Natural do concelho da Ribeira Grande, mais precisamente da freguesia da Matriz, Fábio Carvalho é, desde há dois anos, pároco das freguesias do Capelo, Castelo Branco e Praia do Norte, na ilha do Faial. Apesar de admitir ter saudades da sua terra natal, o padre não se arrepende da decisão e continua convicto em servir e estar próximo da população. Nesta entrevista ao AUDIÊNCIA, o padre Fábio Carvalho fala não só da sua experiência como dos momentos mais felizes e mais tristes e dá a conhecer aos leitores um pouco mais destas freguesias da ilha do Faial.
Aqui no Faial, numa altura em que uma das paróquias que lhe está adstrita que faz parte da freguesia de Castelo Branco, comemorou 507 anos, com uma cerimónia que decorreu na Igreja Paroquial de Santa Catarina de Alexandria e um grupo coral fantástico.
Sim, é um grupo coral que não faz parte da paróquia, mas sim uma instituição da freguesia.
Está cá há dois anos, como é estar longe da Ribeira Grande, mas perto do povo que prometeu acompanhar?
Fica sempre a saudade da nossa terra natal, mesmo estando longe permanece sempre no nosso coração. Sempre que possível procuro ir lá de férias e estar também junto do povo que me viu nascer, que é a Ribeira Grande e a freguesia da Matriz da Nossa Senhora da Estrela. Nestes dois anos que estou aqui no Faial, tive sempre grandes desafios, um deles foi aqui na paróquia do Capelo em que em janeiro de 2020, ou seja, praticamente quatro meses depois de tomar posse, quando houve o incêndio. Foi um dos maiores desafios destes dois anos de sacerdócio, mas graças a Deus consegui ultrapassar, e no último dia 30 de maio houve a reabertura desta Igreja já com a obra totalmente concluída.
Atendendo à rivalidade que existe entre ilhas, e sendo o padre Fábio oriundo da ilha de São Miguel, não muito amada pelas restantes ilhas porque é onde existe o poder central e que muitos dizem que atrofia as restantes ilhas, como é que foi recebido aqui pelos seus paroquianos?
Fui bem recebido tanto pela freguesia de Castelo Branco, como pela Praia do Norte e pelo Capelo, fui bem recebido nelas todas porque não podemos misturar estas questões da política com a Igreja. Sou um pastor que procura estar sempre no meio do povo e procuro servir sempre, dou o melhor, procurando sempre os interesses e o melhor de cada um deles.
Mas não estava a falar de política, estava a falar de tradição…
Sim, as tradições, cada ilha tem a sua, e até mesmo na ilha, cada concelho, cada freguesia tem as suas tradições e é aí que vemos a grande riqueza de viver nos Açores, que é cada uma com a sua tradição, cada uma com a sua maneira de ser, mas que nos preenchem nesta cultura riquíssima que é a dos Açores.
Fale-nos um pouco mais sobre estas freguesias.
A freguesia de Castelo Branco tem entre 2000 a 3000 habitantes, a do Capelo entre os 500 e os 600 e a Praia do Norte entre os 200 e os 250 habitantes. E esta última tem uma característica muito peculiar porque por ser uma freguesia pequena praticamente são todos família.
E esta família “faz-lhe a folha”?
Não, pelo contrário. Podemos dizer que a freguesia da Praia do Norte é a pupila da diocese dos Açores por ser uma freguesia pequena, mas praticamente quase todos são praticantes e frequentam a eucaristia.
O que quer dizer que a do Capelo e do Castelo Branco têm muitas faltas aos compromissos religiosos?
Não necessariamente, mas isso é a nível geral. Quanto mais perto de zona de cidade, maior oferta têm por isso procuram também a nível de horários, poderão não vir ao Capelo nem à Praia do Norte mas poderão frequentar as outras eucaristias da zona de cidade.
Quais são as principais festas religiosas destas três freguesias?
Começando por Castelo Branco, a grande festa é a 25 de novembro que é a festa da nossa padroeira Santa Catarina de Alexandria, temos também a 15 de agosto a Festa da Nossa Senhora de Lurdes. No Capelo, temos a 22 de agosto a festa da Nossa Senhora da Esperança, temos a festa da nossa padroeira Santa Ana, que é sempre dois fins de semana próximos do dia 26 que é o dia de Santa Ana e São Joaquim, e temos também a festa da Nossa Senhora da Saúde que é uma ermida privada, mas que faz festa com a paróquia. Por fim, a Praia do Norte tem a festa da Penha da França a 7 de setembro, e a festa da padroeira Nossa Senhora das Dores que é o fim de semana que se aproxima sempre do 15 de setembro.
Como é a adesão da população às atividades paroquiais, por exemplo, à catequese?
Começando pela Praia do Norte, como disse é uma terra muito católica e os jovens e as crianças procuram sempre frequentar a catequese. E depois as restantes, por ser zona de cidade, procuram outros campos de catequese, consoante também os horários que têm mais disponibilidade e são mais acessíveis para os pais. Mas também devido à diminuição do crescimento da taxa de natalidade também temos vindo a decrescer no campo das crianças na catequese.
Disse que por estarmos na cidade, as pessoas nem sempre vão ao culto. Mas a verdade é que na cerimónia dos 507 anos de Castelo Branco não houve político nenhum que se recusasse à comunhão. Isto quer dizer que afinal consegue agregar todos, quer sejam da esquerda ou da direita?
Como tenho dito também aos meus paroquianos, eu jamais recuso dar a comunhão seja a quem for porque o pecado está no coração daquele que vai comungar. Se eles acham que não estão aptos para comungar, isso está no coração deles. Se vão comungar, é porque acham que estão dignos para receber a comunhão.
Estas freguesias também têm muita riqueza cultural. Já falou sobre o coral de Santa Catarina de Alexandria, mas conte-nos um pouco mais sobre isso, é um grupo com vozes extraordinárias.
Sim, e como disse, procuro estar sempre no meio do meu povo e uma vez que há este movimento procuro também estar no meio deles. Não só no coral como em Castelo Branco procuro e sou irmão dos quatro impérios do Espírito Santo que estão em Castelo Branco, no Capelo sou irmão de um dos impérios, mas futuramente irei fazer-me irmão dos outros dois, e na Praia do Norte, que também só tem um, irei fazer o mesmo. Procuro também estar integrado nestes movimentos e associações e o coral de Santa Catarina vai fazer agora em novembro 20 anos, foi criado pelo padre Marco Luciano, que era pároco de Castelo Branco e, felizmente, foi uma autoridade que trabalho muito por isto. Já fizemos alguns concertos, e procuramos sempre dar vida e crescimento à nossa cultura.
E o Stella Maris que atuou também nesta cerimónia?
O Stella Maris é um coral também da ilha do Faial, apesar de ter muitos coralistas de Castelo Branco foi criado pela Igreja do Carmo, mas está ao serviço de toda a ilha do Faial e de todo os Açores e a todos aqueles que queiram escutar.
Mas nessa cerimónia estiveram também presentes três senhoras, de alguma idade, com uma capa diferenciadora. Que instituição era?
Faziam parte da Irmandade de Santa Catarina de Alexandria, que é uma irmandade da nossa padroeira de Castelo Branco. A nível geral, nos Açores, e principalmente nas ilhas mais pequenas, falta-nos muita juventude. Os jovens vão estudar, e acabam por ficar nos sítios onde estudam por haver mais oferta. Daí termos muita falta de jovens nas nossas ilhas, principalmente aqui no Faial. Também sou assistente da Pastoral Juvenil do Faial e sentimos muita falta e sentimos dificuldades em trabalhar com os jovens por causa disto, assim como os escuteiros que temos cá no Faial que também têm vindo a decrescer talvez por falta de entusiasmo das crianças, talvez por falta de entusiasmo dos pais, mas também, acima de tudo, pela ausência dos jovens. Porque praticamente os caminheiros, que é a partir dos 18 anos, é a idade em que vão para a universidade e logo ficam pelas ilhas onde estão a estudar, quer em São Miguel, quer no Continente.
Corpo Nacional de Escutas que primou pela ausência na cerimónia…
Sim porque também neste fim de semana tivemos bodas de prata da Junta de Núcleo do Faial. Nós temos o nosso agrupamento de freguesia, mas a Junta de Núcleo engloba todos os agrupamentos da ilha, daí o CNE, o agrupamento 1908 de Castelo Branco estar a representar o agrupamento na Junta de Núcleo, que é uma atividade que engloba todo o Faial.
Apesar de participarem, ou não, assiduamente nas atividades religiosas, aquele sentimento de adoração está sempre presente, daí talvez o facto de as cerimónias terem começado exatamente pela bênção de um barco alusivo a Nossa Senhora de Fátima…
O importante é nós lançarmos a semente e acreditamos que a semente está sempre plantada no coração de cada um e depois com o tempo irá germinar ou não. O mais importante não é o colher frutos mas sim lançar a semente e é esse o nosso trabalho como pastores, lançar a semente para que depois, futuramente, possa colher frutos no coração e na maneira de ser de cada um.
Para os jovens já citou alguma dificuldade, porque eles têm de procurar fora da ilha a continuação dos estudos e a concretização de anseios e ambições, mas concretamente, o que está a ser feito nestas três paróquias para aqueles que restam, os que ficam, possam se entusiasmar pelas atividades paroquiais ou sociais?
Procuramos dar sempre um acompanhamento pastoral, como disse, temos a Pastoral Juvenil, procuramos também criar grupos de jovens, mas é sempre difícil formar com dois ou três elementos, daí a dificuldade. Mas agora com o agrupamento CNE também como assistente, também procuro estar próximo. No agrupamento procurávamos estar todos os meses numa celebração a animar, mas com a pandemia, devido ao distanciamento e ao limite de pessoas, decidimos não animar a eucaristia e procurar outras alternativas. Por exemplo, ao longo deste ano não animamos a eucaristia na Igreja mas tivemos uma Via Sacra pelo caminho do Morro, tivemos uma eucaristia com promessas no auditório aberto no Morro, tivemos uma celebração mariana no porto de Castelo Branco, tivemos promessas dos escuteiros recentemente, ou seja, procuramos sempre dar alma e dar continuidade a este campo espiritual no CNE. Em relação aos restantes, como Pastoral Juvenil em cada dia 23, que também pertence à nossa diocese, estamos a criar uma atividade com os jovens, quer um momento de adoração, eucaristia, ainda a 23 de julho, por ser o mês de Santa Ana e São Joaquim, em que o Papa pediu para rezar pelos avós, criamos uma atividade em que concentramos não só os jovens, mas também os seus avós, fazendo uma noite de chá em que partilhamos ideias tanto dos avós como dos jovens.
Falou há pouco do ouvidor, e fiquei com ideia que ele tem bons ouvidos, pelo que me pareceu haver um relacionamento intrínseco entre as paróquias a que o padre Fábio Carvalho preside e o próprio ouvidor. É assim?
Procuramo-nos dar bem, afinal somos todos irmãos de sacerdócio e, como tal, devemo-nos dar bem.
Custou-lhe muito largar a Ribeira Grande, ou o facto de ter conseguido conquistar, mais uma vez, o coração dos seus pais que o acompanham nesta caminhada, tornou as coisas muito mais fáceis e até se tornou um alívio deixar de aturar os “chatos” da Ribeira Grande?
Não, custa sempre deixar a nossa terra natal, a terra que nos viu crescer, os nossos amigos, as nossas famílias, apesar de os meus pais me terem acompanhado e estarem aqui comigo, mas custa sempre deixar aqueles amigos e aqueles momentos porque fica sempre aquela lágrima no canto do olho. Mas como disse no início, procuro estar com eles sempre que estou de férias, procuro ir à Ribeira Grande e estar sempre com a comunidade, daí que procuro sempre, nem que seja, cocelebrar na Igreja da Ribeira Grande, que agora está no Salão Paroquial, mas procuro sempre celebrar a eucaristia com eles e estar próximo das pessoas.
E a verdade é que também se encontra com eles aqui…
Exatamente. Estas evoluções também do tempo, com as promoções de aviões, sempre dá jeito também para matar as saudades.
Está arrependido do passo que deu ao abraçar o sacerdócio?
Não, de maneira nenhuma. Não posso dizer sobre o amanhã, tenho de falar do presente, e até ao dia de hoje não me arrependo em nada daquilo que eu fiz.
Qual a sua maior ambição na vida?
Não tenho assim grandes ambições, procuro sempre ser a pessoa que sou, próxima, humilde, simples e escutar sempre a população. Como diz o Papa Francisco, um pastor com cheiro a ovelhas.
Nestes dois anos em que se tornou pastor deste rebanho destas três freguesias, qual o momento mais difícil?
O momento mais difícil foi, sem dúvida, no dia 4 de janeiro de 2020 em que recebi a triste notícia que uma das minhas Igrejas, a Igreja do Capelo, se estava a incendiar. Esse, sem dúvida, foi o momento mais difícil e triste neste pequeno trajeto que tenho.
Mas será por estar aqui há pouco tempo, ou será pela sua capacidade de convencer outrem, que o milagre da recuperação aconteceu e, se calhar, hoje tem umas instalações melhores do que as que tinha antes?
Não poderei responder a isso, agora, deixo ao critério de cada um para poderem responder. Não sei avaliar a mim mesmo, deixo que sejam os outros a avaliar.
E qual foi o momento mais feliz nesta sua caminhada de dois anos?
Para mim todos os momentos são felizes, cada dia, cada momento, mas sem dúvida que um dos dias mais tristes foi o dia do incêndio, como o momento mais feliz foi poder fazer a reabertura da Igreja.
Para quem lê na Ribeira Grande, que mensagem gostaria de deixar?
Que sabem que podem contar sempre com a minha oração e sempre que possível que eu passe por lá também podem contar comigo e tenho sempre os ouvidos abertos para aquilo que necessitarem e se for preciso um acompanhamento espiritual também estarei disponível.
Isto de ter os ouvidos abertos não quer dizer que, apesar de ter a idade que tem e ainda estar a começar, que não tenha também no campo eclesiástico ambições de ouvidor?
Não, contento-me com aquilo que sou. E uma das coisas que nos seminários já falavam nesta possibilidade de subir para doutoramento, sempre disse que vou estudar e tirar o curso para ser padre, não mais do que isso. Não ambiciono mais. Procuro ser padre e estar sempre ao lado do meu povo.