A 10 de Março de 1876, Alexander Graham-Bell realizou a primeira chamada telefónica bem-sucedida. Quase 150 anos depois, em Ponta Delgada, continuam a falhar as comunicações entre eleitos e eleitores.
Para dar algum enquadramento, desde fevereiro de 2014, as sessões da Assembleia Municipal de Ponta Delgada têm vindo a ser transmitidas ao vivo via YouTube. Esta solução permite que o comum dos cidadãos possa acompanhar de forma cómoda e prática os debates e decisões que moldam a vida do município, permitindo a participação cívica remota e a responsabilização dos eleitos perante os munícipes.
Sem qualquer nota de aviso prévio, a reunião ordinária da assembleia municipal de 22 de abril de 2025 não foi transmitida. Alegando uma suposta orientação da Comissão Nacional de Eleições (CNE), relativa a uma possível colisão da transmissão com o período pré-eleitoral das legislativas nacionais, cancelaram a disponibilização da emissão em plataforma online. Pessoalmente tenho sérias dúvidas quanto a este entendimento e o questiono, inclusivamente, a autonomia entre os diferentes níveis de poder e o verdadeiro compromisso com a transparência que esta autarquia apregoa.
A sonegação desta emissão trouxe consequências reais e representa um passo perigoso rumo à opacidade e à limitação do escrutínio público.
Não nos podemos esquecer que ainda este ano teremos novas eleições autárquicas e esta decisão nega aos eleitores o direito de acompanhar o trabalho dos seus representantes locais numa altura em que o distanciamento entre eleitos e eleitores é cada vez mais elevado.
Mas o que causa mais estranheza nesta decisão é que, a 15 de abril de 2025, a Assembleia Municipal de Lisboa transmitiu em direto a sua audiência, sem qualquer objeção da CNE. O mesmo aconteceu esta semana nos municípios de Cascais, Oeiras e Porto. Então, para alguns dos maiores municípios do país, a transmissão das reuniões dos seus órgãos não representa qualquer ameaça à integridade do processo eleitoral, mas para os decisores pontadelgadenses representa. É uma precaução genuína dos eleitos açorianos ou é apenas mais uma tentativa de controlo da narrativa pública?
Até posso compreender e aceitar a importância da neutralidade institucional durante períodos eleitorais. Agora não posso aceitar que se confunda o funcionamento regular de um órgão democrático com propaganda. Até porque esta decisão colocaria em causa a realização da assembleia e não só a sua transmissão online! O país não pode parar porque alguém fez uma birra em Lisboa!
Em resumo, a não transmissão online da Assembleia Municipal de Ponta Delgada é uma medida desproporcionada, infundada e reveladora de um desconforto com o escrutínio público.
A democracia exige mais do que eleições periódicas; exige transparência contínua, liberdade de informação e respeito pelas instituições.
É por tudo isto que se torna imperativo que os cidadãos estejam atentos, que questionem e que resistam a qualquer forma de retrocesso da sua liberdade, por mais subtil que este se apresente.
O silêncio também comunica — e este silêncio diz muito mais do que parece.