“PROCURAMOS NÃO DESILUDIR AS PESSOAS PARA QUE POSSAM VOLTAR NO ANO SEGUINTE”, DIZ JOSÉ MARIA JORGE

De 1979 a 2020, vários fatores separam o corso de outrora com o atual. Em conversa com José Maria Jorge, presidente da Casa do Povo do Pico da Pedra, o AUDIÊNCIA ficou a saber qual a história desta iniciativa que move milhares de pessoas até àquela freguesia.

 De 1979 a 2020

 O mais antigo corso carnavalesco da ilha de São Miguel ganha cada vez mais dimensão. Milhares de pessoas visitam o Pico da Pedra em busca das cores e animação que desfilam pelas principais ruas daquela freguesia na tarde de domingo de Carnaval. Este ano, a iniciativa aconteceu a 23 de fevereiro e contou com a participação de 400 pessoas divididas em 13 grupos, que desfilaram desde a Rua da Giesta até ao Largo de São José.

 O primeiro corso, feito há já 41 anos, tinha uma “estrutura praticamente etnográfica”, de acordo com José Maria Jorge, fruto da comissão instaladora que liderava a Casa do Povo da altura. “O primeiro e segundo corso e, talvez o terceiro, foram feitos dentro deste género, posteriormente houve eleições, a comissão instaladora da Casa do Povo sessou funções, houve um ato eleitoral e a nova direção, que era constituída sobretudo por jovens, resolveu que o Corso deveria ter um mecanismo mais recreativo”.

 Nesta altura, sob influência das telenovelas brasileiras, os desfiles seguintes “tinham um cunho muito brasileiro e muitos dos carros reproduziam cenas das telenovelas”. Com o passar do tempo, passou a haver uma vertente política. O presidente da Casa do Povo do Pico da Pedra recorda que na época “apanhou-se os governos de Mário Soares e Cavaco Silva, governos que no princípio correram bem mas que no fim já estavam a ser muito contestados”, pelo que a sátira política passou a fazer parte dos temas que desfilavam no corso.

  “A grande diferença que noto na juventude de então e na juventude de agora, é que a juventude era muito crítica e vivia muito a política. Então, os nossos carros e representações eram muito focados na sátira política”, o que “tinha algum efeito na comunicação social”, pois as quadras reproduzidas durante o desfile carnavalesco, eram também reproduzidas nos jornais da época.

 Por fim, “houve a influência do samba e neste momento podemos dizer que os carros alegóricos são uma mistura de tudo isto: sátira política, criação livre e influência das danças, sambas e grandes festivais brasileiros”, afirma José Maria Jorge.

 O já tradicional Corso Carnavalesco do Pico da Pedra que, desde que o responsável se lembra apenas teve dois anos de interrupção (um ano não se realizou devido a chuvas torrenciais e outro, mais recentemente, devido à requalificação da Avenida da Paz), sempre foi promovido pela Casa do Povo. Antigamente, era frequente as empresas também participarem, fazendo o seu próprio carro alegórico, algo que se alterou na altura de crise, por volta de 2010.

 “Recordo-me de diversos comerciantes fazerem o seu próprio carro. Parecendo que não, isto aliviava-nos um pouco porque não tínhamos qualquer tipo de despesa nem nos preocupávamos com isto. Infelizmente, com a crise, tivemos dois abalos grandes: o desaparecimento dos carros provenientes das empresas e, mais recentemente, a juventude está desligada da política. Raramente aparece sátira política.”

 No entanto, como disse o presidente da Casa do Povo, “nunca se fecha uma porta que não se abra outra”, e o desfile, a partir de então, começou a incorporar instituições da freguesia, como o caso do Vitória Clube Pico da Pedra, e da Banda Filarmónica Aliança dos Prazeres, tal como dos escuteiros e da escola da freguesia que “deixou de participar há dois anos”.

 A preparação para o Corso Carnavalesco

No final de dezembro do ano anterior, é feita uma reunião com todas as instituições e grupos informais que desejam participar no corso. Na altura, “já nos dizem o que pensam fazer e o que precisam”. A partir daí, inicia-se a organização logística: “nós fazemos vários pedidos a empresas” para conseguir-se apoios que, hoje em dia, não são feitos a nível de verbas mas sim a nível material.

Este ano, pela primeira vez, a Câmara Municipal da Ribeira Grande subsidiou este corso carnavalesco na quantia de 3.500€, o que “foi essencial para o Corso”, de acordo com José Maria Jorge, já que se fosse a Casa do Povo a pagar tudo, ultrapassaria os 5.000€. A par deste apoio, também a Junta de Freguesia do Pico da Pedra, parceira desta iniciativa, cobriu algumas despesas na ordem dos 1.500€.

 Se não fossem estas ajudas, “dificilmente teríamos arrancado este ano”, tendo em conta que “nos outros anos tínhamos algum desafogo financeiro, mas ultimamente, com o valor padrão que dão para as valências, as verbas são reduzidas e o dinheiro da Casa do Povo que deveria ser utilizado para esta atividade, é muitas vezes utilizado para cobrir o défice das valências que não são da nossa responsabilidade”.

 Graças aos esforços reunidos pela Casa do Povo em conjunto com a Junta de Freguesia, a Câmara Municipal, os patrocinadores e os grupos que participam no desfile, é possível conter alguns gastos, tendo em conta que “toda a mão-de-obra é gratuita” e que se faz “muita reciclagem” durante a preparação dos materiais que saem à rua. Esses fatores, aliados ao “espírito de colaboração” entre os grupos, tornam toda a preparação mais económica e social.

 Nas vésperas do Domingo Gordo, começa-se a trabalhar nos carros, após os materiais estarem preparados: “na sexta-feira à noite começa-se a montar a tela, havendo sempre ajustes; no sábado também se trabalha até madrugada e ainda no domingo dá-se os últimos retoques da parte da manhã”, para que tudo esteja pronto a partir das 15h, hora a que o muito esperado Corso Carnavalesco arranca.

Também os idosos do Centro de Dia e do Centro de Convívio da Casa do Povo do Pico da Pedra participam nesta festividade. José Maria Jorge explica que “os idosos têm à sua responsabilidade as malassadas: oferecem os ingredientes e um senhor empresta uma garagem onde os funcionários, em conjunto com os idosos mais ativos, fazem as malassadas, mas todos participaram”. Tudo isto são “pozinhos” que revertem a favor da Casa do Povo, a par do aluguer do salão para eventos, das quotas e boa vontade dos sócios, do festival de sopas, entre outras iniciativas que a Casa do Povo organiza de forma a angariar fundos para fazer face às despesas.

 No entanto, há sempre algo a melhorar. O presidente da Casa do Povo quer combater a lacuna do estacionamento. As ruas do Pico da Pedra estão a tornar-se pequenas face ao número de pessoas que quer ver o corso. Por isso mesmo, “para o ano queremos arranjar duas zonas de estacionamento na periferia da freguesia”.

 “Os milhares de pessoas que vêm à freguesia trazem uma responsabilidade acrescida porque procuramos não desiludir as pessoas para que possam voltar no ano seguinte”, disse o responsável.

 A Casa do Povo do Pico da Pedra conta com um quadro de 28 funcionários, sendo que mais dois encontram-se a fazer programas ocupacionais e outro é voluntário; à conta da instituição estão ainda uma cresce com 35 crianças, dois CATLs (um com 62 crianças e outro com 56) e, ainda 17 idosos no Centro de Dia e 35 no Centro de Convívio.