PAUSA DE “QUEM É? QUEM É?” PARA FALAR DE LITERATURA POLICIAL

Poucas pessoas no mundo, que gostem de ler, podem gabar-se de nunca terem lido um romance policial. Depois dividi-las-emos entre as que gostam, as que não gostam… e as “que dizem” que não gostam. E entre as penúltimas, só poderemos avaliar o seu juízo de valor depois de conhecermos a quantidade e a qualidade de livros policiais que leram.

Infelizmente, alguns dos melhores livros de sempre estão completamente esgotados, nenhuma coleção recente os reeditou ainda e têm de ser procurados nos alfarrabistas com a mesma avidez com que nos antiquários se buscam preciosidades tais como uma moeda antiga, um quadro célebre de que se desconhece o valor ou uma peça rara que o colecionador persegue há anos.

Quando descobrirem esses livros terão a mesma alegria que nós experimentámos ao encontrar finalmente em Portobello Road (a Feira da Vandoma/da Ladra londrina) uma primeira edição do “Strand Magazine” com as histórias de Sherlock Holmes.

Mas como falar-vos de Sherlock Holmes e de Literatura Policial sem começar do princípio?

 

O NASCIMENTO DA LITERATURA POLICIAL

A Literatura Policial nasceu verdadeiramente com o conto “Os Crimes da Rua da Morgue”, escrito pelo norteamericano Edgar Allan Poe e publicado pela primeira vez no “Graham’s Magazine” em 1841.  Poe definiu assim, desde o início, todo o esqueleto básico da literatura policial: «Do mesmo modo que o homem forte se satisfaz com as suas aptidões físicas, deleitando-se com os exercícios que põem em atividade os seus músculos, exulta o leitor com essa atividade espiritual cuja função é destrinçar enredos. Acha prazer até nas mais vulgares circunstâncias, desde que ponham em jogo o seu talento. Adora os enigmas, os hieróglifos, exibindo nas soluções de todos eles uma perspicácia que, para o homem vulgar, toma o aspeto de uma coisa sobrenatural».

Edgar Allan Poe é chamado, por isso, o verdadeiro pai da literatura policial. Deu-nos um enigma de quarto fechado, que todos os escritores policiais tentaram um dia apresentar nos seus romances ou contos. O chamado crime impossível! A vítima assassinada num lugar inacessível, ou fechada por dentro. Criou o par ideal. O investigador e o amigo que serve de biógrafo ou de cronista. Com o seu M. Dupin e o seu amigo desconhecido.

Mais tarde Sherlock Homes e Dr. Watson celebrizaram o processo sob a pena de Arthur Conan Doyle, outrotanto fazendo Agatha Christie com o seu Hercule Poirot e o Capitão Hastings.

Poe escreveu também os primeiros contos de terror e de suspense. Fez nascer o detetive particular inteligente e dedutivo em competição com o polícia oficial. Imitaram-no dezenas ou centenas de outros autores com sucesso. Entre os mais célebres destacamos Ellery Queen, Philo Vance, Philip Marlowe, Sam Spade, Hercule Poirot ou Miss Marple, detetives criados respetivamente por Ellery Queen (pseudónimo dos primos Frederick e Manfred Lee), S.S. Van Dine, Raymond Chandler, Dashiell Hammett e Agatha Christie.

A literatura policial foi acompanhando a vida real, buscando os seus temas nos noticiários criminais embora com algumas pinceladas de ficção dos seus criadores. Também aí Edgar Allan Poe foi inovador. O conto que escreveu sob o título “O Mistério de Marie Roget” foi baseado na notícia de um crime insolúvel que lhe deu o tema para a história que veio a ser considerada como o desfecho mais lógico para o crime cometido.

O nevoeiro londrino, os crimes nunca descobertos de Jack, o Estripador, inspiraram os ambientes melodramáticos de Sherlock Holmes, um detetive pretensioso, mas terrivelmente dedutivo a quem todos procuravam no nº 221-B de Baker Street. Morada famosa que continua a receber cartas de leitores ingénuos que acreditam na sua existência real.

O êxito de Sherlock Holmes fez nascer em França o seu opositor não menos famoso, Arsène Lupin, o ladrão de luva branca imaginado por Maurice Leblanc e que vem mais tarde a servir de figurino-padrão para o “Santo”, ou seja, Simon Templair, de Leslie Charteris. Em França nascera também o Monsieur Lecoq, de Émile Gaborian.

À literatura policial, que já tinha detetives e gatunos célebres, juntou-se um padre, o padre Brown, de Gilbert Keith Chesterton, uma figura admirável pela sua definição humana e característica.

Entretanto, tinham decorrido desde o nascimento oficial de Monsieur Dupin, de Edgar Allan Poe, em 1841, até ao aparecimento do Padre Brown, em 1911, 70 anos.

Depois é um longo desfilar de escritores e figuras famosas. As mulheres, principalmente, vêm disputar os lugares cimeiros, trazendo pela mão figuras de destaque: Agatha Christie surge não só com o Hercule Poirot, como com uma velha solteirona e bisbilhoteira que faz as delícias dos leitores com as duas deduções no meio da malha de tricot – Miss Marple. Dorothy Sayers traz à cena um lord investigador: Lord Peter Winsey.

Edgar Wallace oferece-nos Mr. Reeder, baixinho e perspicaz; Earl Derr Biggers introduz Charlie Chan, um chinês que cita Confúcio no meio das investigações; Margery Alling, Albert Campion; Ellery Queen um detetive de lunetas com o mesmo nome, que desafia o leitor; Dashiell Hammett um detetive particular à sua própria imagem, Sam Spade; John Dickson Carr, o Dr. Gideon Fell; Georges Simenon revolta-se contra o segundo plano em que colocado polícia profissional e recorta, com uma humanidade extraordinária, um polícia a sério – o Inspetor Maigret – um homem casado, que se constipa e faz do cachimbo o seu emblema e que progride na Polícia, chegando a Comissário e obtendo uma reforma pacata.

Nero Wolfe é seu contemporâneo, mas é a antítese de Maigret. É investigador privado, adora cerveja e orquídeas, pesa umas boas arrobas e não sai de casa. O seu braço direito é Archie Goodwin cujas tiradas humorísticas valem os livros de Rex Stout, o seu autor. Entretanto, a América, fértil em escritores do género, oferece-nos o advogado Perry Mason de Erle Stanley Gardner e o bissexual e serial killer Tom Ripley de Patrícia Highsmith.

A corrente moderna da violência faz nascer a lei de Talião de “olho por olho e dente por dente” de Mickey Spillane, com o seu Mike Hammer, ou o Lew Archer de Ross Macdonald.

Oito destes escritores (suas obras e suas personagens) serão recordados nas próximas edições da nossa secção, no “Torneio Quem é? Quem é?”, onde homenagearemos também três grandes escritores policiais portugueses: Dick Haskins, Dennis McShade e Ross Pynn.