Com 35 anos e um longo percurso ligado às artes cénicas, Fábio Alves alcançou a sua primeira internacionalização, enquanto ator, com a interpretação da personagem “Steve”, no filme irlandês “Made in Dublin”, que estreou a 15 de julho no 35º Galway Film Fleadh e conquistou, recentemente, três prémios no Cannes World Film Festival. Em entrevista exclusiva ao AUDIÊNCIA, o gaiense, natural de São Félix da Marinha, revelou que o teatro entrou por acaso na sua vida e que só um ano depois de frequentar o Balleteatro é que percebeu que era, realmente, o que queria fazer para o resto da vida. Há 17 anos no mundo artístico, também ligado ao cinema e à televisão, evocou os desafios impostos pelo mundo digital e a importância da adesão dos portugueses à cultura. O teatro corre-lhe no sangue, o palco é a sua casa e o sonho é criar uma companhia distinta em Vila Nova de Gaia, porque “esta magia, que acontece todas as noites, é inexplicável”.
Para quem não o conhece, quem é o Fábio Alves?
Eu comecei por ser um miúdo muito tímido e muito pouco sociável, embora isso nunca me trouxesse dissabores, pelo que nunca tive problemas na escola. Porém, era muito introvertido, por isso é que vir parar a esta área artística foi uma surpresa para muita gente, porque ninguém imaginava que eu, de repente, tivesse este gosto. Contudo, ainda hoje não sou propriamente uma pessoa muito expansiva, mesmo entre amigos, porque há muito a ideia de que quando somos artistas temos de ser os animadores de serviço, mas não é bem assim. Eu sou muito pacato e tranquilo, o que depois também tem a sua piada, porque quando chegamos ao palco, transformamo-nos completamente. Eu gosto disso, é algo que me agrada e também não faço um esforço por ser uma pessoa diferente no dia a dia, porque eu acho que já usamos máscaras no nosso trabalho e isso não me traz qualquer tipo de dissabor.
É natural de São Félix da Marinha. Quando e como surgiu a sua paixão pelas artes cénicas?
Eu fiz quase todo o meu percurso académico aqui, até ao dia em que fiz os meus testes psicotécnicos. Eu faço desporto desde os meus sete anos, fui jogador federado de futebol, mas, entretanto, quando fui estudar teatro deixei. Todavia, estive sempre ligado ao desporto e fiz corrida, natação, pugilismo e ainda hoje treino, porque eu acho que é fundamental, pois, para além das emoções e da voz, o corpo também é uma ferramenta dos atores e eu esforço-me para que esteja sempre disponível. Portanto, eu sempre quis seguir desporto, mas quando cheguei ao 9º ano fiz os testes psicotécnicos e foi muito curioso, porque havia aquele preconceito de que era algo que não era nada necessário e, com esse estigma instalado, comecei a fazer os testes de cor, sem refletir e sem pensar verdadeiramente, até que nos últimos testes eu decidi preenche-los com consciência e pensar realmente sobre o assunto e o resultado foi artes de palco e comunicação e eu achei aquilo esquisito, até que, depois, a psicóloga chegou ao pé de mim e disse-me que se eu quisesse seguir teatro, que havia duas escolas profissionais no Porto e eu comecei a pensar no assunto. Entretanto, decidi dar ouvidos à psicóloga e inscrevi-me nas provas de admissão do Balleteatro e da Academia Contemporânea do Espetáculo. O Balleteatro fez as provas antes e quando eu soube que entrei na primeira fase, já não fiz as provas da Academia e fiquei muito surpreendido por ter entrado nas primeiras audições. Porém, eu tinha-me preparado, porque sempre fui muito perfecionista, mas era tudo novidade para mim. Então, eu decidi embarcar nessa aventura e como também havia um grupo de teatro amador em São Félix da Marinha, eu decidi juntar-me para perceber se tinha algum jeito para aquilo. Estudei no Balleteatro até ao 12º ano e foram três anos fabulosos. O primeiro ano foi uma experiência, com a mentalidade completamente aberta, para absorver toda a bagagem possível e foi no final do primeiro ano que eu percebi que era aquilo que eu queria fazer e que me estava no sangue, eu é que não tinha dado conta. No final do 12º ano, em 2006, fiz as provas para o ensino superior, em Lisboa, em Coimbra, nas Caldas, em Vila Real e na ESMAE, e passei em todas, mas optei por ficar na ESMAE e, em paralelo, fui trabalhando, porque quando eu acabei o Balleteatro fiz um estágio curricular no Teatro Experimental do Porto, pelas mãos do Roberto Merino, dando, assim, início ao meu percurso profissional e, a partir daí, tive sempre trabalho, com alguma regularidade felizmente, até hoje, desde há 17 anos. Quando estamos no meio de uma cidade grande, como o Porto, e subimos ao palco pela primeira vez, mesmo a nível académico, nós sabemos que há pessoas do meio com influência e excelentes profissionais que vão estar lá e que nos vão ver e essa pressão acrescida está lá e aí ou resistimos, ou não. Quando resistimos, é quando aquele nervoso miudinho, que existe, se transforma em adrenalina e ao fim dos primeiros dez minutos já estamos a amar estar ali e é essa sensação que, quando acaba o espetáculo, nos faz querer imediatamente ter o próximo e isto é a tal paixão, o tal amor e, sim, foi no meu primeiro ano, nas produções mais sérias do Balleteatro, que eu tive essa certeza.
Eu sei que tem um vasto currículo, mas fale-me um pouco sobre a sua vida profissional e artística?
Eu tenho um currículo de que me posso orgulhar, embora eu não goste de utilizar a palavra carreira. É um percurso profissional, como poderia ser outro qualquer. Em 17 anos, já são 40 produções teatrais, mais de 20 produções audiovisuais, isto é, televisão, cinema, assim como curtas, médias e longas-metragens. Eu devo estar nas 700 representações, o que é um número engraçado. Portanto, acho que é um percurso giro, de que me posso orgulhar. Já trabalhei com companhias, aqui, no Porto e em Lisboa e já subi a palcos com uma longa história. Há pouco tempo, tive a experiência de subir, pela primeira vez, ao palco do Coliseu do Porto, também já estive no Teatro Sá da Bandeira antes de sofrer algumas obras, assim como no Teatro da Trindade, em Lisboa, e no Coliseu de Lisboa, com sala cheia, porque são edifícios que respiram história e são, para mim, marcos que eu guardo com muito carinho, mas que não grito aos sete ventos, porque não faz parte da minha natureza, pois sempre fui uma pessoa reservada e humilde também.
Qual foi a produção que mais o marcou até aos dias de hoje?
Foram algumas e por motivos diferentes, daí ser difícil responder a esta pergunta. Mas, em 2015, houve uma produção no Teatro Sá da Bandeira, da ViVonstage, que se chamava “Fame! Fame! Fame!”, uma criação original sobre uma estrela de rock, a sua ascensão e queda e eu sempre fui um amante de rock. Na ocasião, depois de fazer a audição, eu passei e fiquei com o papel de protagonista e tive muito medo, porque eu sou ator e, felizmente, a formação que temos é muito completa e prepara-nos para dançar e para cantar, mas há musicais que exigem, para determinados papéis, cantores, e outros que não tanto e era o caso, ou seja, precisavam de um ator que cantasse, mas não sendo cantor tive medo de fazer aquele papel, mas quando vi as músicas e a personagem apaixonei-me completamente, porque apesar de ser muito diferente de mim, tínhamos essa linha comum, que era a paixão pelo rock. Eu lembro-me que foi um trabalho muito duro e extremamente exaustivo a nível musical, mas tive colegas de elenco que me ajudaram muito nessa matéria e o espetáculo foi fabuloso. Estreei inseguro, com muito medo, mas depois percebi que correu muito bem e, a partir daí, aquela personagem vivia por si só e este espetáculo marcou-me pela personagem, que era incrível e o feedback do público foi muito positivo. Em 2013, pela Yellow Star Company, posso salientar uma produção que estreou no Teatro da Trindade, em Lisboa, e esteve quatro meses em cena, se contarmos com a digressão, porque era um texto de José Saramago, intitulado “A Noite” e a história passava-se na redação de um jornal na noite de 24 para 25 de Abril e foi a primeira vez que eu estive em palco com tubarões, digamos assim, tanto do teatro como da televisão, e aquilo, para mim, foi um deslumbramento e, depois, tive de dar na perna, para acompanhar o ritmo daquela malta e também foi uma experiência incrível, porque estava a trabalhar com nomes como Vítor Norte, Filipe Crawford, João Lagarto e Sofia Sá da Bandeira que, para além de meus colegas, foram meus companheiros nesta aventura em Lisboa, em que eu estava a trabalhar, sozinho, e trataram-me muito bem, pelo que este projeto também me marcou.
Recentemente alcançou a sua primeira internacionalização enquanto ator, através da interpretação da personagem “Steve” no filme irlandês “Made in Dublin”, que estreou a 15 de julho no 35º Galway Film Fleadh. O que sentiu por ser um dos dois portugueses que integraram o elenco?
Não posso deixar de me sentir um privilegiado e que a sorte me sorriu um bocadinho. Ao fim de 17 anos, eu acho que é natural que algumas coisas aconteçam, mas sendo só ao fim deste período traz-me alguma segurança, porque é sinal de que o trabalho é consistente e é sério, porque quando as coisas acontecem muito rapidamente tenho muito medo, porque a queda também pode ser rápida. Eu costumo dizer que nunca fui uma pessoa de muita sorte e não querendo parafrasear a Garota Não, a verdade é que a sorte a mim também me tem dado muito trabalho, pelo que quando isso aconteceu eu senti mesmo isso, que agora também tinha chegado a minha vez. É impossível não nos sentirmos um bocadinho privilegiados. Posso dizer que também foi uma experiência incrível, mas não deu para sentir muito mais, porque foi um processo muito rápido. Eles trabalhavam a uma velocidade louca, mesmo ao nível de casting, pois contactaram a agência, porque procuravam dois atores, selecionaram alguns perfis, eu fui um deles, pediram-me casting e, na altura, foi self-tape, então eu vim para casa e gravei inúmeras vezes até que um dos takes me deixasse satisfeito e enviei. Eu recebi as duas personagens, mas decidi fazer o casting da mais difícil, o Steve, e passados dois dias ligaram-me a dizer que eu tinha ficado com o papel. Depois, a partir daí, foram três ou quatro sessões a gravar com eles. Fui muito bem tratado também, foram muito profissionais e integrei um elenco composto por nomes conhecidos irlandeses. Portanto, foi um processo muito rápido, basicamente foi decorar bem o texto em casa, ensaiar uma vez e gravar e esperar que corresse bem e correu. Depois de estrear em Galway, o filme ganhou três prémios no final do mês de setembro no Cannes World Film Festival, nomeadamente, “Melhor Filme Independente”, “Melhor Realizador” e “Melhor Produção”, e, também, já passou por Dublin e Itália. Inicialmente, o filme passará pelos festivais e, depois, a ideia é chegar às salas de cinema, primeiramente na Irlanda, depois no restante Reino Unido e nos Estados Unidos da América. Relativamente a Portugal, eu não sei se chegará às salas, ou se posteriormente estará disponível através de alguma plataforma de streaming.
Como descreve esta personagem e a experiência?
O Steve acaba por ser um traste, porque, na história, contracenei com a Maya O’Shea, uma jovem atriz a começar a carreia, mas com um talento enorme e um futuro promissor e que esteve nomeada num dos festivais, como o “Melhor Talento Irlandês”, que é uma das personagens principais e a minha personagem relacionava-se com ela. A Maya, cuja personagem é a Cara, tinha uma patologia psicológica, que se prendia com os homens, porque ela tinha um recalcamento com o pai, que a tratava muito mal e à mãe, então decidiu vingar-se em todos os homens casados, indo para os bares engatá-los, para depois os tramar de alguma maneira. Portanto, o Steve é uma personagem que aparece para retratar esse lado do carácter da Cara. É um homem casado, que está a trabalhar em Dublin, longe de casa, que ela conhece num bar, com quem se relaciona. Ela deixa-se levar, vão para o hotel e, no final da noite, ela acaba por tramar o Steve, que é um verdadeiro “filho da mãe”.
Como é ser um ator de Vila Nova de Gaia, no Norte e no país?
Eu sinto que quando dizemos que em Lisboa há mais oportunidades, não deixa de ser verdade, porque um ator de Vila Nova de Gaia chega à capital e está no mesmo patamar dos de Lisboa, a concorrer aos papéis. O que acontece é que há mais oportunidades, mas há mais atores a tentar entrar nas produções e nos papéis. Eu senti isso quando lá estive, apesar de já ter ido para Lisboa com trabalho, porque eu entrei na companhia para um espetáculo que fizeram no Norte e, a partir daí, depois, fui para a capital, quando me contrataram para fazer outros espetáculos, onde também tive a oportunidade de trabalhar na Companhia da Esquina, porque depois de ir para lá já com trabalho é muito mais fácil entrar nesse circuito. Contudo, tive a perceção de que a dificuldade de entrar num circuito teatral em Lisboa é a mesma de aqui, porque há mais oportunidades, mas há mais pessoas. No Porto, o que se sente, por ser um meio mais pequeno, e eu não quero ser mal interpretado, é que o circuito teatral já está viciado há algum tempo. Portanto, as companhias utilizam os mesmos atores e fazem trocas entre elas. Eu senti isso, principalmente, quando regressei, depois de ter estado uma temporada em Lisboa, porque voltar a entrar nesse circuito teatral foi difícil. Senti, até, um certo olhar de lado, como quem diz “então tu foste lá para baixo e agora queres voltar para aqui?” e que se fecharam um bocado as portas, pois foi difícil voltar a furar. Todavia, ainda hoje sinto isso, aqui, na cidade do Porto. Não quero ser mal interpretado, mas esta é, de facto, a minha perceção.
Entre teatro, televisão e cinema, o que é que mais o concretiza?
Quando a representação é algo que nos corre no sangue e temos ainda por cima uma formação base em teatro, é inevitável dizer que é o teatro, porque é como fazer trapézio sem rede. Esta responsabilidade e pressão grande no palco, em frente a inúmeras pessoas, pois não podemos repetir, transforma-se em adrenalina e isso alimenta-nos, traduzindo-se no tal amor e paixão pelo que se está a fazer, o que faz com que a diversão que se sente a trabalhar seja algo inexplicável e depois é isso, tudo acontece apenas uma vez, porque por muitas récitas que o espetáculo tenha, todas as noites são diferentes, pois a energia do próprio ator é diferente todos os dias e isso vai passar para a personagem. Também, há acidentes que acontecem que o público não imagina, porque não conhece o texto, nem a peça e nós temos de resolver, através do improviso e esta magia, que acontece todas as noites, é inexplicável e não acontece no cinema nem na televisão, porque temos o corta e repete e isso faz com que sejam processos completamente diferentes, embora não quero com isto dizer que são vertentes que eu não gosto, muito pelo contrário. Há alturas em que eu preciso de fazer uma pausa, falo com a minha agente e viro as minhas agulhas para o cinema, ou para a televisão, porque às vezes também temos de respirar um bocadinho fora do teatro e fazer algo, não digo mais leve, porque isso não seria verdade, mas com um processo diferente. Eu acho que o teatro, sendo onde se nasce, é a vertente mais divertida e que me dá mais gozo.
Que projetos tem em vista para os próximos tempos?
Aproveito para anunciar que no dia 16 de dezembro vou estrear em Braga, no Nova Arcada, a Bela e o Monstro, uma produção da Stage 4 Entertainment. Depois, creio que estreará no próximo ano um filme da Lightbox, que tem a ver com o massacre dos judeus, em 1506, em Lisboa. Também, integrarei um projeto do Ivo M. Ferreira, sobre as FP25, para já o nome provisório é “Projeto Global”, será um filme que será repartido em seis episódios para a RTP, que iremos gravar na primeira metade do próximo ano e que, provavelmente, só estará disponível no final de 2024, ou início de 2025. Também, dei uma perninha na “Operação Maré Negra”, que pode ser vista no próximo ano na RTP. Contudo, há algo que eu gostava muito de concretizar em 2024, que já tinha pensado para o último trimestre deste ano, mas surgiram outros projetos e eu tive de adiar, que é algo meu, que eu tenho na minha cabeça já há muito tempo, mas tive medo de avançar, porque há questões administrativas, burocráticas e de produção, que eu não domino, mas decidi rodear-me das pessoas certas e dar esse passo. Eu vou arriscar e criar uma companhia de teatro profissional em Gaia, pois sendo daqui, acho que não há nada mais justo do que isso, mas que fizesse textos com uma linha muito própria e três ou quatro produções por ano. Não tirando o mérito, eu não queria entrar na vertente do teatro para as escolas, porque já há companhias a fazê-lo em Gaia e de uma forma muito válida, mas queria criar uma companhia que se orientasse por uma linha de teatro do absurdo, comédia negra, nonsense, o que não quer dizer que volta e meia não possamos fazer projetos diferentes, porque há outros textos que eu gostava muito de fazer, como o “Menina Júlia” do Strindberg e também há um texto do Roberto Merino, que eu gostava de levar a cena. Portanto, a direção artística seria da minha responsabilidade, partilhada com o Roberto Merino, que aceitou ou meu convite e temos já um texto para a estreia, que será para dois atores e eu convidei o Merino para o encenar. Estamos, neste momento, no processo de seleção do ator que partilhará o palco comigo, para arrancarmos este projeto. Sei que será difícil de levantar, mas vamos fazê-lo. Claro que estaremos sempre dependentes de apoios e patrocínios e quando se arranca um projeto de raiz é muito difícil. Nós vamos tentar, não é garantido, mas estou consciente dessa dificuldade e vamos com ele para a frente. Estamos em processo de arranjar um espaço que nos acolha para ser a nossa casa, para ensaiarmos e iniciarmos contactos para, depois, fazermos uma digressão, inicialmente, pela Área Metropolitana do Porto, para percebermos como é que as coisas correm. A premissa é estrearmos em Gaia.
Qual é o seu maior sonho?
O que me satisfaz, mais do que qualquer prémio que possa receber, é perceber que o meu trabalho é valorizado, pelas pessoas, porque é feito de forma séria. Agora, deixa-me muito feliz, ao fim destes 17 anos, continuar a trabalhar na área e deixar-me-á ainda mais feliz, e esse é um sonho, continuar a trabalhar até ao fim dos meus dias nesta área, a não ser que um dia perceba que há algo que me faz ainda mais feliz, mas, para já, sinto que o meu caminho é este. Contudo, o meu sonho, neste momento, é a minha família. Eu sou uma pessoa com raízes muito fortes ligadas à terra e à família, pelo que a coisa que me deixaria mais feliz seria ver o meu filho, que agora tem dois anos, a crescer bem e perceber que lhe consegui transmitir os meus valores e vê-lo a tornar-se um homem saudável, mas vertical. Há três valores fundamentais na minha vida, pelos quais eu me tento reger e isso às vezes traz-me dissabores e já me fez, inclusive, perder trabalhos, que é a família, a verdade e a justiça e se eu chegar ao fim dos meus dias e perceber que consegui passar isso ao meu filho, acho que fico feliz e descansado.
Como imagina o futuro da cultura em Portugal? Sente que está a deixar de ser vista como algo menor no nosso país, ou acredita que ainda há um longo caminho a percorrer?
Eu sinto que há coisas que têm vindo a melhorar nesse sentido. Acho que é um caminho que tem de ser feito aos poucos e que ainda vai demorar e tem a ver com as condições de trabalho. Quando eu digo que o nosso trabalho é valorizado, não me refiro só nas palmas que recebemos e aos cachês que nos pagam, que felizmente têm vindo a melhorar. Se podia ser melhor? Claro que sim. Se é o ideal? Talvez ainda não, mas tem sido feito um caminho importante e estamos bem melhor nesse aspeto. Mas, a valorização dos artistas e dos atores, neste caso, não é só isso, pois tem a ver, principalmente, com a forma como se olha para a cultura, nomeadamente para o teatro e há muito ainda a fazer nesse sentido. Acho que é um caminho longo, porque, entretanto, esta era digital também veio baralhar um bocadinho as coisas, pois a questão dos influencers e dos youtubers que se tornam atores e da influência que os seguidores têm na contratação de um ator, são guerras que nós vamos ter de travar, que são duras e que vão demorar. O mundo digital tem uma importância muito grande no nosso dia a dia, na vida das pessoas e é muito difícil fugir a isso, mas, depois, leva-nos a outra questão que é a educação de públicos, porque um youtuber e um influencer só é ator pelo número de seguidores, porque há espectadores que o vêm e vão atrás, pois não há consciência, nem a formação de públicos, para perceberem o que é um bom espetáculo e o que é que é um bom ator. Nós temos de mudar a mentalidade e isso também passa por trazer a cultura às pessoas, para terem perceção e pontos de comparação, para entenderem o que é um bom e um mau espetáculo. É um trabalho de parte a parte que nós, atores e instituições, temos vindo a fazer, porque cada vez a cultura é mais acessível às pessoas, agora também tem de ser feito o outro lado, que é incentivos para as pessoas irem ao teatro e verem bons espetáculos, porque só assim se lida com os públicos. Não nos adianta ter bons espetáculos, com bons atores e com bilhetes a preços exorbitantes, porque as pessoas depois não os vão ver e vão ver espetáculos que se calhar são baratos, mas a qualidade é duvidosa e vão ser sempre a referência que as pessoas vão ter, pelo que acreditarão que assistiram a um bom espetáculo. Mas, tem sido feito um bom trabalho nesse sentido, porque eu lembro-me de que quando comecei a estudar e íamos ao Teatro Nacional os bilhetes eram caríssimos, 15 ou 20 euros, e hoje já se consegue ir ver por 7,5 euros, portanto começa a haver menos desculpas para as pessoas não irem, mas acho que têm de se abrir mais portas. As pessoas têm de ir ao teatro, já não custa um balúrdio e é importante. A questão é que o teatro não é uma coisa que esteja na moda, como estão as novas tecnologias, pelo que, se calhar, temos de colocar o teatro na moda novamente.
Que mensagem gostaria de transmitir aos nossos leitores?
Vamos ao teatro, vamos ao cinema, vamos apoiar a cultura, porque os bilhetes estão mais acessíveis. Eu falo do teatro, mas também não nos podemos esquecer do cinema, porque as salas estão cada vez mais vazias. Eu tive o prazer de fazer parte do elenco do “1618”, uma produção do Lightbox, que foi um dos filmes mais premiados em Portugal, pois recebeu mais de 80 prémios em vários países e esteve nas salas de cinema apenas três semanas, porque não havia público e é um filme com uma produção ao nível de séries internacionais. É um filme de época, não é uma comédia, é uma grande produção e, como não era para rir, as pessoas não aderiram. Ao mesmo tempo, estavam outros filmes em cartaz, se calhar não com uma qualidade tão boa ao nível de produção e interpretação, mas as salas estavam cheias, porque, lá está, era para rir, pelo que nós temos de mudar isto e a minha mensagem passa um bocadinho por aí: abram a mente e o espírito, deixem-se ir, pois às vezes o título, a imagem ou o cartaz podem não ser apelativos, o filme pode não ser para rir, mas arrisquem, pois podem ter uma surpresa agradável. Estejam disponíveis para receber bons filmes e boas peças de teatro.