ADEUS DOIS MIL E VINTE E DOIS!

Qualquer idiota sabe muito bem que o inverno começa no hemisfério norte do nosso planeta a 20 ou 21 de dezembro, e que nós, os habitantes desta metade do globo, praticamente desde outubro até ao ano findar, estamos sujeitos a temperaturas extremas e oscilações constantes. Isto nota-se  perfeitamente nos vasos de mercúrio e em nossos corpos. Bem diz o ditado que “dos Santos ao Natal – Inverno Natural”.

Verdade, verdadinha verdadeira! No entanto, enquanto o inverno faz cama para si, com ideias de prolongar a sua visita, todo o frio é pouco ou nada em comparação com aquele que há-de vir. Por isso é combatido facilmente. É que o calor dos corações, aquecidos com a azáfama da preparação do natal, com sua alegria e própria vida transforma-se numa barreira térmica que nos agasalha, prevenindo do frio própriamente dito. Até porque um arzinho gelado nos consola nesta altura do ano, por incrível que pareça. Além disso, para muitos, aqui por estas bandas, se o natal não for branco, a festa do Menino não lembra nada.

Assim, isto vai tudo muito bem até ao findar do primeiro dia do ano.

Embora se diga, ou se creia que as celebrações se estendem ao Dia de Reis, ou como na minha terra, até ao dia da Senhora da Estrela, na realidade, com a chegada do fim do dia 1 de janeiro o espírito natalício mete-se na arca das recordações e hiberna por onze meses. Então o frio começa a sentir-se, e inicia-se o inverno, que teima em permanecer entre nós por muito tempo, e que no final de fevereiro parece não ter fim.

São os dois primeiros meses do ano os mais propícios às depressões psicolólicas. Por isso, façam o favor de combatê-las. Guardem um pouco do espírito natalício para a aproximação da Páscoa e tudo será mais fácil. Mas também há outras sujestões. Que tal umas férias tropicais em meados de fevereiro?

Mais um ano, mais um ciclo. Sempre, p’rá frente, porque p’rá frente é que é caminho. O natal está quase aqui, outra vez, se bem que para a maioria de nós nem terminou. O deste ano já teve o seu ponto alto e inicia a sua despedida. Há que aproveitá-lo, antes que parta sem deixar rasto. Para guardamos algumas recordações que poderão servir de antibiótico aos males da depressão do longo inverno, que está batendo-nos à porta. A nossa cultura popular, a sabedoria da nossa gente, explica isso tão bem, com estas palavras: “Não há bem que sempre dure, nem mal que não se acabe”.

2022, como todos os outros anos que vão passando, para uns será para recordar; para outros esquecer. Mas haverá sempre alguma coisa que o há-de trazer às lembranças. Umas boas; outras nem tanto; e algumas más.

Os santos voltaram a sair às ruas nas procissões, e as festas do Espírito Santo se realizaram em Fall River. As praias e parques encheram-se de gente. Tudo indica que a mormalidade voltou, embora seja necessário prevenir.

Mas o verão passou sem darmos por ele. Não deixou rasto por não ter sido aproveitado como fora desejado. Alguns acontecimentos inesperados alteraram os nossos planos de férias, e com eles tivemos de lidar no dia-a-dia.

A saúde de um familiar foi abalada, de tal forma que as férias foram canceladas em cima da data; e o tempo fóra do trabalho, que fora reservado meses antes, só serviu para  ir diariamente a Boston, com outros membros da família, fazer companhia e dar ânimo ao doente hospitalizado.

No hospital, naqueles intervalos das idas ao quarto, dando a vez a outros de o fazer, o tempo no lobby foi ocupado com leituras de variadas espécies, com livros, jornais e revistas.

 

Os livros de Almeida Maia

Tendo a internet sempre presente, várias vezes soltou-me à vista “A Escrava Açoriana” de Pedro Almeida Maia, fazendo-me prometer a mim mesmo adquirir o tão divulgado livro.

Já no ano anterior tive o desejo de comprar o Ilha América, do mesmo escritor, cujo conteúdo foi inspirado na  história do sr. Daniel Melo, residente em Fall River, que de vez em quando visita Raul Benevides, durante a programação radiofónica Açores-Madeira.

O senhor Daniel é muito reservado com o que diz respeito à história da sua nobre façanha, e não gosta de a divulgar. Para ele, aquela aventura fez parte, como tantas outras, da sua juventude. Mister Melo não tem transparência, e por isso não deixa transmitir a quem com ele fala o orgulho que interiormente possa sentir. Foram outros tempos, outras idades. Mas uma travessia atlântica naquelas condições, a par e passo entre a vida e a morte, não deixa de ser uma histórica e gloriosa aventura, digna de registo pormenorizado e merecedora dos mais altos louvores e elogios.

O Ilha-América, gerado em período pré-Covid, nasceu na força do isolamento pandémico. O sucesso foi tanto, que vindo à luz em tempo de escuridão, iluminou o caminho para o nascimento de outro. Outra viagem transatlântica, que o derradeiro mês da primeira metade de 2022 trouxe ao mundo da literatura. A Escrava Açoriana.

Fiz, então, todos os possíveis para adquirir estas duas obras de Almeida Maia. A forma mais eficaz foi ter de esperar por portador, porque o custo dos transportes triplicava o preço dos livros. Tenho a dizer-vos, meus caros amigos, que valeram a pena a espera e a paciência.

Já o sol se aproximava do baixo solstício quando os dois livros começaram a ser devorados numa pequena praia do Cabo dos Bacalhaus (Cape Cod). Naqueles instantes da semana, em que a gente foge um pouco da cidade, à procura de paz e socêgo, e aproveita uma recarga de energia positiva. Dois domingos seguidos iniciaram a leitura de cada um, e o resto das semanas que eles iniciaram encarregou-se de lhes roer os ossos. Foram os dois livros lidos pela respetiva ordem de nascimento, sem nenhum tirar o valor do outro. Ilha-América primeiro, A Escrava Açoriana, depois.

Produtos açorianos genuínos, deliciosos, de paladares bem ao nosso gosto, ultrapassando todas as expectativas.

Dizem, e muito bem, que um livro não deve ser classificado pela capa nem por outra qualquer apresentação. É verdade. Têm toda a razão. Mas ao ver em cima de uma mesa, ou numa estante, virados para nós, os trabalhos de Pedro Almeida Maia convindam-nos a pegar neles e a abri-los de imediato sem pensar duas vezes. Todos nós sabemos que os olhos comem primeiro do que a boca, e por isso a aparência é sempre importante, quer queiram quer não.

Acompanhei o Manél de Santa Maria às antigas Índias de Castela, estive com ele em Lisboa, e vi-o entrar no comando da PIDE. Uma linda história, com vivos pormenores, e marcos históricos importantíssimos. Uma grande alegria para a família quando ele regressa a Vila do Porto. Tudo isto e muito mais faz com que Ilha América seja um livro que ao ler cada página a gente sente a obrigatoriedade de ler a seguinte, e mais outra, e assim sucessivamente.

Do mesmo modo, na semana seguinte juntei-me à Rosário, e acompanhei-a na grande aventura de sair da ilha, e a ela voltar. Acompanhou-nos nestas viagens o pio do milhafre. Sempre o pio do milhafre. Vejo as sardas no seu rosto, e a simplicidade no seu olhar. Pobre pequena!… Sonhos realizados em modo de fracasso geral. Não, afinal os seus sonhos nunca foram realizados. A sua vida foi uma confusão, do princípio ao fim. Talvez a filha venha a realizar os sonhos de Rosário, ou talvez seja suficientemente feliz para realizar os seus próprios. Esperamos o melhor.

Romance nunca foi o meu tipo de literatura preferido. Mas A Escrava Açoriana veio, de certo modo, fazer-me pensar, e admirar como é bela a nossa linguagem açoriana no contexto da literatura portuguesa. Sim, no contexto da literatura portuguesa. Porque também sou daqueles que não acreditam na independência das literaturas regionais. Opinião. Pura opinião. E não estou disposto a fazer disto um bicho de sete cabeças. Portanto, ponto final neste assunto.

Pedro Almeida Maia nasceu em Ponta Delgada em 1979. Estudou em Coimbra e Barcelona. Em 2022 completou 10 anos de livros, segundo notificaram as redes sociais. A Escrava Açoriana é o seu sexto romance. Alguns dos seus trabalhos já foram premiados e outros encontram-se no Plano Regional de Leitura.

Parabéns, Pedro! Esperamos o próximo.

Não vou dizer que A Escrava Açoriana foi o melhor romance que já li, mas afirmo que foi aquele que mais apreciei. Desde a precisão geográfica das regiões, localidades e edifícios, passando pelos encaixes nas datas destacadas com os acontecimentos de baixos e altos relevos, que deram estórias à história, até ao imaginário vivido do maior sonho ilhéu. Umas vezes leva a ilha consigo para onde vai; outras a ela retoma sem nunca dela ter saído; e outras, em que acaba por nunca mais voltar.

Por aquilo que superficialmente foi dito, pois não temos couro académico para aprofundar assuntos desta natureza, resta-me acrescentar que na minha modesta opinião o título de Livro do Ano devia ser dado ao A Escrava Açoriana.

No mesmo modo de pensar, se eu tivesse poder para isso, nomearia Pedro Almeida Maia como o Açoriano do Ano de 2022.

Para todos um Feliz ano 2023.

Haja saúde!

 

 

Pedindo a Deus para dar

Saúde e sabedoria

Para o ano começar

Com amor e alegria.

 

Que dois mil e vinte e três

Nos traga um mundo melhor,

Que acabe a guerra de vez

E haja paz em seu redor.

 

 

Fall River, Massachusetts, 26 de dezembro de 2022

Alfredo da Ponte