OS MISTÉRIOS DA SERRA DO PILAR – 1ª PARTE

Nos séculos XV e XVI, a Europa vivia um tempo inigualável, onde a (re)valorização pelos cânones clássicos volta a estar em voga, no âmbito do Renascimento. De facto, através deste movimento cultural, político e económico pretendia-se romper com um outro tempo que ficara marcado por guerras, pestes e fomes – a Idade Média. Em Portugal, apesar desta corrente ter chegado tardiamente, afirmou-se sobretudo na arquitetura e na arte. O Mosteiro da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, espelha-a de forma exímia. E que mistérios esconde afinal? Comecemos pela “razão”. Este mosteiro, conhecido outrora como Mosteiro de S. Salvador da Serra (de S. Nicolau), trata-se de um projeto arquitetónico que nasce às mãos de uma invulgar parceria estabelecida entre um arquiteto espanhol, Diogo de Castillo, e um escultor francês, João de Ruão, na terceira década do século XVI, mais precisamente no ano de 1537, no reinado de D. João III. A obra era necessária, uma vez que o Mosteiro de Grijó se encontrava num avançado estado de degradação e os monges, da Ordem de Santo Agostinho, necessitavam de um novo espaço para habitar. No entanto, e pela envergadura da obra, foram várias as etapas construtivas e cronológicas que presidiram ao imóvel em causa e é precisamente na primeira fase, levada a cabo entre 1537 e 1567, que se experienciou uma nova fórmula. Ora, nesta fase, que se caracterizou pela definição das várias quadras monásticas no terreno, na inauguração da igreja provisória de planta retangular e com uma cobertura em duas águas e na definição dos alicerces do claustro; foi aplicada a proporção divina, proporção áurea ou número dourado. Em termos matemáticos, a “proporção divina” é uma constante real algébrica irracional que prova que se dividirmos uma reta em dois segmentos de forma a que o segmento mais longo da reta, dividido pelo menor, seja igual à reta dividida pelo segmento mais longo, o seu valor é sempre 1,6180 (o chamado “Phi”, que tem origem no nome do arquiteto e matemático grego “Phidias”, o mesmo que terá projetado o Parthenon em meados do século V a.C. em Atenas (Grécia)). Esta proporção, obtida através da igualdade de razões, define o famoso “retângulo d’ouro”, visto como uma das formas geométricas visivelmente mais agradáveis e daí o seu uso na arquitetura, mas também no desenho. Recordemos a sua utilização por Leonardo Da Vinci em obras como “A Última Ceia”, “A Gioconda” ou o “Homem Vitruviano”. No caso do terreno do Mosteiro da Serra do Pilar, as medidas dos seus lados maior e menor estabelecem entre si a razão de 7:2, o que surpreendentemente revela que a conceção, no seu todo, obedece a uma das relações métricas de maior significado no Renascimento: a do alçado da figura humana. Mas que simbólico corpo humano se pretenderia representar? Talvez o Corpo Místico de Cristo criado por S. Paulo na sua “Epístola aos Romanos”, colocando, assim, a Igreja no centro da vida, da espiritualidade e do universo. Aqui, podemos ir mais longe, já que as várias quadras monásticas do Mosteiro da Serra do Pilar estão em perfeita sintonia como se de um corpo vivo se tratasse, isto é, a “nova” Igreja (de planta circular e abobadada) corresponde à cabeça e encontra-se em lugar num lugar eminente (a tal razão) face às outras quadras monásticas e é ela quem governa o restante corpo monástico; nos dois longos braços estendidos a Norte e a Sul e onde funcionavam as oficinas, dormitórios e afins, marcam-se as verdadeiras dependências habitacionais dos membros vivos deste corpo místico; e o claustro, tido como o centro palpitante de uma vida em clausura e, também, o nó das circulações internas do edifício, é o lugar onde brota o sangue regenerador de Cristo na sua Fonte da Vida. Se a topografia do terreno de implantação do mosteiro, bem como a sua preparação para o acomodar, é por si só surpreendente, a forma que o mesmo tem apresenta outras particularidades igualmente repletas de simbolismo. A igreja e o claustro, ambas de plantas circulares, formavam um “infinito perfeito”, embora destruído pela construção do retro-coro. A Igreja apresenta uma abóbada rodeada por um varandim, com 36 colunas jónicas, um exemplo único em Portugal e o claustro também se encontra decorado com colunas do mesmo estilo que, na verdade, tratam-se de uma conceção “mais leve” relativamente às suas antecessoras (as dóricas). Os corpos canelados das colunas têm bases e capiteis com volutas. Percebem-se, assim, as influências do Mundo Helénico na conceção arquitetónica do Mosteiro da Serra do Pilar. Um mosteiro que, aliás, era abastecido por um aqueduto a condizer e do qual, atualmente, ainda se podem ver alguns curiosos vestígios… Na próxima edição partiremos à sua descoberta.

 

* Fábio Soares é natural da freguesia de Mafamude, em Vila Nova de Gaia, e residente na freguesia de Oliveira do Douro, também no mesmo concelho. É licenciado em Arqueologia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e pós-graduado na mesma área pela Universidade do Minho. Participou em diversos projetos de investigação em Arqueologia e foi o responsável pela organização e inauguração da Sala Museu Silva Leal, no Instituto Profissional do Terço, no Porto. Hoje, além de trabalhar na área do ensino, onde leciona a disciplina de História, é Sócio-Gerente da empresa Fábio Soares – Serviços de Arqueologia que, entre outros serviços, se dedica à divulgação do património cultural.