“O Parque Mayer representa toda a minha vida”
O acaso levou Hélder Freire Costa ao mundo do teatro, mas foi o amor pela área que o fez ficar, já lá vão quase 58 anos. Viu o Parque Mayer e o Teatro Maria Vitória sobreviver à guerra, a incêndios, a crises e, mais recentemente, à pandemia. Considera-se um homem de luta e, por isso, é com alegria que vê chegar o centenário destes locais que têm um lugar especial no seu coração.
Quem é o Hélder Freire Costa?
Nasci em Lisboa, onde também resido. Sou empresário teatral desde 1975 e homem de teatro desde 1964. Fui para o teatro como secretário do empresário Giuseppe Bastos, e em 1975, aquando da sua morte, fiquei à frente dos destinos do teatro até hoje. O Maria Vitória foi o 1º teatro no recinto do Parque Mayer, e é o último, uma vez que todos os outros já foram demolidos. Anteriormente fui empregado bancário e de escritório.
O que o levou até ao mundo do espetáculo?
Eu era jovem e gostava da vida noturna. Realizava bailes e deitava-me muito tarde. Nesse tempo havia ponto e eu chegava ao banco sempre atrasado e um dia quando cheguei, já não trabalhava lá. Fui respondendo a anúncios e um dia cheguei a casa e a minha mãe disse que tinha ligado um senhor que queria falar comigo do Cineteatro Capitólio. Contactei-o, ele marcou uma reunião comigo, fui lá e fiquei logo. Estava de passagem, a ideia era entrar na banca novamente, mas, entretanto, apaixonei-me pelo teatro. Fui ficando. Houve uma altura em que estive quase para sair, mas depois o empresário falou comigo, ofereceu-me melhores condições e acabei por ficar. Entretanto, em 1975, o empresário faleceu e foram-me buscar a casa para continuar o lugar dele, até hoje. 58 anos é uma vida.
Durante estes anos já viu o mundo do espetáculo passar por várias fases. Como tem sido esta aventura?
Eu sou homem de luta, sou do signo Touro, portanto, sou um homem de coragem e que enfrenta as adversidades. Têm é sido muitas. Eu entrei no teatro na altura da guerra em África, logo aí, houve uma grande quebra de público. Vivíamos um momento muito triste, de guerra intensa nas nossas colónias, e o publico não ia ao teatro. Passado esse momento, as pessoas regressaram ao teatro, mas depois houve a morte do empresário, tive de recomeçar do zero. Depois de ter recomposto a atividade, sofremos um violento incêndio e o teatro ficou destruído.
O presidente da Câmara da altura, engenheiro Abecasis, prontificou-se a ceder o Teatro Maria Matos para irmos para lá com a companhia. Lá está, eu tinha sorte, mas pouca. Fomos para o teatro Maria Matos, deslocado do centro da cidade, na altura em que a estação de comboios mais próxima tinha entrado em obras. O acesso era difícil, à noite, quando terminava o teatro, as pessoas não tinham forma de regressar a casa. Voltei ao Parque Mayer, associei-me ao Vasco, e fizemos uma grande revista, com o OVNI.
O mundo do espetáculo foi um dos mais atingidos pela pandemia. Como está a ser este reerguer?
Tem sido difícil. Nós estivemos encerrados, em confinamento. Tivemos algum apoio da Câmara de Lisboa, mas os apoios nunca pagam tudo na totalidade, houve um grande esforço da nossa parte. Só que, entretanto, houve um abre e fecha constante. Quando estava a correr melhor, em dezembro, já estávamos a vender bilhetes para o Natal e o Fim do Ano, são atingidos 11 elementos da companhia com Covid. Tive de encerrar o teatro, suspendemos o espetáculo, foi um prejuízo enorme. Regressamos só no dia 13 de janeiro, com uma pequena alteração no elenco. Depois meteu-se as eleições e o publico não tinha disposição para o teatro, por causa dos comícios e assim. Esperamos que agora melhore daqui para a frente.
O Parque Mayer comemora um século de existência este ano. O que representa para si este local?
Os 100 anos são comemorativos do Parque Mayer, que inaugurou no dia 15 de junho de 1922, e do Teatro Maria Vitória, que foi o 1º teatro no recinto e inaugurou no dia 1 de julho desse ano. Vamos festejar o centenário, mas temos outra dificuldade. Os orçamentos oficiais ainda não foram aprovados, houve eleições, estamos a aguardar a possibilidade de começarmos a trabalhar porque pretendemos apresentar um espetáculo comemorativo do centenário. O Parque Mayer representa toda a minha vida. Fui para lá com 23 anos, foi estando lá que casei a primeira, a segunda e a terceira vez, foi estando no Parque Mayer que tenho três filhos, três netas, portanto, é muito representativo de toda a minha vida. Já estou idoso, já não tenho aquela força da juventude, mas sou um homem de luta. Toda a minha vida lutei, com o teatro, pelo teatro, com as pessoas que dele fazem parte. Há uma vitória no meio disto tudo, é que foram tantos os teatros que foram abaixo e o Maria Vitória nunca deixou de funcionar.
Como se sente por ser distinguido, novamente, com o Troféu AUDIÊNCIA?
Eu já fui distinguido por duas vezes, uma em Gaia, outra no Porto. Para mim foi uma surpresa. Uma distinção é sempre uma distinção. Não se deve agradecer, mas deve-se sentir no coração e, logicamente, é um grande orgulho. Fico muito grato ao jornal AUDIÊNCIA por se ter lembrado de mim, mais uma vez.