Neste confinamento como no anterior a rádio tem sido de uma enorme companhia, em casa quando miúdos a rádio era uma constante, penso que se ligava e não se voltava a desligar até a noite quando todos recolhíamos aos nossos quartos. As notícias, os radio- teatros, as anedotas, as crónicas do dramaturgo espanhol Alexandre Casona e do humorista Gila (Miguel Gila) com suas chamadas telefónicas de e para a guerra que haveriam de inspirar mais tarde Raul Solnado.
A TSF tem sido uma companheira exemplar com as notícias, as reportagens e as crónicas do Bruno Nogueira com o seu Tubo de Ensaio, sempre acutilante observação sobre a atualidade política e social do País, não esquecendo o seu particular “aprecio” que tem pelo antigo presidente Cavaco. Se destacam no dia a dia as crónicas de Fernando Alves, os seus Sinais nas manhãs são; “com a sua marca de água de sempre: anotação pessoalíssima do andar dos dias, dos seus paradoxos, das suas mais perturbadoras singularidades. Todas as manhãs, num minuto, Fernando Alves continua um combate corpo a corpo com as imagens, as palavras, as ideias, os rumores que dão vento à actualidade.”
Também a Playlist apresentada como; “uma hora de música ao gosto de um convidado. Todas as semanas, uma figura pública é convidada pela TSF a programar uma hora de música diária na rádio. Atores, empresários, escritores, políticos, desportistas, técnicos, professores, durante uma hora valem os gostos e preferências musicais de cada convidado. Produção executiva de Nelson Santos e sonoplastia de João Félix Pereira.” Não é necessário ir à net procurar o que é uma playlist, os convidados nos lembram através das suas opções musicais, temas, melodias, canções que os marcaram em qualquer sentido. Este programa tem servido para relembrar temas antigos, cantores esquecidos e claro muitos, e muitos que não conhecia. Já pensei para este blog fazer a minha playlist…fica para outra oportunidade. Fernando Alves nos lembra numa das suas últimas crónicas que; Covide é uma freguesia do concelho de Terras do Bouro, localizada -se nas abas da serra do Gerês.
“Pára muita gente junto à placa desta aldeia das terras do Bouro e sorriem para a fotografia, mas lá na terra há velhos que não há quanto tempo não saem de casa soletram as sete letras da solidão num silencio aflito…” No dia 28 de fevereiro faleceu o meu pai, Rafael, em Santiago do Chile. Faria 97 anos em novembro, tinha sido vacinado com a primeira dose contra o covid-19, esperava esta semana pela segunda. Viveu junto da minha mãe quase 70 anos de matrimónio e julgo que foram felizes. Se conheceram através dos meus avôs paternos, ambos ligados ao sector livreiro, como os Capuletos e Montescos, mas sem rivalidades, uniram as duas famílias para quatro descendentes. Todos, meus irmãos e eu, herdamos dos nossos pais um sentido próprio para a vida e para a sociedade.
Quando soube da notícia o primeiro foi lembrar-me dos momentos que mais nos marcaram na nossa vida, a nossa infância, a adolescência, o grande terramoto de 1960 que voltou a arrasar a nossa cidade do sul do Chile, e mais tarde a juventude, a nossa ida à universidade, as lutas estudantis, a política , a eleição de Salvador Allende em 1970, a esperança , a nacionalização dos nossos recursos naturais, o bloqueio económico de Europa e dos Estados Unidos de América, o golpe de estado 1973, a morte de Allende , o bombardeamento do palácio de La Moneda e claro, mais tarde o exilio! Também herdamos dele o gosto pelos livros e pela leitura, a sua última prenda no Natal de 2019 foram os contos completos de Edgard Allan Poe, al igual que eu gostava muito de contos e era um bom cinéfilo. Conta o meu pai que quando namorava com a minha mãe, numa ida a uma boîte assistiram a um concerto de Bola de Nieve (Bola de Neve), nome artístico de Ignacio Jacinto Villa Fernández (Cuba 1911- México 1971), cantante, compositor e pianista cubano, “um genuíno ícone da idiossincrasia cubana.” A minha mãe nessa ocasião, teria ido junto do cantor e pediu-lhe para cantar uma canção.
Não sei se seria esta que aqui cito; “Alma mía sola, siempre sola Sin que nadie comprenda tu sufrimiento Tu horrible padecer Fingiendo una existencia siempre llena …”Mas a verdade é que o meu pai tinha esta canção gravada no seu PC pessoal e que de vez em quando eu sentia ele a ouvi-la. Rodeado dos seus livros de filosofia, das suas pinturas, e de muitos jornais, talvez ele também partiu soletrando as sete letras da solidão. Quem quiser ouvir a canção aqui deixo o site, é linda!