegurou, em entrevista ao AUDIÊNCIA, que o Teatro Politeama é o seu “palácio das ilusões”. Já foi ator, é encenador, diretor, dramaturgo e autor de várias canções dos musicais. Evocando um percurso de sucesso, inspirado no ser humano, falou sobre o espetáculo “Laura”, que esteve oito meses em cena, não escondendo a sua vontade de o levar ao Teatro Sá da Bandeira. Com vontade de “viver mais 200 anos para fazer mais”, Filipe La Féria garantiu que vai continuar a surpreender e a criar fantasia, porque “o teatro é a alma de um povo”.

 

É um encenador, dramaturgo e produtor de renome, mas quem é o cidadão Filipe La Féria?

É um homem do Alentejo e que teve sempre, desde criança, uma enorme paixão pelo teatro. O teatro é a minha vida, aliás, não teria interesse pela vida se não fosse o teatro, o espetáculo, escrever, imaginar os figurinos e os cenários, fazer tudo, ao fim e ao cabo. Assim sou eu, sou um faz tudo.

 

Quais são as suas maiores inspirações e motivações?

A minha inspiração é o ser humano, porque podemos fazer um drama, uma tragédia, um Shakespeare ou uma revista, porque o teatro tem essa força. No teatro, nós conhecemos a alma do ser humano e é uma arte imortal. Lembre-se que o homem primitivo nas próprias cavernas fazia teatro, imitando os animais. Portanto, o homem sempre teve esse prazer e necessidade da imitação e da celebração, porque ele queria chegar à alma, ele queria compreender a dimensão da terra e de Deus e, por isso, inventou o teatro.

 

Em mais de 50 anos de carreira, qual foi o momento mais importante para si?

Todos os momentos são importantes para mim. Agora, eu tive, de facto, momentos que mais ninguém teve, como a “Amália” seis anos em cena, com mais de 6 milhões de espectadores. A estreia da “Amália” em Paris também foi uma coisa extraordinária com o Aznavour, com a Liza Minnelli , com o Jean Paul Gaultier. Portanto, não eram só os emigrantes, mas também o povo de Paris. Eu fiz uma enorme tournée por toda a França e pela Suíça e foi inesquecível, aliás, eu fiz espetáculos na minha vida que foram inesquecíveis, como o “Passa por mim no Rossio”, que reestreou aqui o Teatro Nacional São João. A temporada no Rivoli, onde eu apresentei os maiores espetáculos da minha vida, como o “Jesus Cristo Superstar”, “Um Violino no Telhado”, que era um espetáculo magnífico, “Música no Coração” e “Piaf”. Eu acho que já fiz mais de 500 peças, mas devia de viver mais 200 anos para fazer mais. Às vezes a vida é uma chatice, mas é por isso que é preciso rir e ser otimista.

 

O Teatro Politeama tem recebido espetáculos detentores de prémios internacionais e recordes de bilheteira. O que é que este palco tem de tão especial?

O Politeama é a minha casa, é a história da minha vida. Era um velho cinema pornográfico que eu transformei naquele palácio das ilusões. É um teatro giratório, tem dois palcos, aliás é, talvez, o teatro mais sofisticado em Portugal e não foi o Estado que me ajudou a sofisticar nada, porque não quer, por isso, fiz tudo sozinho.

 

“Laura” esteve oito meses em cena no Teatro Politeama e foi considerado “o melhor espetáculo do ano”. Qual foi o segredo deste êxito?

O amor. A Laura Alves tem muito a ver com o Teatro Sá da Bandeira e foi a atriz que mais me impressionou ver a representar, porque ela cantava, dançava, interpretava e eu conhecia-a muito bem, não só a Laura atriz, como a Laura mulher. Portanto, eu tinha de fazer esta peça e eu acho que foi um espetáculo magnífico, que foi muito além do que eu idealizei, com uma música linda. O papel de Laura Alves é interpretado pela atriz Sissi Martins, que também é do Porto. Eu gostava muito de trazer a “Laura”, que é o espetáculo da minha vida, ao Porto, ao Teatro Sá da Bandeira, mas eu tenho de ter uma outra encenação, porque o palco é muito pequeno para a sua dimensão.

 

O que é que o público pode esperar quando vai assistir a um espetáculo seu?

Ficar deslumbrado e sair diferente, porque eu não faço espetáculos vazios, eu transmito sempre uma mensagem em cada espetáculo que faço, pelo que os espectadores saem todos mais ricos e mais boas pessoas, porque o teatro serve também para transformar este ser humano, que é um bicho da terra tão pequeno e tão complexo, tornando-o mais humanista e generoso.

 

Paralelamente, também tem ministrado Cursos de Teatro Musical. Como tem sido a adesão? Quais são as valências?

As turmas estão esgotadas, com 400 alunos, de todas as idades. Os alunos aprendem a cantar, a dançar e a representar e a fazer uma peça. É muito trabalhoso. Há cinco anos que fazemos a Escola de Verão do Politeama e há sempre uma grande procura, aliás os alunos vêm de todo o lado, desde Moçambique, Angola, Madeira e Açores. É, de facto, maravilhoso. Eu acho que as crianças são sempre os melhores atores.

 

Existem projetos em carteira?

Eu já escrevi duas peças, mas não vou dizer quais são.

 

Qual é a mensagem que gostaria de transmitir?

Vão ao teatro, a todo, ao bom, ao mau, ao experimental, ao laboratorial, à performance, ao grande espetáculo, à revista, à tragédia e à comédia, porque vão sempre ficar mais ricos. O teatro é sempre a alma de um povo e o povo português é extraordinário, artístico, muito pobre e maltratado, estando sempre a lutar, mas tem uma generosidade e com um coração do tamanho do mundo.