A PROPÓSITO DO DIA INTERNACIONAL DO TEATRO

O Dia Internacional do Teatro comemora-se na próxima quinta-feira, 27 de março, um marco no tempo que permite a todos os homens e mulheres de teatro transmitirem um abraço de solidariedade entre si e o público, também ele um elemento imprescindível ao ato teatral. Mas para que esse abraço perdure e deixe de ser uma simples figura de retórica é necessário que o teatro reforce o maravilhoso poder de distrair, de comover e de despertar consciências face aos terríveis problemas com que se confrontam os homens e mulheres dos mais diversos lugares do nosso planeta. É ainda preciso que a gente de teatro descubra todos os dias novas linguagens cénicas que abram caminho a um diálogo mais eficaz do homem com o homem e a uma maior aproximação entre quem faz e quem vê teatro. Na verdade, se não houver uma identificação clara entre quem está na plateia e o que passa no palco, o teatro não cumpre a sua mais genuína função e perde irremediavelmente o seu público. É certo que não podemos aferir a qualidade e interesse artístico de um espetáculo pelo número de espectadores que este consegue mobilizar, mas também não é menos verdade que os anseios e as preocupações do público a que se destina têm de ser tidos em conta. E talvez esteja na hora de sair à rua, de voltar a levar o teatro ao espaço público, de animar jardins e parques do nosso concelho, fazendo a festa do teatro com todos, crianças, jovens e menos jovens!

A propósito do Dia Internacional do Teatro, importa recordar que as coletividades de cultura e recreio desempenham desde o século XX um papel crucial no desenvolvimento e democratização do teatro no nosso país, principalmente a partir do final da II Guerra Mundial. Nessa altura os grandes autores não escapavam ao crivo da censura do Estado Novo, o que impediu que muitos deles, como Brecht, Sartre, Strindberg, Tchekhov, Arthur Miller ou Peter Weiss, fossem levados a cena nos palcos profissionais. Face a essa feroz perseguição do governo de Salazar, os palcos amadores, por serem menos visados pelos censores e pela PIDE, foram acolhendo grande parte dos textos desses autores, nomeadamente os que aprofundam os reais problemas filosófico-culturais, políticos, económicos, sociais e éticos dos povos e civilizações. Mas aos poucos a repressão censora foi caindo também sobre os amadores das coletividades, levando à prisão muitos dos seus principais dinamizadores, o que gerou o decréscimo e até a paralisia da atividade de grande parte dos grupos cénicos. Houve alguns, porém, que nunca abrandaram, mantendo aliás um ritmo acentuado de trabalho até à Revolução de Abril. Entre eles, saliento o grupo cénico da Sociedade Joaquim António de Aguiar (Évora), a sul do País; Os Plebeus Avintenses (Gaia), a norte; e o corpo cénico da Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul, em Lisboa, verdadeiros centros de formação, onde nasceram muitos dos melhores atores portugueses.

O Teatro Amador é por excelência um espaço integrador e congregador. São inúmeras as histórias de vários profissionais em que o seu primeiro contacto com esta arte foi através de movimentos amadores. Estes coletivos criam um espaço especial, onde as pessoas se juntam para usufruir a experiência de estarem juntas. No fundo, fazer teatro é estar junto, comunicar, contracenar e ter opinião. É uma oportunidade de nos conhecermos melhor, a nós e aos outros. O local da reivindicação, da luta, do manifesto e da libertação. A prática da arte não tem que ter forçosamente o cunho profissional, ela é feita a partir de cada um de nós, que a sente e a quer fazer! Estes grupos, são um grande motor de cidadania, onde se desenvolvem partilhas e valores humanos que no mundo profissional, informatizado e industrializado, por vezes elitista e mercantilizado, com a predominância de uma cultura mediática de massas – promovida pelas indústrias criativas – que transforma a cultura numa imensa área de negócio, promove a hegemonização cultural e condiciona gostos e aniquila especificidades nacionais e locais, panorama com que nos confrontamos e que urge transformar. Com participação de todos os que fazem teatro, profissionais e amadores.

O teatro tem sido, e continuará a ser, uma das formas de intervenção mais eficazes na transformação do mundo. É portador de valores humanos, mas igualmente de valores sociais de transformação e progresso que elevam a consciência e a emancipação dos povos. Reconhecido como um fator de democratização da sociedade, o teatro potencia o seu objetivo ao trabalhar coletivamente em associações, coletividades e demais organizações sociais com a participação popular, o que aliás está na sua génese. Se privilegiarmos as sinergias entre o teatro profissional e estes movimentos, poderemos cruzar perspetivas, trocar experiências, confrontar processos, saborear projetos conjuntos ou simplesmente partilhar e discutir caminhos futuros. E esses caminhos vão dar a um mundo muito melhor.

Será que os candidatos à presidência da Câmara Municipal de Gaia terão consciência disso? E será que todos eles terão em conta o trabalho do movimento associativo local na elaboração do seu programa para a Cultura? E será que todos eles terão como propósito uma implementação real da cultura na generalidade do concelho, traçando como objetivo o papel fundamental e crucial das artes e da cultura no desenvolvimento de uma população mais capaz de se interrogar, a si, aos outros e ao mundo? Ora, digam lá, senhores candidatos…

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