A FERROVIA PORTUGUESA NO DESPERTAR DAS ”RAIZES”

Se hoje pretendêssemos historiar o estado da ferrovia nacional que já tivemos e agora não temos (!), teríamos que abominar, em primeiro lugar, tudo (ou quase tudo!) o que algumas das mentes “brilhantes” mais “opacas” da Lusa Pátria têm deliberado nas últimas décadas – refiro-me em especial, ao desmantelamento das diversas vias férreas regionais – e de como o fenómeno deve ser analisado, face ao entendimento que os portugueses tenham de como deve ser respeitado o “interesse nacional” nesse importante sector da nossa vida colectiva. Mas abordar um problema que afectou seriamente o desenvolvimento global dum País mergulhado em crise de valores, também mexe com a sensibilidade de uma parte considerável dos nossos compatriotas, sobretudo daqueles que ainda perdem algum tempo a raciocinar e a inumerar os problemas da Nação. Isso será também uma forma de os exortar a raciocinar sobre um veículo de mobilidade que já tiveram e lhes foi negado, deixando nas populações que dele se serviam um vazio que dificilmente conseguirão ver colmatado, em nítido prejuízo das populações mais vulneráveis e do próprio País em geral. Até porque, sem uma rede de transportes digna e eficiente jamais poderemos aspirar a um desenvolvimento sócio-económico sustentado e justo, próprio de um país com ambições, mas que se continua a arrastar na cauda do pelotão da União dos 27, envergando a roupagem do carro vassoura.

Quando me veio à ideia de voltar a escrever sobre um tema que desde sempre me foi muito “querido” – a ferrovia – não resisti à tentação de recordar peripécias que me são muito gratas, dada a dependência que sempre existiu na minha terra “natal” – Freixo de Espada à Cinta – da referida estação ferroviária, hoje alvo de abandono absoluto, que distava escassos 15 Km da vila que foi “berço” do poeta de “Os Simples”, Guerra Junqueiro. No entanto, como um mal nunca vem só, à desactivação da denominada Linha do Vale do Sabor, a “sanha” destruidora atingiu também o troço da linha do Douro, entre Pocinho e Barca d’Alva (aqui em redução drástica das unidades), devido à inexistência das ligações para a vizinha Espanha. Todavia, na região norte, também foram afectadas as linhas do Vale do Tua (para Bragança), do Vale do Corgo (para Chaves) e do Vale do Tâmega, para Arco de Baúlhe, no concelho de Cabeceiras de Basto.

UMA “NÓDOA” NO DOURO VINHATEIRO

*O que aqui está expresso é apenas uma pequena parte do impacto negativo e do repúdio que a desactivação das referidas linhas provocou no desenvolvimento sócio-económico dos diversos municípios que servia, entre eles o de Freixo de Espada à Cinta, com ligação quer pela linha regional Pocinho-Duas Igrejas, quer pela via do Sabor, quer pela Barca d’ Alva, precisamente o términus da Linha do Douro, cujas instalações estão hoje completa e vergonhosamente abandonadas, a par de muitas outras infraestruturas do género, que são a negação do Poder Local. A Linha do Douro servia também os concelhos bragançanos de Mogadouro e Miranda do Douro, a norte e o de Figueira de Castelo Rodrigo, a sul, através do entreposto da Barca d’ Alva (freguesia de Escalhão), precisamente o local onde o rio Águeda conflui com um dos maiores cursos hidrográficos da Península Ibérica, o Douro Internacional, cenário transfigurado desde a desactivação do troço ferroviário a que me venho referindo, uma vez que se tratava da ligação diária que a rede ferroviária nacional mantinha entre a estação de S. Bento, na segunda cidade do país (o Porto) e a sua congénere da Barca d’ Alva, no município raiano de Figueira de Castelo Rodrigo, já no distrito da Guarda.

Porém, importa sublinhar também, que o município de Vila Nova de Foz-Côa também tiraria partido duma Linha do Douro no pleno da sua vitalidade. No entanto, enquanto nesta estação a finalidade básica era fazer a ligação com as composições da Renfe (Rede Nacional de Los Ferrocariles Españoles”), que serviam muitas das populações circundantes da província de Salamanca, que também acabaram prejudicadas pela supressão desajustada e irracional das linhas de continuidade para além da própria Barca D’ Alva.

Por isso, o encerramento destas vias constituiu uma evidente e forte “machadada” no interesse das populações destas regiões interiores do nosso País. Ainda assim, muito poucas vozes se ouviram em defesa dos interesses dos próprios residentes nesta desertificada região do nordeste de Portugal. É que essa reabertura que as populações locais desde há muito vêm reclamando e que certos políticos, oportunisticamente, vão também acenando como forma simpática e bondosa de levar os crédulos cidadãos ao engano. Talvez seja por esse motivo que, nestas paragens, falar de credibilidade autárquica já não entusiasma assim tanta gente !

É certo que esta citação engloba apenas uma pequena e remota parcela do território nacional a norte do rio Douro, mas de importância “maior”, por coincidir também (numa boa parte) com a vasta região do Douro Vinhateiro Património Mundial, que lhe está subjacente e que a UNESCO, em boa hora, distinguiu com um Galardão que deveria honrar-nos a todos, incluindo também os nossos governantes, muitos dos quais, pasme-se!, por certo, nem sequer saberão localizar com exactidão. Todavia, apesar de ser vesga e orgulhosa, a visão que sobre ela têm alguns desses tais, nem por isso deixa de ser grande a sua importância sócio-económica e emocional para esta região nortenha, cada vez mais “desertificada” e onde muito poucos, com enorme esforço e parcos proventos, teimam em resistir neste pequeno rectângulo do extremo ocidental da Europa, que muitos dos seus “filhos” parecem menorizar!

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