A RUSSOFOBIA JÁ VEM DE LONGE

A Multipolar Magazine publicou em Junho de 2023 um trabalho analítico com autoria de Stefan Korinth e Paul Schreyer, intitulado «The Long Lineage of Russophobia» que se tornou também numa homenagem a Pepe Escobar, jornalista brasileiro de investigaçao independente e internacional e correspondente de várias publicações internacionais.

Muitos livros sobre o tema foram publicados durante mais de 300 anos, no entanto, as raízes deste fenómeno racista remontam a muitos mais, o que contribui para uma melhor e credível análise ao expor como se desenvolveu a projeção ocidental sobre a russofobia. É importante entender a virulência desta atitude e o perigo que representa, pois impede em
elevado grau qualquer Paz que possa ser alcançada entre o Ocidente e a Rússia e também ajuda a perceber as diferentes narrativas de personalidades responsáveis de um e do outro lado sobre este tema.

O autor principal do trabalho acima referido, Stefan Korinth, disponibiliza uma declaração introdutória seguida por duas citações contemporâneas para provar o seu ponto de vista: «Como é possível que políticos e jornalistas ocidentais façam repetidamente declarações extremamente depreciativas sobre a Rússia sem um clamor público imediato? Retoricamente, qualquer tabu pode aparentemente ser quebrado. Esse tratamento negativo, dificilmente imaginável em relação a outros países, vai muito além da crítica justificada factualmente à liderança russa, sendo igualmente observável quer em tempos de
guerra quer em tempos de paz. Os responsáveis recorrem a estereótipos e insinuações sobre a Rússia que têm sido recorrentes ao longo dos séculos e se tornaram profundamente arraigados no subconsciente ocidental».

Relativamente às duas citações referidas como exemplos, diz-nos o autor que Robert Habeck, Ministro alemão de Economia em 2022, afirmou «A única verdade que emerge da Rússia são mentiras» e Annalena Baerbock Ministra alemã das Relações Exteriores em 2023, também criticou, dizendo «Qual é a Paz que existe sob a ocupação russa, com a preocupação todos os dias da possibilidade de ser assassinado a sangue frio, estuprado ou até mesmo sequestrado quando criança»?

Políticos e jornalistas ocidentais que falam ou escrevem publicamente sobre a Rússia frequentemente fazem-no de uma forma quase exclusivamente negativa e muitas vezes altamente depreciativa, pois os seus comentários são caracterizados por insinuações maliciosas e qualquer compreensão da perspectiva russa está perceptivelmente ausente, declarações de políticos e jornalistas russos são consistentemente consideradas propaganda e mentiras, o presidente russo é abertamente e descaradamente insultado e equiparado a algumas das figuras mais malignas da história mundial, soldados russos são retratados exclusivamente como criminosos de guerra, saqueadores ou violadores, jornalistas russos em reportagens de guerra dados como desonestos, empreendedores russos como criminosos, funcionários públicos como corruptos, ou seja, toda a população do País é retratada como mais ou menos autoritária, homofóbica e retrógrada.

As fontes ocidentais dessas declarações, por outro lado, quase não sofrem críticas públicas em seus países de origem, sendo aparentemente algo natural no cenário político-mediático estabelecido que a Rússia pode ser criticada e retratada de uma forma que dificilmente seria imaginável em relações públicas com outros países, mesmo em tempo de guerra. Ao procederem desta forma, os responsáveis recorrem a padrões de pensamento fixos e imagens negativas da Rússia que têm sido repetidas em países ocidentais por séculos e que estão apenas passando por actualizações, ou seja, por meio da repetição constante, essas imagens da Rússia tornaram-se uma verdade básica no Ocidente que raramente é questionada, sendo este fenómeno conhecido por russofobia. Historicamente o termo inglês «Russophobia» foi criado na Grã-Bretanha no início do século XIX e quando, depois da queda de Napoleão, os políticos e a mídia corporativa do Paísposicionaram a Rússia na consciência pública como um novo e perigoso adversário do Império, ou seja, existia medo da expansão russa nas zonas de influência do Império Britânico, no Irão ou na Índia, por exemplo, assumindo esse medo proporções tão vastas que até mesmo a remota nação insular da Nova Zelândia construiu uma série de fortes costeiros na década de 1880 para afastar um suposto ataque russo.

O fenómeno da russofobia, no entanto, abrange não apenas o medo, mas também tem elementos de preconceito e desconfiança e uma atitude hostil em relação à Rússia, por exemplo, em alemão, os termos Russlandhass «russo-ódio» ou Russenfeindlichkeit «russo-hostilidade» são usados às vezes e esses termos referem-se a uma atitude negativa em relação à Rússia, aos russos ou à cultura russa, de acordo com a definição descrita na Wikipédia alemã, embora nenhuma variante dos termos apareça no Duden, o dicionário alemão prescritivo, apesar de o Collins English Dictionary designar claramente que a
russofobia é «um ódio intenso e frequentemente irracional pela Rússia».

Trata-se, pois, de um complexo particular de ideias e conceitos que tem uma própria estrutura, história de surgimento e desenvolvimento na cultura ocidental, bem como suas manifestações típicas, tendo, aliás, como parente mais próximo o antissemitismo, que não pode ser confundido com o antissionismo. Oleg Nemensky, perito do Instituto dos Estudos Eslavos, argumenta que a ideologia da russofobia surgiu já no final do século XVI, quando os russos foram proclamados inimigos do
cristianismo europeu ao lado dos turcos que se aproximavam. A Rússia lutou contra várias potências europeias na longa Guerra da Livónia, 1558–1583, incluindo Polónia, Lituânia, Dinamarca e Suécia. A nobreza polaca, que procurava conquistas territoriais na Rússia, desempenhou o papel principal na justificativa ideológica da guerra no Ocidente e, assim, moldou a imagem da Rússia, ou seja, imagens hostis da Rússia surgiram assim em diferentes partes do Ocidente contemporâneo em diferentes momentos e por diferentes razões.

Quando o atual chanceler alemão Olaf Scholz acusa a liderança russa de querer construir um império invadindo a Ucrânia, ele está trilhando caminhos russofóbicos muito antigos, ignorando ou fazendo ignorar que no caso presente a causa principal reside na tentativa da NATO de se expandir para leste.

Mesmo em termos de ordem religiosa, o jornalista suiço Guy Mettan, em seu livro, refere- se ao cisma na igreja cristã entre as igrejas ortodoxa oriental e católica romana ocidental, o cisma de 1054, como a fundação da hostilidade antirrussa, dado que naquela época, um conflito fundamental entre o Oriente e o Ocidente já havia sido criado por meio da propaganda e os católicos haviam atribuído atributos negativos à Igreja Bizantina Oriental e aos fiéis ortodoxos e essas atribuições já se assemelhavam fortemente aos estereótipos russofóbicos posteriores de barbárie, atraso e despotismo.

É curioso observar que durante séculos, as potências coloniais europeias conquistaram, dividiram e apropriaram-se da riqueza de quase todas as regiões do mundo, mas nenhuma dessas ações transformou os seus respectivos estados em impérios «vorazes» e «famintos» no imaginário ocidental e relativamente aos Estados Unidos todo o mundo conhece
sobejamente o seu histórico de invasões de países soberanos com um enorme cortejo de vítimas inocentes, destruição de património mundial e saque de produtos naturais.

Em resumo, o que fica claro com este trabalho analítico acima referido é que o fenómeno da russofobia tem pouco a ver com a Rússia e os próprios russos, mas muito a ver com as sociedades ocidentais e o seu pensamento permanente de superioridade, com um padrão conceptual duplo deliberado em que aqui alguém ignora suas próprias guerras e esquece suas próprias mentiras.

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