A cumprir o seu segundo mandato à frente dos destinos da Junta de Freguesia de Campanhã, Ernesto Santos falou em exclusivo ao AUDIÊNCIA sobre a mais recente “polémica”, que envolveu a sua abstenção na votação do Orçamento da Câmara do Porto, contrariamente ao que o partido desejaria.
“É preciso ver que eu não sou presidente dos socialistas de Campanhã, e as pessoas dentro do partido às vezes entendem mal estas situações. Só me abstive no orçamento precisamente por uma questão de gratidão em relação à Câmara que decide o orçamento e porque este orçamento para 2019 contempla Campanhã como nenhum outro contemplou”, explicou Ernesto Santos, lamentando algumas reações inesperadas que se seguiram. O autarca abordou ainda os principais projetos a implementar na freguesia e destacou o facto de Campanhã ter um terço da habitação social do Porto.
Que balanço já consegue fazer deste segundo mandato?
Este segundo mandato tem um ano apenas, é um quarto daquilo que temos pela frente, no entanto, este ano tem sido bastante positivo, muito especialmente na vertente social e cultural, tem sido uma vertente em que a Junta tem apostado bastante. E para isso fez a compra de um edifício, há cerca de um mês, para restaurar, na zona de Azevedo de Campanhã, porque da Circunvalação para dentro, para a zona de Azevedo e Lagarteiro, não tínhamos nenhuma infraestrutura que pudesse, eventualmente, até servir a terceira idade. Nesse contexto, resolvemos, então, comprar um edifício que era de uma antiga associação que existia lá, que era o Gabinete Recreio e Recreio de Azevedo, era um edifício que tinha um valor bastante considerável mas o senhorio, sendo para a Junta, fez um valor bastante mais baixo, quase 50 por cento do que lhe poderia render, com uma exigência por parte do senhorio protocolada que se pudesse servir também de apoio social a toda uma população porque, de facto, não existe nada naquela zona. Esta é, se calhar, a freguesia que mais instituições de solidariedade social tem a trabalhar dentro dela, mas todas sediadas no miolo da freguesia. A periferia da freguesia, neste caso concreto, para o lado de cima de Paranhos ainda existe um centro de dia que é da obra diocesana, mas para o lado da Circunvalação não existe nenhum apoio à terceira idade. Também não existe nenhum apoio à cultura naquela zona e, porventura, foi um meio muito rico no associativismo, de lá saíram bons artistas, aliás, temos o exemplo do conjunto Iniciadores que foi formado naquela zona de S. Pedro de Azevedo. O grupo ainda existe, embora numa situação um bocado frágil, como quase todo o associativismo, e na freguesia vão-se aguentando aquelas associações que vão tendo algum apoio da Junta e que não é, de facto, aquele que eles precisam, mas é um apoio considerável e um esforço para a Junta apoiar muitos, é um apoio considerável.
Qual é o valor de apoio às instituições?
Quase 20 mil euros de subsídios a instituições, subsídios fixos, através de protocolo porque depois há outros que vão sendo pontuais para uma ou outra atividade.
Então diria que o seu primeiro ano deste segundo mandato foi muito virado para a área social e cultural?
A área social é, de facto, a que nos merece uma maior atenção, a nós Junta e também, de certa forma, à Câmara do Porto, porque se considerarmos que esta freguesia tem um terço da habitação social da cidade do Porto, e que, felizmente, a Câmara tem recuperado os bairros e, neste momento, está em fase quase de recuperação total o bairro do Falcão Velho, estão a iniciar a recuperação do bairro do Monte da Bela e do Cerco do Porto, a recuperar o bairro de Machado Vaz e de Contumil, portanto, a Câmara nesse aspeto, não só neste mandato mas já no anterior, e no anterior fez um trabalho muito meritório com o vereador Manuel Pizarro, vai fazendo esse trabalho. O caminho faz-se caminhando e eles vão caminhando nesse sentido, e têm tido uma especial atenção para os bairros de Campanhã.
Que era algo que faltava bastante…
Também. Como eu digo, nós somos um quinto da cidade, somos um terço da habitação social e é um peso muito importante, tanto na área geográfica, como na habitação social que temos. E a habitação social às Juntas, trazem um prejuízo acrescido porque a habitação social não paga IMI, portanto, as Juntas têm uma pequena receita através do IMI que esta Junta, sendo a maior em área, é a que menos receita de IMI tem. Mas isso será compensado de outra forma, nomeadamente com as poupanças que se vão fazendo cá na freguesia.
Também no âmbito cultural, foi recentemente lançado um livro, “O Conde de Campanhã”.
O lançamento foi feito em Lisboa, porque o Conde de Campanhã, o General Pimentel, era de Lisboa, aliás, era de Almeida, da Guarda, mas depois fez toda a sua vivência em Lisboa e aquando lhe é atribuído esse título nobiliárquico é aquando do cerco do Porto. Portanto, ele foi um dos estrategas do cerco do Porto. E, nessa altura, o reino resolveu atribuir-lhe esse título que, sou franco, desconhecia. E só quando, há cerca de ano e meio, fui sondado pela editora e pelos escritores do livro, e que me dirigi a Lisboa de propósito para isso, é que eu fiz pesquisas na net e hoje tenho um conhecimento mais elucidativo do que foi o Conde de Campanhã.
Mas o livro acabou por ser patrocinado pela Junta também.
Sim. E foi apresentado no dia 30 de novembro aqui no nosso auditório.
Mas é também uma aposta este lançamento de obras? Acha que é importante para dar a conhecer a história da freguesia?
A Junta, desde que cá estou, há cinco anos a esta parte, lançou vários livros de imensos escritores da freguesia ou de livros alusivos à mesma. Ainda agora lançamos o livro do Dr. João Alves Dias que é já o segundo, um romance, e apoiamos vários. Lançamos também um sobre a guerra do Ultramar, de um ex-combatente e vamos apoiando o que nos chega. Lançamos também e, pela primeira vez, em colaboração com a Santa Casa da Misericórdia do Porto, o livro sobre o Conde Ferreira, que fala também sobre a tal Quinta do Mitra que era a Quinta de Vila Meã antigamente, e supostamente, segundo alguns historiadores, ele teria nascido ali. E fizemos isso em colaboração com a Santa Casa, com quem temos também alguns projetos sociais, nomeadamente o telefone para pessoas que se encontram sozinhas. Apostamos, sobretudo, na área desportiva, cultural e social, e tem sido uma aposta bastante grande. Retomamos também o passeio dos idosos, embora já vamos no terceiro ano consecutivo que o fazemos, e, para dar um exemplo, no primeiro ano tivemos 300 pessoas, no terceiro ano tivemos 750 pessoas. É um exemplo de como tem crescido e o esforço que fazemos.
E também é gratificante no final, não?
Naturalmente que as pessoas que viajam connosco é de forma gratuita, e depois entramos numa quinta por volta das 13h e saímos de lá às 19h da tarde, já jantados. Almoçamos, jantamos, com bailarico, e devo dizer que é das coisas mais bonitas que se pode fazer com a terceira idade. É ver a alegria e a forma como 90 por cento deles esquecem que são doentes. Se se pudesse fazer isso todos os dias eu creio que o estado de saúde em Portugal melhoraria muito. Porque até se esquecem que têm de tomar os medicamentos, até se esquecem que andam quase um ano sem beber um copo de vinho, e naquele dia até extravasam. É muito bonito e a nossa aposta tem sido nesse campo.
E em termos associativos, também continuam a apostar?
Sem dúvida. Aliás, quero realçar o meio associativo de Campanhã. Esta Junta tem apostado sobretudo na formação, nos clubes que fazem formação. E acho que tem evoluído muito nesse setor, tem pernas para andar. Há uma modalidade que há bem poucos anos era desconhecida em Campanhã que é o Karaté, e que tem trazido até nós grandes conquistas com o apoio, claro está, da Junta de Freguesia, mas com homens e mulheres que têm trabalhado também. Este é um exemplo. Vejo agora, por exemplo, o Clube Desportivo Portugal que tinha um escalão de formação, hoje tem cinco ou seis escalões de formação, depois a Iniciação Desportiva de São Roque idem aspas. A Junta apoia essencialmente a formação. Para dar um exemplo, a Junta paga, mensalmente, alguns milhares de euros à Porto Lazer para que as equipas possam treinar. E quando não paga, subsidia, como é o caso do Desportivo de Portugal que tem um contrato programa para pagamento, apesar de terem instalações próprias. Subsidiamos essencialmente a formação porque eu fui agente desportivo durante muitos anos, ligado à formação, e sei o valor que tem a formação não só na formação de atletas como de pessoas. E é essa a nossa aposta.
“Acho que nenhum presidente de Câmara o deveria ser sem ter passado antes por uma Junta de Freguesia”
Então os projetos que tem implementado são todos mais na área social…
Sim, porque as Juntas no Porto, e é preciso que se diga isto, a nível de competências, quase que é zero. Ao contrário de Juntas aqui perto de nós como Gaia, Gondomar ou Matosinhos, em que as Juntas têm várias competências delegadas pela Câmara, aqui é quase zero. Temos o contrato interadministrativo, de onde saem verbas para todas estas atividades, por isso, de certa forma, é a Câmara que as paga, mas a nível de competências podíamos ter outras competências e outras verbas próprias que não temos. Ao passo que sei que tanto o Dr. Eduardo Vítor Rodrigues, como o Dr. Marco Martins e a Drª. Luísa Salgueiro, e é curioso que estou a falar de três socialistas, e eu também sou socialista. Mas é curioso que acho que têm uma sensibilidade diferente dos outros. Não me admira muito no Dr. Eduardo Vítor Rodrigues nem no Dr. Marco Martins, porque os conheço muitíssimo bem, são pessoas de quem sou bastante amigo e gosto muito deles, admira-me um pouco mais na Drª. Luísa Salgueiro que nunca foi muito virada à política autárquica.
Se calhar, herdou isso um bocadinho do antecessor, Guilherme Pinto…
Sim, creio que sim. Ela chegou a ser vereadora no mandato de Guilherme Pinto e tem demonstrado uma sensibilidade muito grande para as áreas sociais também. O Dr. Marco Martins tem o “defeito” de ter sido presidente de Junta, tal como o Eduardo Vítor Rodrigues que foi presidente de Junta de Freguesia de Oliveira do Douro, e foi presidente da Assembleia de Freguesia também, e já o conheço há muito tempo, e têm os dois o “defeito” de terem sido presidentes de Junta. E sabem do que padecem as freguesias.
Acha que é importante essa passagem por uma Junta de Freguesia antes de ocupar o cargo de presidente de Câmara?
Acho que nenhum presidente de Câmara o deveria ser sem ter passado antes por uma Junta de Freguesia. É a minha opinião. Geralmente, quando encetamos por uma profissão temos um caminho a percorrer e depois vai-se subindo de escalão. Na política pode-se entrar logo no escalão máximo, com ou sem experiência, basta apenas ter currículo, e, muitas das vezes, um currículo muito duvidoso. Portanto, acho que acima do currículo, essas pessoas de quem eu falo, têm tido a sensibilidade de conhecerem o terreno, os cidadãos, o que as freguesias mais necessitam e apoiá-las nesse sentido. Não me quero queixar aqui da Câmara do Porto porque relativamente a Campanhã as minhas relações com o presidente da Câmara são excelentes.
Por falar nisso, como está a relação com Rui Moreira?
Ao contrário do que se vai dizendo, e disse agora há bem pouco tempo, eu no orçamento não votei em consonância com o Partido Socialista. O PS votou contra o orçamento e eu abstive-me. E pela primeira vez, vou dar publicamente a razão disso. Ao longo destes anos, e posso recorrer a 2001 para cá, nunca Campanhã teve tantos anúncios de obras no orçamento como este ano. Além disso, há um reforço de verbas para as Juntas, pela primeira vez em 15 anos também, e em terceiro lugar há a possibilidade de dispormos de um orçamento colaborativo que pode cada Junta, porque tem de ter projetos, beneficiar de 100 mil euros. Ora, por tudo isto, e como eu presidente de Junta, é preciso ver que eu não sou presidente dos socialistas de Campanhã, e as pessoas dentro do partido, às vezes, entendem mal estas situações. Eu sou presidente de uma freguesia bastante frágil e que, de facto, quando nos dão qualquer coisa não podemos estar contra quem nos dá. Só por isso. Só me abstive no orçamento precisamente por uma questão de gratidão em relação à Câmara que decide o orçamento e porque este orçamento para 2019 contempla Campanhã como nenhum outro contemplou.
Pensou, então, mais na freguesia do que propriamente em partidos?
Tinha que pensar. Não seria bom presidente e estou sempre sujeito ao voto do cidadão, e ao juízo do cidadão, e aí o cidadão teria razões para me julgar negativamente porque eu não defendi os interesses de Campanhã. Preocupo-me por estas populações que têm sido tão massacradas. Ainda agora o Instituto Nacional de Estatística dá Campanhã como a freguesia que mais RSI tem. Se, de facto, não houver ninguém que se preocupe minimamente com esta gente, então ainda é pior.
Mas porque se absteve e não votou a favor?
Na sala de reuniões da Junta, discutimos isso e o meu executivo mandatou-me para votar favoravelmente. Mas depois lá, num relâmpago, numa análise que fiz na própria Assembleia, resolvi abster-me porque não ia adiantar grande coisa. Se eu visse que o meu voto favorável era importante para a passagem do orçamento, eu teria votado favoravelmente. Como vi que não, abstive-me para apenas e só dar um sinal de que Campanhã não é ingrato. Eu represento Campanhã, represento sobretudo todos os campanhenses e julgo-me o presidente de todos os campanhenses e, portanto, votei assim. É a primeira explicação que dou sobre o assunto e não darei mais, porque também acho que não vale a pena estar a levantar questões, embora já tivesse visto alusões no Expresso a esse respeito.
Mas sente que, de alguma forma, criou uma pequena confusão dentro do partido?
Criei, e a prova disso são declarações do líder distrital, Dr. Manuel Pizarro, de quem sou muito amigo pessoal, e gosto muito dele como pessoa, mas claro que não fico feliz quando algumas declarações, e sem conversar comigo, são postas a circular. Porque eu não o fiz, não o faço e não o farei. Estou a dar apenas esta explicação porque tenho também uma grande consideração pelo AUDIÊNCIA, porque entendo que mais do que um Expresso, um Jornal de Notícias ou um Público, o AUDIÊNCIA esteve sempre ao lado e continua a estar ao lado da autarquia local. E os outros é quando lhes interessa, quando lhes dá jeito ou querem lançar a confusão. E comigo nenhum deles conte para isso.
Mas acabou por criar esse problema dentro do partido…
Criei e é um bocadinho incómodo. Quando criamos uma imagem, e eu criei-a e não queria desfaze-la de forma alguma, e não foi por falta de lealdade nem de solidariedade para com o meu partido. Aliás, eu depois, porque o senhor presidente da Câmara, uma Assembleia após esse voto, elogiou-me publicamente, fui ao púlpito falar e aí disse porque o fiz, e disse mais, que quando ele tivesse de levar comigo eu era o primeiro a roer-lhe a perna, que já o critiquei várias vezes e estou disposto a faze-lo sempre que ele mereça. Não obstante até ser amigo do Dr. Rui Moreira, mas não me leva a ter por ele uma maior consideração da que tenho por exemplo pelo Dr. Manuel Pizarro. Apenas neste caso concreto, e podem dizer que o Dr. Rui Moreira estará interessado em ganhar Campanhã, e pode estar, já concorri com ele duas vezes, concorrerei a terceira se for necessário. O Dr. Pizarro também estará interessado mais que ninguém porque Campanhã continua a ser um bastião socialista. Campanhã não é só nas autárquicas, e contra adversários fortes, quer queiramos quer não, um segundo mandato de um presidente de Câmara e veja-se em Gaia que venceu as freguesias todas, em Gondomar idem aspas, no primeiro mandato ficam algumas pelo caminho, no segundo mandato vêm todas, e aqui não são tantas como em Gaia, são apenas 7. Por exemplo, a consideração e respeito que o Alberto Machado merece em Paranhos e a consideração e respeito que eu mereço em Campanhã. Por isso, o Rui Moreira não ganhou nem uma nem outra. E aqui nem sequer veio buscar votos, em Paranhos ainda foi buscar alguns votos, aqui nem isso aconteceu. E, no entanto, os últimos dias de campanha foram um bocado duros, para não chamar outra coisa, em trocas de comunicados de um lado para o outro, houve, de facto, troca de comunicados entre mim e a Câmara do Porto. Mas também lhe digo, nessa altura, não senti grande apoio do meu partido, tive de fazer tudo às minhas custas, tudo sozinho. E é bom que se diga.
Sente que este segundo mandato é seu, então.
Sim, nem apoio logístico tive, às vezes, para a elaboração de um ou outro comunicado nem sequer esse apoio eu tive.
Mas está “magoado” com o PS?
Não estou magoado, estou magoado com algumas críticas que me fizeram agora porque acho que não as mereço. E é curioso que após essa Assembleia já estive duas vezes pessoalmente com o Dr. Manuel Pizarro e ele não tocou em absolutamente nada. No entanto, foi capaz de dar uma entrevista ao Expresso dizendo que eu o fiz “com medo de retaliações”. Quer dizer, não sou assim tão cobarde. E se tivesse medo de retaliações da Câmara hoje, teria tido há quatro, há três ou dois anos atrás, onde até estava o Dr. Manuel Pizarro.
Pois porque recordo-me de uma das últimas entrevistas ao AUDIÊNCIA, em que a relação com Rui Moreira não era propriamente a melhor. E, neste momento, estou a perceber que a relação melhorou.
É praticamente a mesma. Agora, que o Rui Moreira se cola mais a mim…
E deu mais atenção a Campanhã que era o que se queixava na altura.
Exatamente. Ele ouviu muitas das reivindicações que lhe fiz e consagrou-as no orçamento. E não posso estar contra quem me ouviu. E o Dr. Rui Moreira tem, neste momento, um elo de ligação entre as Juntas e a presidência, que tem funcionado muitíssimo bem. A pessoa que faz esse elo de ligação, que é o Dr. Vicente Ferreira, tem funcionado muito bem e muito especialmente comigo porque o homem ganhou por mim carinho. E eu sou uma pessoa muito leal, e sofro muito com deslealdade e com falta de solidariedade. Mas sofro mesmo.
Mas continua a debater-se com a questão da descentralização das competências.
É uma das críticas que faço ao senhor presidente da Câmara do Porto é, exatamente, o facto de ele clamar muito e bem pela descentralização do Governo para a Câmara e pela regionalização. Tem um discurso a esse respeito muito positivo. Mas esquece um bocado da descentralização da Câmara para as Juntas de Freguesia. Portanto, há aqui da parte dele dois pesos e duas medidas, porque, por um lado, quer a descentralização, e muito bem, acompanhada dos respetivos pacotes financeiros. Há cinco anos, na primeira Assembleia Municipal deste presidente, tive uma intervenção em que disse que era a primeira vez que estávamos a falar mas que lhe queria dizer uma coisa: “não terei medo de qualquer competência que a Câmara faça para as Juntas mas garanto-lhe uma coisa, se depois de fazer as contas me der um cêntimo de prejuízo, um cêntimo que seja, não fico com elas”. E aliás, mesmo a nível de contrato de execução, Campanhã é o que menos tem.
Ainda…
Ainda, sim. Está a negociar e provavelmente estão bem encaminhadas algumas negociações. Mas tudo dentro do princípio de que se custa 100 à Câmara, a Câmara tem de me dar pelo menos os 100, e eu se gastar 110 aí sim a responsabilidade é minha. Agora, a Câmara que não me mande só 99 quando gastava 100. Isso é que não admito. E foi sempre isso que disse ao senhor presidente e nas negociações que tenho tido é isso que tenho dito ao senhor doutor Vicente Ferreira, que faz a ponte entre o executivo e as Juntas de Freguesia e que tem negociado connosco e que, não sei se com os outros acontece o mesmo, mas tem dedicado muito do seu tempo a Campanhã.
E aproveitando o tema, em relação à ANAFRE. Esta tem cumprido o seu papel?
Curiosamente, recentemente estive no conselho geral da ANAFRE do qual sou conselheiro. Fui o primeiro da lista dos 60 conselheiros, curiosamente só tomei posse agora porque fui eleito em janeiro, em março tomaria posse, mas por questões de saúde não pude, fui agora a Évora. Mas eu vejo a ANAFRE de uma forma. Os municípios portugueses, todos sem exceção, são sócios da Associação Nacional de Municípios Portugueses. A ANAFRE tem 50 por cento de sócios dos municípios, o que quer dizer que a força perde-se. A força que a ANAFRE poderia ter, com os 100 por cento, tendo só 50, perde-a. Não tem a mesma capacidade reivindicativa que poderia ter com os 100 e depois nota-se um bocado que as pessoas veem a freguesia não como um todo nacional, mas como a sua quinta, especialmente os presidentes das freguesias mais pequeninas com menos população, mas que, às vezes, até têm uma área imensíssima. Teria de se criar aqui também um estatuto que diferenciasse sempre pela positiva cada uma destas permissivas, ou seja, uma freguesia muito grande em população tem algumas regalias que outras não têm, mas que a área também não fosse descurada, não obstante até haver freguesias que têm de sua posse muitos terrenos, que é os chamados baldios. Tudo isso leva a que não seja muito simples nem fácil o governo da ANAFRE, a direção, que pertence sempre ao partido mais votado, já foi PSD agora é PS, a Associação Nacional de Municípios também é pertença do PS mas que, independentemente disso tudo, acho que há certas situações que a ANAFRE devia pugnar muito mais por elas aproveitando até que tem um primeiro-ministro que foi dos primeiros a descentralizar em Lisboa, é um exemplo, forçar o Governo e a Assembleia da República no sentido de equiparar todas as freguesias, salvo as suas dimensões e importância, mas equipara-las às freguesias de Lisboa. Por que as freguesias de Lisboa hão de ter um estatuto, e isto não é provincianismo, é apenas e só uma questão de igualdade e de justiça porque tanto merece um alfacinha como merece um tripeiro.
Mas sente que algum dia vão conseguir?
Sinto. Eu sou um homem de fé. Sinceramente, vejo sempre as coisas por um ângulo positivo. Nunca gostei de ser derrotista. Acho que as coisas se fazem caminhando e, se calhar, hoje é diferente de há três anos.
Mas estão no bom caminho?
Acho que sim. Acho que a ANAFRE tem também um excelente presidente, tem um elenco diretivo muito bom, um conselho fiscal e geral também bastante abrangente e acho que saem do conselho geral muitas ideias para o conselho diretivo e que as vai pondo em causa.
“Este meu projeto está virado para instalações sociais”
Relativamente ao orçamento, já disse que 20 mil euros serão para as associações. Qual é o valor total do orçamento?
O valor total do orçamento é um milhão e duzentos mil euros. A ação social e o associativismo leva-nos, à vontade, 10 por cento do orçamento. Depois, se considerarmos que 60 por cento ou mais sai para o pessoal, temos também dois serviços que nos dão um extremo prejuízo que é os serviços dos postos de correios. Por exemplo, neste posto aqui temos cinco pessoas afetas aos correios, e recebemos mil e tal euros por mês dos correios, e cada pessoa dessas custa-nos cerca de mil euros. Não nos pagam uma pessoa. Isto porque em 2011, o meu antecessor resolveu tomar conta dos postos de correios que os correios abandonaram em Campanhã. Se me perguntar, se hoje, conscientemente, faria isso? Não. Mas depois, pensando no alcance social que tem uma medida dessas, era capaz de dizer que então já faria o mesmo. Eu acho que, sinceramente, sem pesar prejuízos na altura, acho que aquilo que o meu antecessor fez, o Fernando Amaral, também socialista, acho que olhou ao alcance social da medida, o que seria, por exemplo, um idoso que tem de receber o RSI ou uma pessoa que não tem sequer dinheiro para transporte ir daqui para o Bonfim ou outra freguesia qualquer, e esta freguesia é enorme, e ele por acaso ele assegurou o do Lagarteiro e Azevedo, e eu se tivesse de deixar cair algum nunca deixaria cair esse. Porque é como eu digo, da Circunvalação para dentro não há nada. As pessoas nem um multibanco têm. E não obstante o nosso esforço e vamos ver se os correios permitem, que nas instalações deles, se coloque um multibanco porque eles são bancários também. Eles hoje já têm um banco. Na altura não permitiam por questões de segurança, agora faz sentido e estou a trabalhar nesse sentido para ver se levo para lá um multibanco que ajude as pessoas a não se deslocarem só por essa razão.
Que projetos tem agora para os próximos tempos?
No anterior mandato, um dos meus projetos era a acessibilidade. Está feita, temos elevador, criamos acessibilidades, porque eu tinha de atender uma pessoa de cadeira de rodas no pátio. E isso acabou. Aliás, hoje sou um dos maiores utilizadores do elevador, todos os dias subo no elevador. E este meu projeto está virado para instalações sociais. Compramos o edifício de Azevedo de Campanhã, mas agora precisamos de cerca de 100 mil euros para o recuperar. O edifício custou 75 mil euros à Junta, em expensas próprias, nem um cêntimo veio de lado nenhum. E os 75 mil euros já estão pagos, o edifício já é nosso, assim como as obras de acessibilidade no mandato anterior ficaram mais ou menos por isso. É recuperar aquele edifício, por isso, há pouco falei do orçamento colaborativo, através de um projeto que vou ver se a Câmara me aprova, em principio deve aprovar porque o orçamento fala que se podem candidatar um ou mais projetos, por exemplo, sei que há Juntas que enviaram 28 projetos. Nós tínhamos este projeto, apresentamos em sessão pública, um plenário de habitantes, o auditório super cheio, e pusemos o nosso projeto e foi ali aprovado. Assim como foi aprovado também o júri para o próprio projeto, que a Câmara obriga a que haja um júri composto por cinco elementos em que o presidente seja o presidente de Junta, mas que tenha mais quatro elementos do publico para decidir. E correu muitíssimo bem, aliás, devo dizer que já desde os anos 80 que não sabia o que era um plenário de moradores, de fregueses, e deu-me uma saudade enorme de voltar a esses tempos. Foi a primeira atividade pública que fiz depois de ter vindo do hospital, e correu muitíssimo bem e, no próximo ano, a grande obra será essa. Em 2021, será a Câmara recuperar-me o edifício da Quinta do Mitra e eu depois arranjar forma de o mobilar. Porque não é de menor importância nem é tão barato quanto isso, mobilar aquilo tudo. Mas havemos de faze-lo e eu espero em 2021, que vai haver eleições, dizer que sou eu concorrer não digo…
Não assume já uma candidatura?
Acho que é prematuro dizer já. Quer dizer, se me perguntar se eu serei o candidato natural, é lógico que sim. Fiz um mandato, estou no segundo…
Por isso mesmo, não faria sentido fazer um terceiro mandato? Não sente isso?
Sinto, por um lado, por outro também sinto que há gente nova. E que neste meu executivo há gente nova com alguma capacidade e experiência. E que mesmo que eu faça ou venha a fazer o terceiro mandato, tenho de preparar gente para isso. Se tiver de sair mais cedo devido ao meu estado de saúde, só ponho isto pela condição do meu estado de saúde, se tiver de ser mais cedo acho que já tenho gente preparada para isso e que o partido ficará bem representado e a Junta também com pessoas com muita sensibilidade.
E isso deixa-o descansado?
Deixa. Pelo menos não me deixa com aquela ansiedade do futuro. O futuro é hoje. Amanhã logo se vê. E depois também tenho noção que ando aqui a trabalhar nesta freguesia desde 1993. Fui eleito pela primeira vez nas listas do PS como independente em 93, e vim para o executivo em 97. Trabalhei já com dois presidentes, com o Rodrigo Oliveira até 2001, e depois com o Fernando Amaral até 2013, onde muitas vezes fui presidente em exercício com o Fernando Amaral. Tinha era uma coisa comigo e ele reconhece isso, que fui sempre de uma lealdade extrema, e nunca querer passar por cima do que quer que fosse, e muito menos dele. Por exemplo, eu representava-o nas Assembleias Municipais, e quantas vezes lá mandava uma mensagem a dizer que no decorrer da sessão achava que deveríamos manter uma posição, e perguntava o que ele achava. E ele dizia para ir para a frente, outras vezes dizia para não me meter em confusões, para deixar estar e que depois se pensava melhor.
Havia um grande entendimento entre os dois.
Sim. O Amaral, por exemplo, estava de férias, para o estrangeiro às vezes até, e eu precisava de fazer uma despesa e tinha toda a autoridade para o fazer. Mas, mesmo assim, falava com ele e dizia que precisávamos urgentemente de alguma coisa e só fazia com a aprovação dele. Sempre lidei com ele desta forma, criamos uma enorme amizade, mas mais do que isso é a lealdade que sempre tivemos um para com o outro. E depois, quando ele teve um problema de finanças bastante grave na Junta, porque ele tinha o compromisso da Câmara do Porto em 2000, de que a Câmara faria o auditório da Junta de Freguesia de Campanhã, já tinha projeto, já tinha tudo, e depois com a entrada do Dr. Rui Rio, não se fez auditório nenhum. Mas o Zé Fernando, teimoso como é, resolveu fazer às custas da Junta. É claro que não estamos a falar de 70 mil euros, estamos a falar de bastante mais, e, na altura, ele não tinha dinheiro e teve que assumir compromissos bancários em que os juros ficaram caríssimos. E andou a pagar praticamente até ao final do seu terceiro mandato e deixou a Junta sem dinheiro, com dívidas. Mas tudo isso ele fez, porque se ele não o tem feito o auditório não existia hoje. Lá está, às vezes, nós tomamos uma decisão que pode à primeira vista não parecer a mais correta, mas o tempo é sempre o melhor julgador, vem-nos a dar razão de que, de facto, a decisão não era assim tão má como à primeira vista foi pensado.
Como está Campanhã neste momento? Sente que está melhor, há alguma coisa que tenha mudado?
Vê-se uma ligeira mudança, mesmo a nível social vai-se vendo uma ligeira mudança e a recuperação dos bairros sociais tem trazido alguma mudança às pessoas, acho que as pessoas ganham mais carinho pelo seu bairro. Isso nota-se. Temos agora em recuperação o bairro do Cerco que é, como toda a gente sabe, um bairro bastante problemático. No entanto, aliado à construção do bairro do Cerco, há o projeto contrato local de segurança que é um projeto de vários ministérios com a Câmara do Porto e a Junta de Freguesia, que depois tem a administração regional de saúde, o ministério da educação, e outros, e acho que têm-se feito algumas atividades e que se as obras do bairro do Cerco forem acompanhadas com essa vertente pessoal e social, pode vir a fazer uma transformação bastante grande, mas isto é uma esperança minha. Acho também que com a construção que vai começar em dezembro do novo centro de saúde de Campanhã, pode também trazer investimento para Campanhã e para aquelas zonas, fazer uma mescla maior, pode ajudar a desenvolver e mudar mentalidades. E o que interessa aqui, sobretudo, é mudar mentalidades. Porque vivermos toda a vida num meio miserável ou se tem uma grande força e consegue um caso isolar-se de todos os outros, ou então deixa-se a afundar. Se começar a ver que à sua volta há uma clareira em que podem entrar nela, que há outras oportunidades que não têm tido até aqui, de certo que esta mentalidade altera-se. E acredito que é possível porque os agrupamentos de escolas aqui em Campanhã têm cada vez mais alunos no secundário.
Isso é um bom indicativo.
Claro. Isto pode demorar uma geração, mas vai ter efeitos. Porque se até aqui as pessoas só tinham a 4ª classe, e não têm hipótese alguma de conseguir um emprego, a partir daqui as pessoas podem ascender a muito mais. Acreditarem que podem ir mais longe. E quando falo da 4ª classe não é desmerecimento nenhum porque eu próprio só tenho a 4ª classe. O conhecimento está naquilo que a pessoa quer, acredita, lê e na vivência da própria pessoa. E eu acho que adquiri, ao longo da minha vida, um conhecimento muito grande porque fui sempre agarrado aos livros, estudei bastante, li muito e, curiosamente, ao contrário de amigos meus da minha idade, que quando foi das Novas Oportunidades facilmente fizeram o 9º e o 12º, eu nunca me meti sequer nisso. Continuava a ser o mesmo. Se tivesse neste momento o 12º ano era um ato curricular, mais nada, não me dava nem mais nem menos. Não me seduziu e, curiosamente, com as minhas filhas, quando elas entraram para o secundário eu ainda as ajudava a fazer os trabalhos de casa e aprendi muito com elas. E com os meus netos também.
A estação de Campanhã é cada vez mais conhecida, o Porto está na moda. Numa outra entrevista disse que Campanhã não beneficiava muito desse boom turístico. Como está agora?
Começa a alterar-se isso porque o alojamento local já se estende até cá também. Aliás, estão a construir um hotel novo aqui bem perto, está em início de construção. A cidade do Porto só tem um local por onde crescer, que é para o oriente, para Campanhã.
Mas da última vez que falamos não existia isso.
Essa permissiva ainda não estava muito enraizada. Hoje já sinto muito mais isso até porque a ARU da estação de Campanhã, aliás, todo o território de Campanhã é uma Área de Recuperação Urbana (ARU), já foi aprovada a ARU de Azevedo, e é a que falta, já temos para o Cerco, para a Corujeira, para São Roque, Contumil, falta aquela apenas. Isto quer dizer que dá bastantes benefícios a quem investir em Campanhã. E eu tenho já recebido alguns investidores que me vêm pedir orientação nesse sentido, embora eu tenha sempre o cuidado, porque cada macaco no seu galho, e quem tem o galho do urbanismo é o próprio pelouro do urbanismo da Câmara do Porto, e, antes de falar com alguém, costumo perguntar sempre ao vereador, enviando a localização exata do terreno, se possível com coordenadas, e ele diz o que se pode ou não construir. E começa a haver uma apetência bastante maior por Campanhã. Há dias recebi um investidor brasileiro que está interessado em investir em Campanhã. Em contrapartida tenho em Campanhã também um empresário que tem instalações mas não tem dinheiro, e eu pus os dois em contacto e parece que foi muitíssimo bom, que daí vai resultar uma parceria em que um dá uma coisa e outro outra, e resolvem o problema dos dois.
Então diria que Campanhã já está a beneficiar do turismo.
Já começa a ser apetecível. Até porque Campanhã tem o estádio do Dragão. Tem o monumento mais visitado do Porto que é o Museu. Portanto, Campanhã tem tudo. Campanhã tem infraestruturas, tem uma estação agora com o intermodal que vai ser facílimo ir até la, para chegar daqui a qualquer parte da cidade pela VCI chego num ápice, portanto, o miolo de Campanhã está um bocado fraco nos transportes mas isso também é um problema que se há de resolver em breve espero.
Também com o incremento de turistas e negócios automaticamente irá criar essa necessidade…
Sim, e o centro de saúde, tudo leva a que as empresas de transportes e até porque agora a empresa de transportes vai ser cogerida com as Câmaras e, portanto, acho que vai ser mais fácil negociar com a Câmara do que com os STCP.
Qual é neste momento o maior sonho para Campanhã?
Acabar com a pobreza. Esse seria o meu maior sonho, sei que não é facilmente exequível mas também sei que, e ainda há pouco disse que as coisas não se fazem numa só geração, não sei se estarei cá para ver, mas espero que melhore muito até com os novos paradigmas escolares que existem e espero que, de facto, Campanhã altere a sua mentalidade. Também se de fora começarem a ver Campanhã de outra forma pode estimular os campanhenses. Campanhã sempre foi vista como uma terra marginal, e nunca se ligou muito. E acho que hoje se começa a olhar de outra forma. Há 30 anos atrás, aquela zona oriental de Lisboa onde era a Expo, e que hoje é a zona mais cara de Lisboa, está aí um exemplo e olhando este exemplo dá-me esperança de que pode acontecer o mesmo a Campanhã.