Parece uma “terra de ninguém”! É assim a visão dos social-democratas sobre a atual situação do PSD em Vila Nova de Gaia. Após os resultados das Eleições Autárquicas do passado dia 26 de setembro, Cancela Moura, candidato pela Aliança à Câmara Municipal de Gaia, e líder do PSD no município, apresentou a renúncia ao seu mandato como presidente da concelhia e pediu a convocação de eleições. Abílio Rocha, presidente Mesa da Assembleia de Secção, também se demitiu. O PSD Gaia ficou sem ninguém no comando. As eleições foram já convocadas para dia 30 de outubro. Os militantes gaienses estão revoltados. Apesar de concordarem que Cancela Moura devia sair, acreditam que esta demissão, a poucos meses do término do seu último mandato, foi propositada, para não dar a possibilidade de haver mobilização dentro do partido para a criação de uma lista concorrente. Apesar de Cancela Moura não poder encabeçar uma lista, os social-democratas com quem o AUDIÊNCIA falou acreditam que se trata de uma estratégia para colocar lá alguém da sua confiança e que garanta sempre o seu lugar como deputado.
Na noite de 26 de setembro o povo saiu à rua, votou para as Eleições Autárquicas e o PSD Gaia teve mais uma derrota pesada. À semelhança do que aconteceu em 2017, o PSD, que concorreu aliado ao CDS e ao PPM, enquanto Aliança Democrática, não conquistou nenhuma das quinze Juntas de Freguesia do concelho, e, para a Câmara Municipal conquistou apenas 17,57% dos votos, uma diminuição face aos 20,30% de há quatro anos.
No discurso de reação aos resultados, durante a noite eleitoral, Cancela Moura, candidato pela Aliança à Câmara Municipal de Gaia, e líder da concelhia do PSD, começou o seu discurso por gritar “Glória aos vencedores, honra aos vencidos!”. Mas o rumo iria mudar. Nesse discurso, Cancela Moura acaba por apresentar a sua demissão da concelhia: “face aos resultados, e tendo em conta o processo de escolha do presidente à Câmara, vou pedir a renúncia do meu mandato como presidente da concelhia e vou pedir a convocação de eleições para dar a palavra aos militantes e legitimar uma nova direção política no concelho”.
O Jornal AUDIÊNCIA contactou alguns protagonistas do Partido Social Democrata em Gaia para saber as suas opiniões a esta demissão de Cancela Moura, à posterior demissão do presidente Mesa da Assembleia de Secção, Abílio Rocha, e sobre a convocatória de eleições para o próximo dia 30 de outubro, presente no órgão de comunicação do partido, o Povo Livre. Manuel Moreira não quis prestar declarações sobre o assunto, no entanto, nomes como Firmino Pereira, Pedro Sousa, Rui Pedro Gonçalves, Rui Trindade, Joaquim Leite, Manuel Cruz, Tomás Rodrigues e António Rocha fizeram questão de dar a sua opinião sobre o assunto e mostrar o seu descontentamento com os resultados das Autárquicas e com as eleições agendadas para o próximo dia 30 de outubro.
O golpe da demissão
A demissão de Cancela Moura não surpreende nem desagrada os social-democratas. O que parece ter surpreendido todos é o timing em que o vereador da Câmara de Gaia o faz, uma vez que se encontrava a poucos meses de finalizar o seu último mandato no cargo. Muitos dos protagonistas do partido com quem o AUDIÊNCIA falou acabaram por apelidar o ato de “golpe”, acreditando que se tratou de uma estratégia pensada, para que não houvesse tempo para uma reorganização e discussão no partido, e para a formalização de listas concorrentes. É certo que Cancela Moura não poderá ser novamente candidato, mas os colegas do partido acreditam que será uma estratégia para alguém da sua atual Comissão Política se chegar à frente e encabeçar a lista, que todos acreditam que irá manter os mesmos defeitos da atual.
“O doutor Cancela Moura fez aquilo que já devia ter feito há quatro anos, quando se candidatou à Câmara Municipal Gaia e perdeu rotundamente as eleições, levou o PSD a uma situação de representação autárquica não condigna com os pergaminhos do partido em Vila Nova Gaia”, disse Tomás Rodrigues, sobre a demissão do líder da concelhia do partido em Gaia. Já Pedro Sousa, acrescenta que este é o pior resultado de sempre e que, na sua opinião, tal “resulta de uma incapacidade de construir um projeto político alternativo que consiga captar a confiança dos eleitores. Há uma ideia base adjacente à própria democracia: a culpa nunca é dos eleitores”. Mas os maus resultados não foram uma surpresa, confirmou Joaquim Leite, que foi expulso da militância do partido durante a governação de Cancela Moura: “lamento o que voltou a acontecer nas últimas Eleições Autárquicas, com tantos problemas existentes, já se estava à espera de um fraco resultado”.
Não obstante os maus resultados, o que os militantes acérrimos do PSD não aceitam, nem compreendem, é então o que apelidam de golpe, com a marcação tão rápida de eleições, uma vez que acreditam que tal ato serve para que a mesma equipa se mantenha no poder, e afirmam que a necessidade de aparecerem novos protagonistas e ideias é urgente para que as pessoas de Vila Nova de Gaia voltem a acreditar no partido e a confiar neles na hora de ir às urnas. Na opinião da maioria, esta antecipação das eleições não dá tempo aos demais para construírem listas e projetos para competirem, até porque sobram menos de três semanas para agilizar o processo.
“Isto foram dois golpes num só ano, primeiro com o António Oliveira, agora com esta antecipação das eleições”, referiu Rui Trindade. Já Rui Pedro Gonçalves vai mais longe e diz que se verifica “haver um golpe palaciano, de querer manter os mesmos que tiveram estes resultados eleitorais no poder ad aeternum”. Na declaração política de Firmino Pereira, que foi publicada na íntegra na página do Jornal Audiência, o mesmo explica o que pensa que aconteceu: “como conheço o perfil maquiavélico de Cancela Moura deduzi que iria fugir ao normal debate interno (…) Cancela Moura marcou eleições internas para daqui a um mês, 30 de outubro, não convocando qualquer Assembleia de Militantes onde deveria explicar as razões do seu novo insucesso eleitoral. Cancela Moura, fugindo ao debate e ao contraditório, assume-se como um líder à moda da Coreia do Norte, não permitindo espaço à liberdade de opinião nem à construção de um projeto alternativo”.
A demissão de Abílio Rocha também não caiu bem aos social-democratas gaienses que acreditam que, assim, perderam a voz. “É uma vergonha e uma falta de caráter. A demissão aceita-se [Cancela Moura]! A demissão do presidente da Assembleia da Concelhia já não se aceita porque é a figura máxima do partido em Gaia. A não convocação de um plenário para os militantes discutirem a situação do partido é vergonhosa”, referiu Manuel Cruz, um dos fundadores do partido em Gaia.
“Ao contrário de todas as secções do país, onde se faz análises dos resultados, em Gaia marca-se eleições (…) É um golpe na democracia interna do partido e no concelho”, disse António Rocha, que havia sido candidato contra Cancela Moura em 2017, e que já o acusa de ter sido tudo feito nos mesmos moldes, à pressa, nesse ano. “Isto é um golpe de perpetuação de poder pessoal! O que vai acontecer é que um dos atuais membros da Comissão Política de Cancela Moura, e da sua confiança, se vai candidatar, lá está, um golpe pessoal, e com a conivência do presidente do plenário e da própria distrital. Isto prejudica o partido e os gaienses”, continuou António Rocha.
A questão de António Oliveira, que havia sido indicado como candidato à Câmara Municipal de Gaia e acabou por desistir, apontando o dedo a Cancela Moura, foi referido por alguns dos militantes que entrevistamos. Além desse ser considerado o primeiro golpe do ano por Rui Trindade, Joaquim Leite explicou: “tivemos um candidato à Câmara de Gaia, o senhor António de Oliveira, uma pessoa interessada em unir o partido, uma pessoa de bem, que merece ser respeitada, mas porque queria convidar os expulsos a Concelhia e a Distrital, desrespeitaram as suas ideias. Oliveira bateu com a porta, perdendo-se uma grande figura e que muita falta faz ao partido”.
Rui Pedro Gonçalves disse ao AUDIÊNCIA que o partido precisava de tempo de reflexão, uma vez que se passaram poucos dias desde as eleições e da demissão de Cancela Moura. Mas tempo é coisa que não há. No entanto, Firmino Pereira não esquece que Cancela Moura, mesmo assim, assumirá o papel de vereador na Câmara, e afirma que “Cancela Moura deveria renunciar ao mandato de Vereador eleito para a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia por respeito aos 22 407 eleitores que votaram no PSD porque demonstra, mais uma vez, não ter caráter e atitude de cidadania para estar sentado no órgão executivo da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia”.
É preciso um candidato que una o partido
Dos contactados, todos disseram que acreditam que há pessoas no Partido Social Democrata em Gaia com capacidade para assumir o cargo ocupado, até aqui, por Cancela Moura, no entanto, nenhum deles se assumiu como candidato. Rui Trindade respondeu com um não redondo à pergunta se seria um possível candidato, enquanto Pedro Sousa admitiu que seria um projeto interessante, mas “por razões pessoais, familiares e laborais, não tenho essa disponibilidade”. António Rocha também assegura que “nestas condições, não”, quando questionado sobre a possibilidade, uma vez que em 2017 foi a votos contra Cancela Moura. António Rocha assume que, à semelhança desse ano, também neste não haveria tempo para preparar uma candidatura condigna, e que não vai compactuar com isto, garantindo que este é um “comportamento pouco ético” por parte de Cancela Moura e que foi um ato “propositado, com intenção de inviabilizar opções e discussão”. Rui Pedro Gonçalves não é tão assertivo na sua decisão, uma vez que as suas palavras foram “não digo que não, nem digo que sim”, deixando no ar a possibilidade de uma candidatura.
Tomás Rodrigues acredita que as eleições devem ser desmarcadas, uma vez que “quem as convocou, também as pode desconvocar”, e Firmino Pereira volta a ir mais longe: “lanço um apelo aos militantes do PSD de Gaia que não participem no ato eleitoral «fantoche» do dia 30 de outubro”.