AVINTES

Em 897, segundo o exarado documentalmente, na margem esquerda do rio Douro existia a aldeia de Avintes (Villa Abientes in ripa flubio durio).

Na chamada “escritura de Gundezindo”, a quem o saudoso jurista João Alves Pereira tantas vezes se referiu nos “Portugalias Monumenta História – Diplomata et Chartae”, prestante e patriótica publicação dirigida pelo insigne Alexandre Herculano, erudito novelista, consciencioso historiador, profundo poeta e pensador e abalizado romancista, fomos encontrar a primeira referência a Avintes nesta saborosa passagem que tem valor incontroverso, insofismável, de uma autêntica certidão de baptismo: Villa Abientes.

Como o espaço não o permite, teremos de passar por cima de montes de história, sem contudo deixar de salientar que todas as vereações de Avintes lutaram corajosamente para que esta freguesia fosse a sede de um grande concelho, pela anexação de Oliveira do Douro, Vilar de Andorinho, Pedroso, Olival, Seixezelo, devendo Avintes ser cabeça do Concelho, tanto por ser mais central, como porque os Povos de todas as outras freguesias tinham com Avintes frequentes relações, indo ali todos os dias às moagens, às lenhas, e tratar de todos os negócios que faziam o objecto do seu modo de vida, como se verifica na Junta Geral do Distrito, de 17 de Junho 1836, o que harmoniza com perfeita lógica com as deliberações de 18 de Novembro de 1835 e 17 de Fevereiro do 1837.

Mas como “não bela se senão”, o decreto de 6 de Novembro de 1836 e a nova divisão territorial extinguiram o concelho de Avintes, anexando-o ao de Gaia. Este diploma reduziu os concelhos do reino a 351, suprimindo 466 dos 817 que existiam, e esta redução foi mantida pelo Código Administrativo de 1836, assinado para Rainha D. Maria II em 31 de Dezembro do mesmo ano.

Claro, que Avintes protestou veementemente contra a extinção do concelho e a sua anexação ao de Gaia. Apelou para a Rainha, pois não podia suportar em silêncio o terrível vexame e afirmava, com entono e não escondido orgulho, na sua representação.

À Câmara Avintense sucedeu a Junta da Paróquia, hoje Junta de Freguesia (artº. 2º da Lei nº 621, de 23 de Junho de 1916) realizando-se as eleições dos respectivos membros no dia 15 de Janeiro de 1837.

Se a história é uma ressurreição, como pretendia Michelet, ou uma lição moral, como entendia Oliveira Martins, também à luz e guia, orientação e ensino, e por isso devemos aprender nos documentos do passado e na atitude aprumada e vertical de muitos homens a amar a terra, que deve ser a síntese de todos os amores, a ouvir os seus apelos e as suas súplicas, servindo-a com entusiasmo, dedicação e carinho.

As horas de desânimo não contam; o que contam são as horas das grandes realizações a objectivação de um ideal, a concretizar a materialização de um sonho. As almas têm de ser virgens, floridas e perfumadas onde vicejam amores, desabrochem aspirações de beleza, resplandeçam ideais de perfeição, frutifiquem sonhos de quente solidariedade, e não desertos áridos, estéreis, porque nos desertos não desabrocham rosas, não gorgeiam aves, não murmuram fontes.

Ora a alma heróica de Avintes nunca foi egoísta nem mesquinha. Na sua colina sagrada, magnificente altar onde se podiam erguer as estátuas dos Deuses e dos heróis, habituou-se a contemplar as alturas e, se pousa os olhos na terra, também sabe fitar as estrelas…

Ainda hoje nesta freguesia a histórica Pedra de Audiência, venerando tribunal Avintense, talvez o único monumento no género, existente em Portugal, símbolo da independência e autonomia da terra que não sabia curvar-se timidamente, cobardemente, perante o garrote oficial, mas de fronte bem erguida, olímpica e serena, sabia batalhar corajosamente na defesa dos seus direitos e regalias.

Falta actualmente ao histórico local ao meio ambiente do “Foral da Audiência” a silhueta airosa, patriarcal, veneranda, do sobreiro secular (hoje substituído por um carvalheiro.

Mas, reatemos o ténue fio da frouxa e descolorida narração. O tribunal Avintense não possuía casa própria para a realização das audiências, pois consistia simplesmente numa pedra em forma de mesa ladeada por três bancos também de pedra, e por isso, não satisfazia as aspirações e anseios dos Avintenses. Assim não admira que nos princípios do ano de 1830, o procurador da freguesia e couto de Avintes, Joaquim Pinto Aleixo, dirigisse uma representação ao Rei pedindo a construção de uma “Casa de Audiência” no dito couto, isto é, um Palácio de Justiça, como diríamos nos dias de hoje.

Entretanto, os acontecimentos políticos dessa época tumultuária e violenta fizeram naufragar a justa pretensão dos Avintenses, e também porque os vereadores da Câmara do Porto, ouvidos neste caso, disseram que “julgavam mais necessário ainda uma semelhante obra no concelho de Gaia, composto por 24 freguesias, a qual o mesmo concelho anda solicitando e requerendo, como consta da acta da sessão de 6 de Março de 1830”.

Hoje, a Pedra de Audiência, por decreto nº 35.817, de 20 de Agosto de 1946, é considerada monumento nacional e a portaria do Ministério das Obras Públicas, de 27 de Maio de 1947, publicada no Diário de Governo nº 206, 2º série, de 4 de Setembro de 1947, fixou a zona de protecção dessa velha relíquia Avintense, conforme a planta anexa a essa portaria.
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*Escrito em 2011 por Júlio Martins