É CUIDAR QUE SE GANHA

Os direitos humanos, os direitos das crianças, os direitos das minorias. Os meus direitos, os teus direitos. O estojo onde me sinto confortável, o teu ninho de comodidade… Não me incomodes e eu não te incomodo. Faz o que quiseres desde que não me pises. E prometo que não me meto na tua vida…

Mas aquilo que juntou os homens não foram os direitos. Fizeram famílias porque amavam, e o amor conduz naturalmente à união. E as famílias juntaram-se a outras famílias para virem a ser uma família maior. Porque é fantástico termos ao nosso lado muitas pessoas que nos ajudam a crescer e a quem podemos tornar felizes.

Agora, muitos já não percebem porque vivem juntos. Prezaram um certo tipo de independência – que não é senão uma maneira de serem sozinhos. São rivais no trânsito, no supermercado, no trabalho. Na família. Há quem se sinta incomodado simultaneamente por ter pais e por ter filhos…

Como já não amam, tentam prolongar a proximidade – por hábito, medo ou interesses – sem terem aquilo que deveria ter sido a causa dela. Mas o convívio por motivos desse género não pode subsistir. Não tem consistência nem alma.

Usam-se, inutilmente, direitos e leis para tentar que os vários egoísmos se mantenham pacificamente lado a lado. Em muitos aspectos, a nossa sociedade ocidental faz lembrar um quase-cadáver mantido por uma máquina que lhe faz artificialmente a respiração. Que lhe mantém funções que ele não é capaz de realizar por si mesmo.

É que só o amor pode manter aquilo que deve a existência ao amor. E o amor não tem nada a ver com direitos. Pede apenas o direito de não ter direitos. Troca-se de bom grado por um sorriso feliz de quem ama. Faz pelo outro muito mais do que aquilo que as leis dos homens o levam a fazer. Faz muito mais que a justiça. É uma lei maior, que não está gravada em papéis, mas nos corações.

Não terás necessidade de pensar no que te faz falta, se te rodearem pessoas que resolveram tornar-te feliz. Assim, terás mais facilidade para, pelo teu lado, pensares no bem dos outros. Mas quem tem à sua volta pessoas que só pensam em si mesmas e nos seus interesses egoístas, pode ser levado a erguer os seus direitos como uma muralha que o defenda.

Eu diria que devemos meter-nos na vida dos outros. E meter os outros na nossa vida. A vida deles deve ser  vida nossa. Se as suas alegrias não forem nossas, nunca teremos verdadeiramente alegria. Se não fizermos nossas as suas dores, teremos dores muito piores.

Eu sei: tens medo de que não te retribuam; achas que se pensares nos outros eles não pensarão em ti; que poderás ficar a perder, por seres sempre tu a ceder… Mas quem foi que te disse que o amor era um negócio equilibrado? Onde aprendeste que era uma actividade centrada em ti, destinada a dar-te satisfação? O amor é um mau negócio: é, como escreveu Camões num soneto lindíssimo, «cuidar que se ganha em se perder». É uma loucura que leva a acreditar que enriquecemos quando nos damos; que só somos nós mesmos quando não queremos saber de nós.

E, descansa, nenhum outro comportamento é tão contagioso.