AS VIAGENS AO PARAÍSO E OS PREÇOS DA SATA

Fevereiro de 2023 há-de ser lembrado pelo alarme do jornal Portuguese Times, na pessoa de Francisco Resendes, seu diretor, com respeito aos preços projectados pela SATA para os meses quentes que se aproximam, nas viagens entre Boston e Ponta Delgada.

A notícia saiu como uma bomba, e logo teve reações, tanto nas comunidades, como nos Açores. Daí, logo surgiram opiniões e intervenções de individuais, de forças associativas e políticas, incluíndo o “conselheirismo”, que é um órgão do governo português instalado na diáspora, que ao fim e ao cabo para nada serve, a não ser ocupar espaço nos dar-nas-vistas, e pouco mais.

Já muito foi dito e redito a respeito do monopólio da companhia aérea açoriana nestas viagens entre os Açores e a América do Norte. Por isso, não vale a pena bater mais em ferro frio, mesmo quando se está mais ou menos atento aos movimentos e manobras daquela companhia, com sucessivas demissões de funcionários e longos processos de privatização, e mais não sei o quê.

No entanto, de vez em quando a memória traz-nos recordações dos bons-velhos-tempos, em que tínhamos três ou quatro companhias fazendo ligação de Boston a Ponta Delgada com voos charter.

Aquele era o tempo em que o emigrante era amávelmente chamado de mosca de verão, de calafona, e de outros tantos adjectivos amorosos e carinhosos, sem o mínimo respeito para com quem leva a sua terra no coração para onde vai, e está sempre pronto a tudo por ela fazer, principalmente nas horas mais amargas dos seus irmãos açorianos.

Ainda dentro destas lembranças, recordo uma destas viagens, pela companhia Relvas, em que o avião sofria um mal de pequena dimensão com uma das suas portas. Depois de tantos anos está um pouco difícil precisar se era uma porta normal, de entrada e saída de passageiros, ou se era de emergência. Mas não interessa.

O que importa para esta “estória” é que por causa disso a viagem sofreu um atraso de meia hora. O aparelho devia ter levantado voo antes do avião da Azores Express e do da TAP, e do da Map-Tours. Acabou sendo o último.

A bordo, e sem dar conta do recado, por não ter peças de reparação à mão, o mecânico não teve outro remédio senão amarrar a porta com um cabo de aço, e teve de nos  acompanhar na viagem de Boston a Ponta Delgada, de pé, ali, ao lado da porta, fazendo o possível de não dar nas vistas com o seu estado de prevenção.

Se algum dos outros passageiros tomou conhecimento da gravidade do caso, não sei. Mas eu, sendo um espertalhão em porcas e parafusos, cabos, cabinhos, correias e correntes, logo me apercebi que aquela porta não estava vivendo um dos seus melhores dias. Ou não trancava, ou tinha outro problema qualquer com o seu mecanismo. Por isso estava amarrada daquela maneira. Além disso, o nosso assento era mesmo ali, ao lado, e os nossos olhares (disfarçados) nunca perderam os movimentos do Mister Fix.

A certa altura, a meio da viagem, o aparelho sofreu grandes agitações. Tal era a turbulência, que a inquietação se tornou notória nos rostos dos passageiros. Entre uma boa dúzia de trambolhões veio um mais violento, e a minha mão esquerda foi apertada pela esposa, de tal maneira que estando tão nervosa deixou de rezar em silêncio. Acalmei-a, dizendo estas palavras:

Não te preocupes. Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso!”

Acabando de dizer isto, soltei um grito de dor, por ter levado naquela altura o maior beliscão da minha vida.

Tratou-se de uma má interpretação das minhas palavras. Por isso, na tarde daquele dia, em solo micaelense, fiz questão de comprovar o que havia dito. Levei-a, com todo o gosto e prazer ao Paraíso.

O Paraíso é aquele magnífico lugar no centro da Ribeira Grande, cujo nome lhe foi dado no momento da sua descoberta. Referenciado no século XVI por uma serra de água que ali funcionou, por serviçal de escravos, e pelo acender de um surto de peste que obrigou ao evacuamento da vila por um ano inteiro, nos finais da década de 1520.

Infelizmente, pelos anos cinquenta do passado século vinte chegou a ser uma negra sala de visitas da nobre vila, pelo que teve de ser renovada com um parque infantil, relvados e jardins, apresentando-se de novo, na década seguinte, como um dos lugares mais atrativos da ilha, e um refúgio celestial de jovens namoradeiros. Até tinha uma banqueta virada de costas para a Praça e para o Teatro, à qual chamavam mesmo o “banco dos namorados”. E isto nós próprios o podemos confirmar. Porque, graças a Deus, nunca tivemos de namorar de janela, como alguns da nossa geração e quase todos da geração anterior.

Voltando ao assunto da SATA, com subidas e descidas de preços, épocas altas e baixas, sucessões, demissões e o diabo que os carregue, já passou o tempo em que cheirava mal. Na atualidade está mais do que podre.

É pena que a senhora Saudade mexa mais com uns do que com outros. É que, quem realmente sofre desta doença está condenado, e nunca verá outro destino de férias sem ser os Açores.

Por outro lado, mesmo para o turismo “qualificado”, como dizem os qualificantes, há também outros destinos a escolher. Melhores e mais baratos. Esta coisa de ir de oito para oitenta é um golpe baixo para juntar às vergonhosas decisões que têm dado nas vistas nos útimos anos. Diria décadas.

Uma viagem de cinco horas e qualquer coisa para um lado e de seis para outro é muito aborrecida. Já era no tempo das quatro e meia e das cinco. Agora muito mais.

Quando se renova o equipamento adquire-se algo mais eficaz, que faça o serviço com menos despeza e em menos tempo. Não deve ser só pela poupança de combustível.

Como agora temos os Açores mais longe e mais caros, vamos a ver se descobrimos novos horizontes, minha gente. Dois mil dólares são suficientes para uma semana nas Caraíbas com tudo incluído.

-Ali não falam português – diz o Germano.

Responde o Agostinho:

-Ao tempo que estás na América, não achas que já devias falar um pouco de inglês?

Com que bases afirmas ser cidadão americano, ou possuires dupla nacionalidade, se o teu pensamento está vinte e quatro horas por dia na taberna do Manel Esguicha, jogando ao doninó, e falando mal do Benfica, glorificando o Sporting?

Esta doença que uns sofrem por gosto e vontade, e que outros têm este malzinho sem dar nas vistas, e ainda outros que por ela estão condenados à morte chama-se Saudade.

Realmente, afeta mais uns do que outros. E como estas já não são contas do meu rosário, por hoje tenho dito.

 

 

No ano das vacas gordas,

Como sou gente pacata,

Prefiro comer açordas

Do que dar dinheiro à Sata.

 

Se eu não for ao Paraíso

A outras partes irei.

Porque ainda não preciso

De gastar o que juntei.

 

 

Fall River, Massachusetts, 10 de março de 2023

Alfredo da Ponte