O Mosteiro da Serra do Pilar esconde alguns mistérios e até uns quantos enganos! Ora, os mais distraídos caem facilmente numa esparrela que vigora há muito tempo na página oficial da instituição governativa que tutela o património cultural português, a Direção Geral do Património Cultural (DGPC). Acontece que na dita página, com pompa e circunstância, se dão a conhecer informações relativas ao “troço [ainda] existente do aqueduto da Serra do Pilar”.
Diz-nos a mesma fonte oficial que “o aqueduto da Serra do Pilar foi edificado em 1720 por José Bento Leitão, sargento-mor de Ordenanças, avô do escritor Almeida Garrett, para conduzir água potável ao seu palacete na Quinta do Sardão, desde uma nascente em Vilar do Andorino”. Parece que a DGPC, no seio de tanto erro, acerta apenas numa coisa: a de saber que os aquedutos se destinavam a conduzir água potável!
Confusões à parte, o “troço do aqueduto” em causa não é o do Mosteiro da Serra do Pilar, do qual já poucos (muito poucos!) vestígios nos restam, mas sim de um outro dois séculos mais tardio, o Aqueduto do Sardão (também conhecido como “Arcos do Sardão”), localizado no lugar do Sardão, na freguesia de Oliveira do Douro, concelho de Vila Nova de Gaia. Este, ou talvez não, encontra-se classificado como Imóvel de Interesse Público através do Decreto-Lei n.º 35:817, de 20 de agosto de 1946. Mas, lá está, referem-no como “Troço existente do aqueduto da serra do Pilar (lugar de Sardão, freguesia de Oliveira do Douro”. Afinal qual deles pretendiam classificar? Ambos? Não sabemos e estamos longe de conhecer os desígnios dessa tão consagrada instituição governativa…
Então e o Aqueduto do Mosteiro da Serra do Pilar existiu mesmo? Onde o podemos contemplar? Comecemos pela primeira questão. O Mosteiro da Serra do Pilar foi edificado numa eminência rochosa que, no passado, era conhecida como “Monte de Quebrantões” ou da “Meijoeira” e nesta não era fácil aceder à água potável, um recurso imprescindível para o normal desenvolvimento das atividades quotidianas dos monges agostinianos no século XVI. Deste modo, no ano a seguir ao arranque dos trabalhos de construção do mosteiro, em 1538, inicia-se outra obra complementar, a do aqueduto. A água era captada e conduzida por esta estrutura em alvenaria a partir do “manancial do Agueiro”, próximo da atual Igreja Paroquial de Mafamude. Daqui, e pelas atuais rua 14 de Outubro e Alameda da Serra do Pilar, a paisagem era marcada pela arcaria que compunha o magnífico aqueduto. Era assim que a água chegava finalmente ao seu destino. Relativamente à segunda questão, a sua resposta tem origem nos idos tempos do século XIX. Parece que nesta altura, o aqueduto se encontrava num avançado estado de degradação, fruto de várias causas (Invasões Francesas e Guerras Liberais, por exemplo) e, desta forma, não oferecia condições de segurança pública. As queixas daqueles que viviam proximamente deste multiplicavam-se, argumentando até que o aqueduto era “um entrave ao progresso”. O governo cedeu. Os últimos arcos desta construção foram destruídos nessa época. No entanto, hoje, os mais atentos ainda conseguem ver vestígios desta extinta construção, nomeadamente na Alameda da Serra do Pilar (sensivelmente a meio), onde ainda existe, integrado numa habitação particular, parte de um arco do aqueduto, um dos pilares.
Na próxima edição desmistificaremos mais algumas estórias da Serra do Pilar, nomeadamente uma que nada tem que ver com polacos…
* Fábio Soares é natural da freguesia de Mafamude, em Vila Nova de Gaia, e residente na freguesia de Oliveira do Douro, também no mesmo concelho. É licenciado em Arqueologia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e pós-graduado na mesma área pela Universidade do Minho. Participou em diversos projetos de investigação em Arqueologia e foi o responsável pela organização e inauguração da Sala Museu Silva Leal, no Instituto Profissional do Terço, no Porto. Hoje, além de trabalhar na área do ensino, onde leciona a disciplina de História, é Sócio-Gerente da empresa Fábio Soares – Serviços de Arqueologia que, entre outros serviços, se dedica à divulgação do património cultural.