“CONSIDERO-ME UM HOMEM DE CAUSAS”

Presidente há mais de 20 anos da Artistas de Gaia – Cooperativa Cultural, Agostinho Santos é também jornalista, pintor, autor de livros, e criador de uma das maiores iniciativas culturais de Gaia, a Bienal Internacional de Gaia.

Considerando-se um “homem de causas”, é também deputado na Assembleia Municipal de Gaia e, recentemente, anunciou mais um projeto em parceria com a Câmara Municipal, o Museu de Causas /Coleções Agostinho Santos, que tem como finalidade promover e desenvolver ainda mais a cultura em Vila Nova de Gaia.

 

 

Definir Agostinho Santos é um exercício complexo… jornalista, homem de causas, artista, líder… Que mais?

É um pouco difícil falar de nós próprios, gosto mais de trabalhar do que falar de mim. Mas, como sou jornalista e não gosto, nunca gostei, que os meus entrevistados fugissem às questões colocadas, vou tentar com a maior transparência e sinceridade responder. Sou, antes de mais, uma pessoa lutadora, teimosa, que defende os seus ideais e que gosta do que faz. Sempre gostei. Costumo dizer que sou um privilegiado, porque sempre fiz na vida o que sempre quis: escrever e pintar. Sou jornalista por paixão e devoção e pintor também por paixão e devoção, ou seja, apesar de exercer (ou ter exercido) durante mais de três décadas, atividades – o jornalismo e as artes plásticas – duras, exigentes, sempre as exerci com o espírito de servir os outros e de denunciar, ou tentar denunciar o que está mal. Não digo que sou uma pessoa de sorte, porque não gosto de utilizar esse termo (porque a sorte não cai do céu), mas trabalhei, discuti, analisei, lutei para isso, para ser um tipo que fizesse o que gostasse e nessa área sinto-me, de facto, um privilegiado. Considero-me um homem de causas, porque ainda acredito que é possível melhorar as coisas, lutar por uma vida mais justa para todos, mais igual e mais solidária. Aliás, estes valores são, e sempre foram, o pilar que contribuiu fortemente para a minha opção de ser jornalista e pintor, sobretudo pintor de causas. Acho que as duas atividades se complementam muito bem e, sinceramente, acho que hoje não seria o pintor que sou, criador de inúmeras obras de intervenção social, se não fosse jornalista e também não tivesse vivido e assinado reportagens profundamente de caráter interventivo e social. Portanto, sou um pintor de causas, porque fui afetado pela atividade exercida ao longo de trinta anos como jornalista profissional que versou centenas de trabalhos (reportagens entrevistas) a todo o tipo de pessoas e sobre os mais diversos temas sociais, o que me enriqueceu bastante. Cresci muito com o jornalismo no terreno, dito, jornalismo de investigação. Não me considero um líder, assumo sim, as minhas responsabilidades e luto por aquilo que acredito e, se acredito, tento convencer os outros que o caminho a seguir é aquele. Mas, como sou democrata aceito a opinião da maioria, mas luto até ao fim para que a maioria acredite que o melhor é aquele caminho.

 

Há vários anos a presidir a Cooperativa Artistas de Gaia é notório que os últimos anos têm sido de intensa atividade…
Sim, a Artistas de Gaia – Cooperativa Cultural é uma espécie de minha segunda casa. Estou ligado à sua fundação, que data de 1985, e fiz parte do núcleo que deu origem a este movimento. Já lá vão mais de trinta anos, eu era o mais novo de todos. Integrei a primeira direção eleita e depois, uns anos mais tarde, em 1995, um grupo de artistas convenceram-me a candidatar-me a presidente da direção. No início, confesso que não queria, mas depois, devido a tanta insistência, acabei por aceitar o repto do escultor Hélder de Carvalho e de outros, que entendiam que eu seria a melhor solução para dirigir os interesses da instituição. Como sou um tipo de desafios, aceitei. Mas aceitei, com o objetivo claro de levar por diante o projeto com toda a força e toda a garra, e, para isso, foi necessário tomar algumas atitudes não muito populistas, pelo contrário, mas que beneficiariam – como se veio a comprovar – a nossa cooperativa. Quando eu e a minha equipa assumimos a direção de Artistas de Gaia – Cooperativa Cultural, a instituição era praticamente desconhecida do grande público, das outras instituições e sofria de graves problemas económicos, tinha dívidas, que herdamos de direções anteriores, de mais de 20 mil euros, o que naquele tempo era muito dinheiro. Falava-se até que a cooperativa poderia fechar. As dívidas eram significativas, ou seja, devia-se dinheiro aos artistas que vendiam obras e não recebiam com frequência, aos fornecedores, pois a prioridade era o pagamento de remunerações a “contratados” que estavam a trabalhar numa loja que nessa época existia no antigo Centro Comercial Carrefour, em Gaia. Essa loja, nesse estabelecimento comercial, transformou-se num autêntico “cancro” que minava todo o saneamento financeiro da nossa instituição, por isso, decidimos, por proposta da minha direção e em Assembleia Geral – a mais concorrida de sempre – encerrar a loja e centrar toda a nossa atividade na nossa sede, no centro do Município de Gaia. Não foi fácil convencer os sócios, pois havia muitos interesses instalados e acomodados, mas a verdade é que a proposta acabou por ser aprovada esmagadoramente. E a ainda bem, porque foi o princípio do renascimento da nossa cooperativa. A partir daí foi o arregaçar das mangas, que passou por dar conhecimento à comunidade política e à sociedade civil da nossa existência, através de muitas iniciativas como os festivais de arte e cultura na Praceta 25 de Abril, as pinturas ao vivo, os debates, a criação de prémios /concursos nacionais que homenagearam figuras como António Joaquim, Isolino Vaz, Aureliano Lima e a realização de um conjunto de mostras coletivas e individuais que visavam a promoção da arte dos nossos sócios. Fizemos muita coisa, a situação foi melhorando, contamos com a adesão de muitos cooperantes e realizamos os nossos leilões que conseguiram, muitas vezes, arranjar meios para superar as dificuldades do dia a dia, ou seja, a manutenção das nossas instalações e a continuidade do emprego do nosso funcionário. É claro que esta nova dinâmica, esta nova forma de atuar e, sobretudo, a realização de imensos eventos artísticos desagradaram a meia dúzia de pessoas (se tanto) que pensavam que eram insubstituíveis e ficaram tristes e até desesperados por nós, uma equipa coesa e estável, termos conseguido fazer em dois ou três anos o que não conseguiram fazer em mais tempo. É evidente que não se pode agradar a todos, mas a verdade é que o afastamento voluntário dessas três ou quatro pessoas, possivelmente, fez com que entrassem centenas de pessoas para sócios, pois depressa se aperceberam que o nosso lema era o trabalho e que o nosso trabalho estava à vista com as dezenas e dezenas de eventos realizados. A nossa dinâmica, o nosso esforço e a nossa vontade de transformar Gaia na Cidade das Artes foi bem mais forte e esses velhos ou velhas do Restelo autoafastaram-se, porque deviam ter percebido que não andávamos a brincar às cooperativas, mas sim a lutar pelo desenvolvimento das artes plásticas em Vila Nova de Gaia e a reivindicar mais direitos e mais atividades para o desenvolvimento das nossas atividades artísticas. Se todos seguissem o exemplo dessa menos de meia dúzia de pessoas, a nossa instituição já tinha desaparecido há muito, que, agora visto à distância, parece que era o que essas pessoas pretendiam. Mas, o bom senso imperou e intensificamos, sem dúvida, o trabalho artístico em Gaia. É com muito orgulho que posso dizer que realizamos os maiores eventos de artes plásticas em Vila Nova de Gaia, na Área Metropolitana do Porto e até na Região Norte.

 

De facto, a Bienal lançou para um outro patamar as artes em Vila Nova de Gaia.
A criação da nossa bienal, da nossa primeira bienal, que aconteceu em 2015, foi, antes de mais, um ato de justiça. Justiça para o município de Vila Nova de Gaia, para os artistas e para a população de Vila Nova de Gaia. Toda a gente sabe, e a história não deixa mentir, que Vila Nova de Gaia é, sempre foi, uma terra de artistas, um lugar onde nasceram, viveram ou trabalharam os maiores mestres da pintura, da escultura, do desenho. E cito apenas: Soares dos Reis, Teixeira Lopes, Diogo de Macedo, Coelho de Figueiredo, Isolino Vaz, Aureliano Lima, António Joaquim, Jaime Isidoro, Jaime Azinheira, Henrique Silva, António Macedo e muitos outros. Não é, por acaso que, em 1985, foi criada uma instituição formada exclusivamente por pessoas que se dedicavam às artes. Porque é que essa instituição não surgiu no Porto, em Matosinhos, em Espinho, em Vila do Conde ou na Póvoa? É muito simples, porque Gaia tinha, sempre teve, tradições de produção artística e fazia, faz, todo o sentido. E o tempo veio-nos dar razão. Hoje a nossa cooperativa, da qual me orgulho de presidir à Direção há cerca de 23 anos, provou e demonstrou por A + B que Gaia, os artistas e o público em geral são sensíveis às artes plásticas. A nossa instituição conta atualmente com cerca de 600 sócios e o trabalho desenvolvido foi já conhecido em várias regiões do país e até no estrangeiro, ao ponto de contarmos com associados oriundos de diversas localidades, de Norte a Sul do país, porque se reveem no trabalho desenvolvido. É mais do que evidente que a criação em Gaia da Bienal foi a concretização de um sonho de cerca de 20 anos. Eu próprio alimentei esse sonho e fiz muitas diligências, junto dos autarcas de então, para que Gaia promovesse a realização de uma bienal. Uma bienal que todos merecíamos, mas, infelizmente, nem todos viam de bons olhos a cultura e, neste caso especial, as artes plásticas. Optaram por outras prioridades mais populistas, renegando a cultura para segundo plano. E o sonho foi-se adiando, adiando. Até que, com a eleição do Professor Doutor Eduardo Vítor Rodrigues para a presidência da Câmara de Gaia, as coisas mudaram vertiginosamente e ele, como homem culto, bem formado e, naturalmente, sensível à cultura e neste caso particular às artes plásticas, disse – quando por mim confrontando – as palavras mágicas que eu desejava ouvir há muito, mas que só as ouvi da boca dele: “avança, já é tempo de Gaia ter uma Bienal, avança!” Como deve imaginar foi um soco, no bom sentido, no estômago. A partir daí eu e a minha equipa nunca mais paramos e, mesmo em tempos economicamente difíceis para o nosso município, avançamos e em 2015, a 1ª Bienal de Arte de Gaia foi uma saudável realidade. Contamos com a adesão de 433 artistas nacionais e realizamos dois polos, um em Gaia e outro no Porto. Fomos os organizadores e a Câmara de Gaia apoiou o mais que pode.

 

Vários polos têm sido criados um pouco por todo o país…
A questão dos polos é outra história, ou seja, em 2017, viramos mais uma página interessante, com a realização da 2ª Bienal Internacional de Arte Gaia 2017. Criamos vários objetivos que se relacionam com a internacionalização da nossa bienal, ou seja, contamos com obras de cerca de 600 artistas, mais de 1500 obras, e abrimos o nosso evento a artistas oriundos de 11 países. Preocupamo-nos por sermos também uma Bienal de Causas, uma bienal que se preocupa com os outros, que desafia os criadores a trabalharem plasticamente temas, dramas, que nos preocupam e inquietam, como a guerra, a violência, a homossexualidade, a causa animal, as questões da alimentação, dos sem-abrigo, enfim, fizemos questão de imprimir uma abordagem notoriamente de intervenção social. Conseguimos ser uma bienal diferente das que por aí existem e, sobretudo, além de mantermos a “casa-mãe” em Vila Nova de Gaia, decidimos ir ao encontro das pessoas e, por isso, diligenciamos com autarquias, associações culturais e artísticas para a realização de polos da nossa bienal. E assim foi: a 2ª Bienal Internacional de Arte Gaia 2017 conseguiu ter oito polos em vários municípios, nomeadamente no Porto, Gondomar, Figueira da Foz, Seia, Monção, Barcelos, Cerveira e Viana do Castelo. Quisemos e queremos contribuir para levar a produção dos nossos artistas aos mais diferentes lugares. Estou plenamente convencido que todo este trabalho desenvolvido na 2ª Bienal Internacional de Arte Gaia 2017 contribui para Gaia entrar na rota das bienais e marcar significativamente o panorama artístico nacional.

Pinta, escreve, é dirigente associativo, diretor de uma bienal, curador, académico, estudante, deputado municipal. Como arranja tempo para isso tudo?
Reconheço que, às vezes, não é fácil dar conta do recado, mas, com disciplina e, fundamentalmente, com muito trabalho e rigor consegue-se fazer tudo. Como já disse e repito, tenho o privilégio de fazer tudo o que gosto, o importante é traçar objetivos e fazer as coisas no tempo certo e uma coisa de cada vez. Assim aconteceu comigo. A partir de uma determinada altura, por exemplo, decidi investigar e estudar mais detalhadamente a arte. Resolvi fazer o Mestrado de Pintura na Faculdade de Belas Artes do Porto e depois doutorar-me em Museologia num curso conjunto entre as faculdades de Letras e Belas Artes da Universidade do Porto. Essa experiência obrigou-me a estudar e a investigar e deu-me um gozo profundo, tão grande, que quando conclui e defendi o doutoramento, a primeira coisa que fiz foi, precisamente, matricular-me num outro doutoramento, neste caso, no Doutoramento em Arte Contemporânea do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, onde frequento o segundo ano, estando neste momento a escrever a tese. Ser estudante significa ter que investigar e estar atualizado e isso é muito bom, gratificante. Mas, as outras atividades em que estou envolvido também me dão, naturalmente, muito prazer. Gosto de tudo o que faço.

 

“A cultura, e as artes em especial, a nível nacional, foram sempre vistos pelo poder como ‘produto secundário’”

Em janeiro, na Ribeira Grande, Açores, subiu ao palco do Teatro Ribeiragrandense para receber o Troféu Audiência – Projetos & Ideias 2017. O que sentiu?
Senti-me bem, muito bem. Qualquer ser humano, sensível, de bom senso, gosta de ver reconhecido o seu trabalho e o da sua instituição. Não trabalhamos para prémios, para distinções, para sairmos nos jornais ou sermos notícias nas televisões, mas ficamos muito orgulhosos por ver o nome do nosso município ser falado e ser distinguido, por ter uma palavra a dizer em matéria de cultura e, neste caso, em matéria das artes plásticas. Como gaiense dos quatro costados fico muito feliz. Se isso é ser vaidoso, sou vaidoso, quero que Gaia esteja sempre no topo em toda a linha e em especial a nível da cultura e das artes plásticas. O galardão que recebemos do Jornal AUDIÊNCIA, com muita honra veio, não tenho dúvidas, dar-nos mais ânimo e vontade para continuar a trabalhar.

 

A Ribeira Grande pode vir a ser um polo para uma próxima Bienal?
Sinceramente, já tinha ido aos Açores, mas nunca à Ribeira Grande e fiquei muito satisfeito pela estadia. Fui muito bem tratado e, nessa altura, tivemos algumas reuniões no sentido de se poder realizar um polo da 3ª Bienal Internacional de Arte Gaia 2019 na Ribeira Grande. Vamos trabalhar para que essa ideia seja uma realidade.

 

Os artistas em Gaia sentem-se apoiados?
A cultura, e as artes em especial, e em termos genéricos, a nível nacional, foram sempre vistos pelo poder como “produto secundário”, o que do meu ponto de vista é totalmente errado. A cultura pode não alimentar a barriga, mas alimenta o espírito e educa e, essas vertentes vão, mais tarde, refletir-se no desenvolvimento e formação do indivíduo. Também é verdade que a situação já esteve muito pior e que a política cultural do atual governo, apesar de ainda não ser perfeita, poderá estar no bom caminho, pelo menos é essa a minha expetativa. Quanto à questão concreta, é evidente que há logo uma ideia que me vem à cabeça: nunca se fez tanto em Gaia pelas artes plásticas, como agora, disso não tenho dúvidas. Em tempos, senhores bem falantes, prometeram mares e fundos, mas espremendo não saiu grande coisa, ou seja, praticamente nada. A partir da eleição de Eduardo Vítor Rodrigues a cultura e, desculpe-me puxar a brasa para a minha sardinha, em especial as artes plásticas, mudaram completamente. A nossa instituição, que, por acaso, é a maior a nível nacional constituída apenas por criadores, nunca recebeu tantos incentivos e apoios como agora. É verdade que anteriores executivos camarários ajudaram a cavar a cova das artes e este executivo, pelo contrário, não só nos tem apoiado na medida do possível, como – e isso às vezes é o mais importante – nos incentiva e dotou de meios técnicos para prosseguirmos o nosso trabalho. E o nosso trabalho não é tarefa fácil, temos de subir degrau a degrau, de forma a podermos criar um suporte forte, sólido, para que, no mais breve tempo possível, o nosso município seja uma referência artística a nível nacional e internacional. Mais do que pretenderem organizar seja o que for, a Câmara Municipal de Gaia, na pessoa do seu presidente, deu-nos sempre meios para realizarmos as coisas como muito bem entendermos, porque acredito que pode sempre contar connosco na edificação de um município mais solidário, mais justo e culturalmente rico, pois os gaienses merecem e já estão à espera desta oportunidade há muito tempo.

 

Foi notório, no tempo de Luís Filipe Menezes, alguma cumplicidade entre Agostinho Santos e Mário Dorminsky antes de um frio afastamento, mas é com Eduardo Vítor Rodrigues que consegue explanar todos os seus projetos…
Com toda sinceridade, não sei se se poderá chamar de cumplicidade. Cumplicidade é, à partida, quando se concorda em tudo, ou quase tudo com o outro, e isso não aconteceu sempre. De facto, fui amigo do Dorminsky porque o conheço há muitos anos, fomos jornalistas ao mesmo tempo, ele no “Comércio do Porto” eu, no “Primeiro de Janeiro” e no “Jornal de Notícias” e criamos laços afetivos e profissionais. Quando ele veio para Gaia como vereador da cultura, e como já tinha dado provas que sabia fazer algumas coisas, como o caso do Fantasporto, acreditei nas ideias e nos projetos que ele me contou que tinha para Gaia. No primeiro mandato ainda acho que fez algumas coisas satisfatórias, mas depois, e falo a nível cultural, foi uma autêntica desilusão. Eu acredito nas pessoas e quando elas falham fico triste e sinto-me enganado. Confesso, admito, que esperava que ele tivesse mais garra, uma maior visão e que permitisse que as instituições fizessem o seu trabalho, e isso não aconteceu. A partir de determinado momento, o seu pelouro secava tudo à sua volta e cingiu-se a fazer festivais e concertos, deixando para trás outras expressões artísticas e muitas instituições. Fiquei surpreendido porque ele sempre se apresentou como um grande amante e colecionador de arte e, no fundo, foi mais um que recusou avançar para a realização de uma bienal. A resposta era sempre a mesma: Bienal, isso custa muito dinheiro, Gaia não está preparada para uma bienal. Foram essas e outras atitudes que me distanciaram da sua política cultural (se é que existiu), que na altura praticava. Senti-me defraudado, porque acreditei que ia fazer mais, mas isso não aconteceu. Enganei-me, é verdade, foi um bluff… Com o atual presidente da Câmara, Eduardo Vítor Rodrigues, e a sua equipa, nomeadamente o vice-presidente Patrocínio Azevedo e a vereadora da Cultura, Paula Carvalhal, não há comparação possível. Há sumo, há trabalho, há compreensão e deixam-nos trabalhar. E na medida do possível, proporcionam-nos os meios para a execução dos nossos projetos que são, naturalmente discutidos e analisados previamente em conjunto. Agora, principalmente neste mandato, há diálogo e respeito mútuo entre a Câmara e as instituições, pelo menos com a minha. Todos queremos trabalhar para o mesmo lado, ou seja, e no nosso caso, que Gaia se transforme na Cidade das Artes. Esta equipa camarária e o presidente em especial, entendeu desde a primeira hora, que os nossos projetos, as nossas ideias são, ou pretendem ser, um contributo para o desenvolvimento cultural e artístico do nosso município, da nossa Área Metropolitana e do nosso país. Há uma cumplicidade visível, palpável.

As relações com a detentora atual do pelouro da Cultura são melhores com as que tinha com o vereador anterior então, já que era público as divergências que tiveram.
Eu não gosto, não faz o meu género pessoalizar as questões. Para mim, e neste caso concreto, o que importa é a conduta das pessoas enquanto detentoras dos seus cargos. Como responsável de uma instituição, lutei e lutarei sempre pelo melhor para esta, para os seus associados e para que as nossas atividades tenham êxito. Não gosto muito de falar do passado, gosto muito mais do futuro e posso-lhe dizer que, com a atual vereadora, já conversamos mais em meio ano de mandato dela, e preparamos iniciativas futuras, do que no anterior mandato em quatro anos. Esta Câmara, liderada pelo presidente Eduardo Vítor Rodrigues tem, quanto a mim, uma grande vantagem: não impõe iniciativas, mas apoia as suas realizações. É o que acontece com as bienais, em que se chegou a admitir que a Câmara poderia ser também coorganizadora e o presidente, desde a primeira hora, disse que não, que apoiavam, mas a organização ficava a nosso cargo. Essa medida revela a grande capacidade e inteligência do presidente em não querer interferir na organização das iniciativas das instituições. É claro, que nem todos concordavam com este tipo de atuação, acham que a Câmara deveria interceder diretamente, até na escolha dos artistas a convidar, o que nós, naturalmente não aceitamos. A atual responsável pela Cultura, compreende as funções de cada um e segue, desde a primeira hora, a vontade e as intenções do presidente neste caso concreto. É evidente que isso não quer dizer que cada um não diga o que entenda ou faça sugestões. É com diálogo que as coisas se resolvem. E até agora tudo corre bem, existe, em abono da verdade, uma excelente relação entre a Câmara Municipal, a Bienal Internacional de Gaia e o Projeto Onda Bienal. Trabalhamos todos para o mesmo lado – para que Gaia seja a Cidade das Artes.

 

Então, as Artes e Gaia são bons parceiros e têm futuro?
É evidente. Gaia tem todos os ingredientes para ser um município riquíssimo em termos culturais e artísticos e, por outro lado, a nossa instituição, os nossos cooperantes já deram provas que têm qualidade e são solidários, que pretendem ser voz ativa nesse desenvolvimento que todos desejamos.

 

 

Segundo foi anunciado recentemente, meteu-se em mais um projeto. Nas últimas cerimónias do 25 de Abril em Gaia, o presidente da Câmara, Eduardo Vítor Rodrigues e o Agostinho Santos anunciaram um novo projeto – o Museu de Causas /Coleções Agostinho Santos. Pode explicar os objetivos desse projeto?

Bem, tudo está relacionado com a tese que defendi e foi aprovada no âmbito do meu doutoramento pela Faculdade de Letras e Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. A tese chama-se “Paleta Contemporânea – Museu de Causas: Bases de um projeto museológico solidário: Eu e os outros”, que assenta fundamentalmente na criação de um espaço expositivo, de um centro cultural, que se transforme num polo catalisador da arte contemporânea em Portugal, protagonizado ao desenvolvimento do processo criativo e das suas potencialidades de intervenção social. A componente social será, e é, a que mais apela aos problemas e confrontos do mundo contemporâneo, como as injustiças, a guerra, a fome, o desemprego, a degradação dos direitos dos trabalhadores, a corrupção, a fraude fiscal, a sobreposição do poder económico sobre os mais importantes valores da condição humana. O objetivo é sensibilizar os criadores para abordarem plasticamente todos estes temas. Ora, a tese acabou por ser publicada e, aquando o lançamento do livro “O Pincel é uma arma”, convidei o sociólogo Eduardo Vítor Rodrigues a apresentar o livro. Ele aceitou e depois desafiou-me a concretizar o projeto em Vila Nova de Gaia, o que muito me orgulho, pois é a terra que amo, onde vivo, trabalho e onde gostaria de morrer. Este projeto é inédito, e a meu ver interessante e, por isso, apesar de ficar sediado em Gaia, poder-se-á dizer que é um projeto de âmbito nacional, onde se pretendem fazer inúmeras mostras e debates nos mais diversos pontos do país, sobretudo em Lisboa e no Porto, as maiores cidades e onde existe o maior número desses dramas. Os objetivos deste museu, que se pretende seja um museu político, que provoque a reflexão e a discussão, foi apresentado nas comemorações recentes do 25 de Abril e, simultaneamente, no Convento Corpus Christi foi inaugurada a exposição “Para a construção de um Museu de Causas /Coleções Agostinho Santos”, que contou com cerca de 70 obras da autoria de 44 artistas. Esta foi a primeira iniciativa no âmbito deste projeto, mas já recebemos inúmeros convites para divulgar e expor temas de intervenção social em vários municípios do país. Agora vamos começar a trabalhar afincadamente no projeto, que envolve atualmente um acervo de cerca 6500 obras, algumas de minha autoria e mais de 1500 de mais de 350 autores. Alguns dos artistas representados na minha coleção são, entre outros, Júlio Resende, Júlio Pomar, Graça Morais, José Rodrigues, Nadir Afonso, Zulmiro de Carvalho, Jaime Isidoro, Paulo Neves, e muitos outros. Mas, o grande objetivo é também sensibilizar os artistas mais novos a tratarem estes temas de intervenção social, porque a arte é uma arma e os criadores podem e devem ter uma palavra a dizer, uma pintura e uma escultura a fazer. Não podemos cruzar os braços e produzir objetos, quadros, apenas para condizerem com os cortinados ou a cor dos sofás da casa. A arte é e deve ser interventiva e o criador não pode, nem deve meter a cabeça na areia como se nada de mal estivesse a acontecer à nossa volta. Ninguém de bom senso e, muito menos os artistas, podem ficar indiferentes aos dramas e males que afetam milhões de pessoas.

 

“O que me inquieta, o que me faz mexer é procurar sempre fazer melhor”

Ser casado com uma histórica militante e ativista do Partido Comunista Português é, também, uma porta de oportunidades para a criatividade, com base na profícua troca de ideias e pensamentos?
Antes de mais, ser casado com uma histórica militante e ativista do Partido Comunista Português significa viver paredes meias com a coerência, a força de vontade e o acreditar nos seus ideais. Viver com uma mulher forte, deste timbre, é acolher e sentir todos os dias a vontade de lutar por uma sociedade mais justa e mais solidária. É claro que a visão da Ilda Figueiredo sobre algumas situações não é a minha, por isso, não somos do mesmo partido. Mas, apesar de nem sempre, muitas vezes, não concordarmos com os meios para atingir os fins, há várias coisas, muitas, que nos unem: o respeito e admiração mútua e isso é, para mim, para nós, fundamental. Sem dúvida que a criatividade, a análise e a discussão de ideais são questões residentes lá em casa. Sim, trocamos ideias, falamos muito, mas depois cada um pensa e faz como acha que deve fazer. Assim tem sido e assim espero que continue.

 

As conferências levadas a efeito no seu atelier estão a conquistar a sociedade gaiense. O que pretende com tais iniciativas?
Gosto mais de chamar de tertúlias, porque convidamos um conjunto de gente que sabe do que fala dentro das mais diversas áreas e colocamos em debate as suas ideias. Criei dentro do meu próprio atelier um pequeno auditório, onde se debate a cultura, nas suas mais variadas expressões. Já trouxemos para as nossas tertúlias, sempre moderadas por Ilda Figueiredo, temas como a arte, o ensino artístico, a dança, a poesia, a literatura, o património, comunicação social, arquitetura, teatro e muitos outros. Por estas tertúlias já passaram, entre muitos outros, personalidades como Manuel António Pina, Valter Hugo Mãe, Pedro Abrunhosa, Mário Cláudio, José Rodrigues, Eduardo Souto Moura, Rui Massena, Mário Augusto, Juca Magalhães, Zulmiro de Carvalho, Paulo Neves, Álvaro Magalhães, Rui Lage, Sérgio Almeida, Nuno Higino e Isolina Carvalho. O que se pretende é proporcionar o diálogo entre os criadores e o público, colocá-los em debate e discutir ideias.

Os livros também se vão somando. Por que mares navega na sua escrita?
A escrita sempre foi o meu ganha pão, nomeadamente o jornalismo. Gosto de escrever e já escrevi vários livros, de poesia, de arte, de jornalismo, biografias de gente que admiro, enfim, continuo a fazer o que gosto. Nessa matéria também tenho muitos projetos, alguns a muito curto prazo, outros mais demorados.

 

Será então difícil, talvez muito difícil, escolher um de entre todos os livros que já escreveu ou desenhou…
Claro que é difícil. A escolha é sempre difícil, sobretudo quando nós somos os autores. É a mesma coisa do que perguntar qual o filho de que se gosta mais, a irmã que se gosta mais ou se se gosta mais do pai ou da mãe. Todos os desenhos, pinturas, poemas, livros, saíram das mesmas mãos controladas pela mesma cabeça e, portanto, não se pode responder a isso. Agora, o que lhe posso dizer é que há uns trabalhos que são mais bem conseguidos do que outros. Com toda a modéstia e parafraseando o meu grande mestre Pablo Picasso, o “melhor quadro (livro) ainda não foi feito”. E o que me inquieta, o que me faz mexer é precisamente isso, procurar sempre fazer melhor.

 

Mas desenhar ou pintar para ilustrar livros de outros autores é uma experiência diferente.
Costumo dizer que não faço ilustrações, a palavra ilustração limita a criação, pois sujeita o nosso trabalho a um outro já concebido, por um outro autor. Gosto mais de interpretar um tema, um texto, um poema. Gosto muito de textos de bons escritores, como José Saramago, Valter Hugo Mãe, Manuel António Pina e muitos outros que, esses sim, fazem-me voar, dão-me assas e eu gosto de voar…

 

Também nos livros Ilda Figueiredo e Agostinho Santos têm muito em comum…
Esses livros, que já vão em oito, a grande maioria de poesia, ou seja, a Ilda escreve e eu desenho ou pinto, são bons exemplos do respeito que cada um tem pelo trabalho de cada um. Estamos a trabalhar em novos projetos e em breve serão anunciados. Tem sido uma experiência interessantíssima…