Depois de um mês em que se abriu a discussão, os responsáveis pelo centro interpretativo que vai nascer em Santa Comba Dão vieram a público para desfazer o que dizem ser equívocos e ficções: não se trata de um museu nem de uma casa-museu Salazar, mas sim de um Centro Interpretativo do Estado Novo que vai integrar um conjunto de outros quatro espaços na região.
O projecto chama-se Rede de Centros de Interpretação de História e Memória Política da Primeira República e do Estado Novo e é uma iniciativa das autarquias de Penacova, Santa Comba Dão, Carregal do Sal, Tondela e Seia, que conta com a consultoria do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra e tem vindo a ser trabalhado nos últimos dois anos e meio com o objectivo, afirmam os autores, de conjugar a rede de cinco espaços com outros pontos atractivos da região, como a ecopista do Dão ou a ecovia do Mondego tudo ainda dependente de financiamento comunitário, ou seja, torna-se necessário como atractivo autárquico relembrar também o fascismo nacional.
Estabelecida a polémica e sobre a questão de estar a ser criado um centro interpretativo do Estado Novo fascista na terra natal da sua figura maior, Oliveira Salazar, João Paulo Avelãs Nunes, historiador e consultor do projecto responde: «não percebo que um centro de interpretação, com grande grau científico, possa ser local de peregrinação», dando os exemplos de Itália e França, onde a extrema-direita tem actualmente expressão eleitoral, mas que não estão relacionados com a existência de locais de memória ligados a Mussolini ou a Pétain e apresentando o exemplo de um caso mais próximo: Coimbra, onde há «uma miniexposição do mundo português, aberta desde 1940, desenhada «para as crianças verem a beleza do império colonial português», referindo-se ao Portugal dos Pequenitos, pequenitos esses que certamente têm ficado deslumbrados com o que foi o colonialismo nacional e as desgraças inerentes ao mesmo.
Por outro lado, cabe-nos questionar os organizadores do Centro Interpretativo sobre se conhecem as peregrinações realizadas com frequência à cidade de Predappio, palco de celebrações no túmulo de Mussolini, apesar da tentativa das autoridades de esconderem o local do enterro de ex-líder Mussolini, após a sua morte em 1945, o mesmo acontecendo com a basílica beneditina de Santa Cruz do Vale dos Caídos, que glorifica a figura sinistra de Franco e para onde se dirigem frequentemente os saudosos do fascismo.
Indiferente a estas realidades e como exemplo de um tema que poderá ser tratado, Avelãs Nunes fala dos «poderes do ditador», quando comparados com Itália, referindo que Salazar foi o ditador com mais poder institucional nas ditaduras do século XX», mas também poderão ser focados aspectos como a organização corporativa, a guerra colonial, a relação com a Segunda Guerra Mundial, com a Guerra Civil de Espanha e a Mocidade Portuguesa.
Aqui chegados, importa agora conhecer argumentação contrária a esta iniciativa, tal como patrimonializar Salazar é ofensa aos valores do Estado de Direito democrático, diz Jorge Miranda, constitucionalista bem conhecido que desta forma alinha com vários historiadores
que se têm manifestado contra o projecto.
Também o autor deste artigo de opinião pensa ser imperioso alertar para importância de não esquecer as causas, os responsáveis e os horrores da Segunda Guerra Mundial e de combater todas as tentativas de branqueamento do nazi-fascismo e de falsificação da História, recordar e reafirmar a importância do respeito e cumprimento dos princípios da Carta das Nações Unidas, da Acta final da Conferência de Helsínquia e da Constituição da República Portuguesa para evitar novo cataclismo mundial.
No caso em apreço estamos, sim, perante um projecto de branquear e humanizar e não de denunciar o papel de Salazar no fascismo português e internacional, constituindo ao mesmo tempo uma ofensa aos muitos presos torturados nas prisões portuguesas e no Tarrafal, aos compatriotas nossos assassinados em manifestações de rua e muitos outros perseguidos.
Ao sr. Leonel Gouveia eleito pelo PS na autarquia de Santa Comba Dão é preciso recomendar-lhe para refrear o entusiasmo com esta ideia do centro interpretativo, pois favorecer a memória de Salazar como filho da terra não constitui uma prova de democraticidade, bem pelo contrário demonstra falta de bom senso ou é saudosismo.
Deixem que na Escola a disciplina de História faça o seu caminho deontológico, explicando aos alunos o que foi o nazi-fascismo no mundo em geral e particularmente em Portugal, de forma a que a nossa sociedade presente e futura perceba bem o conteúdo da palavra de ordem tantas vezes repetida em muitas manifestações: «25 de Abril sempre, fascismo nunca mais», para que não percamos de vista que o perigo continua e ganha mais força com os facilitismos de alguns ditos democratas, como infelizmente observamos por essa Europa fora e também em outros continentes.