Nunca me canso de admirar as minhas lagoas quando por elas passo. Na verdade sou um felizardo porque tenho perto de mim o mar, as lagoas e as ribeiras. As montanhas é que estão um pouco mais distantes, mas eu não passo três meses sem visitá-las. Não estou com ideias de me fazer herói, nem tenho a mania de ser diferente dos outros. Mas parece-me, às vezes, que eu vejo coisas que os outros não enxergam.
Por exemplo, no meu primeiro ano de residência neste país, comendo groselhas espantei alguém que aqui vivia há mais de trinta anos, porque esta pessoa não sabia que groselhas aqui havia. Por outro lado, há quem me pergunte como é que eu conheço tantas praias, tantas ribeiras e tantos lugares naturais aqui, na América. Para tudo isso a resposta é uma só: – Gosto de apreciar a natureza e de conhecer o meio-ambiente que me rodeia. Isto traduz-se em não viver só para trabalhar, e não desperdiçar as horas vagas no sofá a ver futebol. Uma lagoa, uma ribeira, o mar e a serra chamam-me a atenção. Olho-os com a minha melhor visão, e distinguindo-os uns dos outros vou aceitando e respeitando as suas diferenças. Uma faceta do amor para com a natureza.
Indo para o trabalho tenho a lagoa Watuppa Norte à minha direita. Nunca passo por ela sem lhe deitar os olhos em cima. Umas vezes parece-me um espelho, outras um mar agitado. Todos os dias apresenta-se diferente. Tal como a Lagoa do Fogo, que em todas as visitas nos oferece um novo panorama, assim é a “minha” lagoa, que nunca me canso de apreciar, reconhecendo até um pouco a minha idiotice, de lhe lançar uma vez por outra um largo sorriso, dizendo com os meus botões: “tão linda!…” ou “coisa mais linda!”
Feitios? Manias? Que importa? Sou assim. Quem me dera ter acesso às suas águas. É proibido. A sua irmã-gémea não lhe fica atrás na beleza, e é acessível a toda a gente. Mas está comprometida com milhares de amantes, para além de estar saturada de habitações humanas em seu redor. Antigamente estas duas irmãs tinham um só corpo e formavam um formoso lago.
O lago Watuppa estendia-se de norte a sul, a nascente da cidade de Fall River. Watuppa é uma palavra indígena que quer dizer “lugar de barcos”. Tinha cerca de onze quilómetros de comprimento, incluíndo suas zonas pantanosas e cobrindo uma área de quase 13,6 quilómetros quadrados. Tendo uma largura média rondando 1,600Km, apresentava-se com uma cintura estreita, reta e rochosa, a que chamavam “The Narrows”. Antes de 1862 a maior parte dele, a sul, pertencia ao Estado de Rhode Island. A partir desta data, com o ajuste de fronteiras entre os dois estados, aos poucos foi sofrendo modificações pela mão do Homem. Assim, a meados da década de setenta do século dezanove o lago foi cortado pela cintura passando a ser duas lagoas: Watuppa Norte e Watuppa Sul. Com isto recordamos as Sete-Cidades. Até 1872, pequenos barcos a vapor faziam transporte de passageiros de Fall River para Westport. Sobre a estreita se construiu o caminho de ferro, concluído em 1875, que passou a fazer a ligação de comboio entre New Bedford e Fall River, mais para transporte de mercadorias do que de passageiros, funcionando a todo o vapor, até o início dos anos 80. Pouco tempo depois, ao lado, da banda do norte do caminho de ferro se abriu o troço da estrada 6, ficando entre ambas as vias uma pequena lagoa, que se tornou popular para recreio, especialmente a patinagem no gelo durante o inverno. O aterro entre as duas lagoas foi prosseguindo lentamente, e em 1963 passa também no estreito o prolongamento da auto-estrada 195, fazendo desaparecer a lagoinha da patinagem e transformando o panorama divisório das duas grandes lagoas, ficando mais ou menos como hoje se vê.
A Lagoa Watuppa Sul tem cerca de dez milhas e meia de costa e uma profundidade máxima de 22 pés. É alimentada pela água das chuvas, pelas excedentes da sua irmã-gémea Norte, e por uma combinação de nascentes e riachos. Nela se encontra um grande número de espécies de peixe, que a torna muito concorrida para pesca desportiva, e também nela se pratica muitos desportos náuticos. Dela nasce o rio Quequechan, que correndo na direção oeste, atravessa o centro da cidade e vai desaguar na foz do rio Taunton, na baía Mount Hope, soluçando em duas formosas cascatas que deram o nome à localidade que um dia se chamou River Falls e depois passou a chamar-se Fall River. Mas isso é uma outra história, e o seu volume não tem cabimento nesta crónica. Continuando a falar da lagoa Watuppa Sul, falta acrescentar que está rodeada de propriedades privadas, com lindas casas ligadas à água, equipadas com rampas de varagem e docas artificiais. Mas também está aberta ao público a partir de um pequeno espaço municipal, de Fall River, conhecido por Dave’s Beach, localizado no final da Rua Jefferson. Esta lagoa liga três localidades: Fall River, Westport (Massachusetts) e Tiverton (Rhode Island). Várias fábricas têxteis foram plantadas ao longo da costa norte da lagoa Watuppa Sul, das quais destacamos: Bleachery Fall River, Kerr Thread Mills, de cujo edifício em chamas de fogo fomos testemunhas oculares, nos anos oitenta do século passado, Lincoln Manufacturing Company, entre outras.
A lagoa Watuppa Norte tem 12,4 milhas de costa, traduzindo-se numa área de superfície de 1.805 hectares, e uma profundidade máxima de 25 pés. Está altamente protegida do acesso público e serve para abastecimento de água potável à cidade de Fall River desde 1873. É também alimentada pelas águas da chuva e por pequenos riachos, sendo seus excessos conduzidos para a sua irmã-gémea. Na sua margem ocidental existe um canal feito pela mão humana, que desvia o escoamento de águas pluviais da cidade de Fall River para a Lagoa Watuppa Sul, afim de manter o resevatório sempre puro.
Antes de toda a proteção várias casas de gelo foram construídas na costa oeste do North Watuppa Pond, portanto, do lado de Fall River, a partir da década de 1840. De longe, da auto-estrada 24, seguindo sentido norte, nos nossos dias, principalmente no inverno por causa da nudez vegetal, ainda podemos ver as paredes de granito de uma destas casas, situada numa formosa península, onde também restam vestígios dos alicerces da mansão de Spencer Borden, que era rodeada de jardins, passeios de namorico e pastagem de cavalos. Foram estas casas demolidas quando a cidade aquiriu os terrenos para preservação da área, a qual se revestiu, naturalmente, em floresta.
Os tons das cores do outono reflectidos no espelho desta lagoa são divinais, e não há fotografia que lhes faça justiça. Do mesmo modo dá-nos uma visão do Paraíso o reflexo da claridade em suas águas nas noites de lua-cheia.
Watuppa Norte, Menina,
Dissipa-se a neblina
Quando o Sol te beija a face.
Se ele se deita vermelho
Te transformas num espelho
E esperas que a Lua passe.
Não tens sereias cantantes,
Nem tipo de visitantes
que te possa incomodar.
Mas tens um eco-sistema
Que só por si é um tema
Que faz meus versos cantar.
Lendas e contos de fada
Em ti não tem cabimento.
Tua beleza e mais nada
Faz sorrir o firmamento.
Tua água cristalina
Junta-se à tua beleza.
És uma jóia tão fina
Criada p’la Natureza.