A IMPORTÂNCIA DE SE CHAMAR… LEANDRO

A rematar um agradável repasto no restaurante Casa Branca, o inspetor Garrett decidiu contar ao seu amigo de ocasião o caso do aparecimento do cadáver de uma mulher em Lavadores.

 

CONCURSO “UM CASO POLICIAL EM GAIA”       

Conto nº. 8

“O Inspetor Garrett e o Caso de Lavadores”, de Rui Mendes

II – Parte (conclusão)

“O casal residia aqui no Canidelo. Ele chamava-se Leandro Lopes e ela Leonor. Durante anos pareciam ser um casal feliz, mas às tantas as coisas parece terem mudado, pois eram frequentes as discussões em público. Sabia-se que ela tinha recebido uma importante fortuna herdada de um tio emigrante no Texas que morrera sem ter outros herdeiros. E também constava que os problemas viriam daí, pois ele, modesto empregado bancário no Porto, teria planos sobre o destino a dar à fortuna da mulher com os quais ela nunca estava de acordo. Entretanto terão surgido questões relacionadas com outras saias que se meteram pelo meio e a Leonor começou a pensar em divórcio. O que tinha chegava bem para viver sozinha e feliz. Só que para o Leandro isso seria um desastre, razão pela qual recusava sempre.

As coisas complicaram-se nos finais de 2016 quando ele foi transferido para uma agência do Banco em Aveiro, ao que se supõe a seu pedido para estar mais perto da amante que também tinha sido mudada para aquela agência. A Leonor ia reforçando as propostas de divórcio e o marido recusava veementemente uma coisa que parecia inevitável. O Leandro até suspeitaria já de que ela procurava provas do adultério do marido para justificar um divórcio litigioso.

Corria o dia 12 de Maio de 2017, era uma sexta-feira e o sol brilhava mas o mar estava bravo, o que não é invulgar aqui na belíssima praia de Lavadores. Perto da hora do almoço foi encontrada uma mulher completamente nua, caída sobre as rochas um pouco afastadas da zona central da praia, esvaída em sangue e com uma grande ferida na cabeça. As roupas foram encontradas por ali perto, espalhadas talvez pelo mar, e nas imediações não foram encontradas quaisquer pegadas, pois a maré teria já alisado a areia em redor das rochas. A autópsia revelou um forte traumatismo craniano como causa provável da morte, a qual teria ocorrido por volta das dez horas da manhã. E o corpo, sem margem para dúvidas, foi identificado como sendo o da Leonor Lopes.

Tudo apontava para um acidente provocado pela imprevidência de uma mulher que teria ido praticar nudismo para as rochas e, por infelicidade, teria provavelmente escorregado nas pedras molhadas e caído desamparada. Mas as autoridades locais que tomaram conta do caso, talvez por suspeitarem de desavenças conjugais, resolveram entregar o caso à Judiciária.

E foi assim que eu, que nunca perdia uma oportunidade de vir até aqui e comer o belo bacalhau da Dona Adozinda, aceitei radiante tomar conta da investigação. A falecida tinha família afastada lá para Lisboa, e foi ela que conseguiu abafar a divulgação da história de uma senhora casada ser apontada por fazer nudismo numa praia pública, o que seria um escândalo para o bom nome da família. Claro que consegui confirmar que nenhum familiar de Lisboa estaria no norte do país naquele dia e àquela hora. Quanto ao viúvo, o Leandro, residente na altura em Aveiro, assegurei-me de que estava nessa cidade à hora do acidente, o que foi confirmado pelo testemunho de dois colegas de trabalho. Afirmaram ter estado os três a trabalhar no Banco, como de costume. O Leandro foi portanto ilibado de toda a suspeita. Nada mais foi encontrado de relevante nas buscas efetuadas na casa da senhora e não havia outros suspeitos. Relatório acabado, testemunhos escritos e assinados, o caso foi presente ao juiz, o qual veio a confirmar a hipótese de um fatal e infeliz acidente de praia. E o assunto ficou arrumado.”

– “Mas então, inspetor, qual foi o problema?”

– “Eu lhe digo. E lanço-lhe desde já o ‘desafio ao leitor’ dos romances policiais do Ellery Queen: Qual terá sido o erro que a investigação cometeu e que resultou num terrível engano?”

– “Não faço ideia, inspetor.”

– “Elementar, meu caro amigo. Decorrido cerca de um ano apareceu na Judiciária uma participação com um pedido de reabertura do processo. Vinha do advogado do marido de uma das duas testemunhas que atestaram a presença do bancário em Aveiro naquela manhã. O homem, que fora casado com a colega e suposta amante do Leandro, assegurava que esse testemunho era falso. E porquê? Muito simplesmente porque o dia 12 de Maio de 2017 foi, como todos os anos, o feriado municipal de Aveiro e a agência do Banco estava naturalmente fechada. Portanto nenhum dos três podia ter estado a trabalhar nesse dia, tendo portanto mentido descaradamente. Nós nunca vivemos em Aveiro e confesso que não nos passou pela cabeça a marosca. Mas sobretudo o que houve foi falta de investigação. Claro que isto não era o suficiente para acusar o Leandro do crime, mas era o bastante para reabrir o processo. Pelo menos seriam os três acusados de falsas declarações à justiça, o que é um crime gravíssimo. Homicídio ou não, depois se veria.”

– “E foi reaberto, inspetor?”

– “Foi. Mas não deu em nada. Quando a polícia foi à procura deles descobriu que, um mês antes, tinham os três fugido para a Indonésia, que é um dos países que não tem acordo de extradição com Portugal. Claro que antes, e assim que saiu a sentença do tribunal, o Leandro apressou-se a recolher a sua parte da fortuna da mulher, pois eram casados com comunhão de bens e não apareceram outros herdeiros. Na bagagem devem ter levado uma boa maquia em dólares vindos do tio ‘Texano’. E também se apurou que tinham partido todos no mesmo voo, o que deixa muitas suspeitas sobre a participação dos três no crime, que até pode ter sido premeditado e executado em conjunto. Era arriscado, lá isso era, mas até podia correr bem. E, para eles, correu…

Foi um dos piores momentos da minha vida, mas garanto-lhe que me ficou de emenda. Nunca mais deixei de comprar o Borda d’Água, para consultar os feriados municipais. Não falha.”

– “Espantosa história, inspetor. Muito obrigado.”

– “Bom, estamos para aqui há que tempos a conversar e eu nem sequer sei o seu nome.”

– “Oh diabo! Não sei se lho diga.”

– “Porquê?”

– “O meu nome é… Leandro. Mas garanto-lhe que nunca fui empregado bancário! Juro!…”

 

CONVITE AO LEITOR

E pronto, caro leitor. Agora o passo seguinte é seu. Para tal, repetimos o nosso convite à sua participação na escolha dos melhores contos. O processo é simples. A partir de hoje, tem trinta (30) dias para fazer a avaliação, em função da sua qualidade e a originalidade, do oitavo conto do nosso concurso, da autoria de Rui Mendes, e enviar a respetiva pontuação, numa escala de 5 a 10 pontos, para o email do orientador da secção (salvadorpereirasantos@hotmail.com).