“EU NÃO MANDAVA NA JUNTA, NUNCA MANDEI, O SENHOR PRESIDENTE É QUE TOMAVA AS DECISÕES FINAIS”

No seguimento da investigação jornalística em curso, o AUDIÊNCIA está há largas semanas a acompanhar um processo em tribunal, cujo arguido, José Correia da Silva, ex-Tesoureiro e responsável pelos Cemitérios da União de Freguesias de Santa Marinha e São Pedro da Afurada, é acusado do crime de participação económica em negócio, referente à aprovação de um orçamento para a realização de obras no Cemitério de Santa Marinha. O ex-membro do executivo defende-se das acusações, revelando que Paulo Lopes, presidente da Junta de Freguesia, tinha conhecimento de todos os documentos existentes, situação que o autarca desmentiu nas suas declarações. Advogado Vítor Guerra pediu justiça e sugeriu a abertura de um novo processo para apurar a responsabilidade política e administrativa de todos os membros do executivo, referente ao mandato 2013-2017.

 

 

No contexto da investigação em curso, o AUDIÊNCIA tem acompanhado, ao longo dos últimos meses, o julgamento de José Correia da Silva, ex Tesoureiro e responsável pelo Pelouro dos Cemitérios da União de Freguesias de Santa Marinha e São Pedro da Afurada. Em causa está um crime de participação económica em negócio, que remonta ao ano de 2014 referente a obras no Cemitério de Santa Marinha, nomeadamente o arranjo e pintura de um dos muros.

O julgamento começou no passado dia 9 de junho, no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, em Vila Nova de Gaia. O arguido, José Correia da Silva, que foi transportado do Instituto Prisional da Guarda para marcar presença na primeira sessão, tendo feito questão de assistir a todas as restantes, confirmou, durante ao longo das suas declarações, que depois de ter sido decidido, em reunião do executivo, a necessidade de realização de obras no Cemitério de Santa Marinha tendo como objetivo uma apresentação digna no Dia dos Fiéis, contactou três empreiteiros e solicitou-lhes o envio de orçamentos para a reabilitação em causa. Segundo o próprio, os três orçamentos terão sido entregues na Secretaria da Junta de Freguesia de Santa Marinha e São Pedro da Afurada, analisados em conjunto com o presidente da autarquia, Paulo Lopes, levados a reunião de executivo, na qual foi selecionado um deles, tendo sido o valor mais baixo o único critério de seleção, que terá conduzido à aprovação, por unanimidade, do orçamento apresentado pela empresa do senhor Victor Silva.

Porém, a acusação imputou o arguido de ter induzido o executivo em erro e de omitir que o orçamento selecionado não contemplava os materiais necessários para a realização da obra. Esses materiais terão sido fornecidos, posteriormente, pela Junta de Freguesia o que significou um prejuízo de milhares de euros para a mesma. A acusação alega, ainda, que José Correia da Silva foi beneficiado com a escolha, uma vez que já tinha trabalhado com Victor Silva anteriormente, no âmbito profissional e pessoal, e pelo facto de, durante a obra do cemitério, o empreiteiro ter contratado o filho do ex tesoureiro.

Em sua defesa, José Correia da Silva, garantiu que “o presidente tinha sempre a última palavra” e salientou que “não tive acesso aos orçamentos antes do presidente, só os vi quando ele me chamou a dizer que já tinha os documentos”. Convencido de que os três orçamentos em causa contemplavam os materiais de construção, o arguido defendeu a escolha de Victor Silva, com base no preço. Após a aprovação, o empreiteiro foi contactado e acordou o pagamento do serviço, orçado em cerca de 9.200 euros + IVA, seria feito em duas tranches: a primeira no início dos trabalhos e a segunda quando estivesse concluída mais de 50% da obra.

Victor Silva, empreiteiro selecionado para a obra, também foi ouvido, na primeira sessão do julgamento, e confirmou que o orçamento lhe tinha sido pedido por José Correia da Silva, no entanto, ressaltou que o arguido solicitou um orçamento sem materiais, afirmando que estes eram fornecidos pela Junta de Freguesia. O empreiteiro ainda se mostra confuso com o local onde terá deixado esse mesmo orçamento, dizendo que não se recorda se entregou, em mãos, a José Correia da Silva ou na secretaria da Junta de Freguesia. Quando iniciou o serviço, disse que o encarregado da obra ia buscar os materiais que necessitava, e sempre que necessitava, ao armazém que se encontrava instalado no próprio cemitério. O empreiteiro confirmou, ainda, que José Correia da Silva lhe pediu para empregar o filho, mas nega que tal facto estava, anteriormente, combinado ou que terá sido fator para a aceitação do seu orçamento, referindo que lhe deu trabalho, como dava a qualquer outro, como servente. Quando questionado sobre o valor que acresceria ao orçamento apresentado se tivesse os materiais, Victor Silva falou em cerca de 4000 mil euros. Segundo o empreiteiro, a obra, que durou, aproximadamente, dois meses, não chegou a ser concluída, uma vez que foi convocado para uma reunião na Junta, com o presidente e o novo tesoureiro, e os mesmos recusaram-se a fazer o segundo pagamento, baseados no desaparecimento de materiais e no valor, considerado elevado, do orçamento. Victor Silva admitiu ter aceitado não receber, depois de Paulo Lopes e Agostinho da Silva Viana lhe terem dito: “se quiser receber, terá de ser em Tribunal”.

O julgamento prosseguiu no dia 16 de junho, uma sessão onde foram ouvidas várias testemunhas, nomeadamente Agostinho da Silva Viana, que substitui José Correia da Silva nos cargos de Tesoureiro e de responsável pelos Cemitérios, Paulo Lopes, presidente da União de Freguesias de Santa Marinha e São Pedro da Afurada, e Mário Reis, atual Tesoureiro e responsável pelo Pelouro dos Cemitérios.

Agostinho da Silva Viana referiu, durante o seu depoimento, que quando entrou para o executivo, “a obra estava dada como terminada” e “em função do trabalho executado, não achei que justificasse o valor do orçamento”. Dada a situação, propôs a Paulo Lopes a realização de uma reunião com o empreiteiro, Victor Silva, com a qual o presidente da Junta concordou, apesar de, segundo Agostinho, achar que deveriam pagar o valor acordado e aprovado por unanimidade, na reunião de executivo. Quanto ao desaparecimento de materiais, a testemunha disse que tomou conhecimento pelos funcionários do cemitério, mas que não abordou o assunto na reunião com o empreiteiro. Contudo, reuniu algumas faturas referentes à aquisição de materiais, ressaltando que estes poderiam ter sido usados por qualquer funcionário das brigadas de rua ou do cemitério, ainda assim, todas elas estavam autorizadas e assinadas por Paulo Lopes.

Por outro lado, Paulo Lopes garantiu, durante o seu testemunho, que não discutiu os orçamentos com José Correia da Silva, antes da reunião do executivo e que, ao contrário dele, o então tesoureiro terá tido acesso aos documentos, pelo menos, “momentos antes”. De acordo com o autarca, o arguido terá apresentado os orçamentos e sugerido o de Victor Silva, por ser o mais barato, contudo “não questionámos o que estava incluído, seguimos pelo princípio da boa fé. Acreditamos que ele [Correia da Silva] estava a escolher em prol do bem da União de Freguesias e que o orçamento incluía tudo para a conclusão da obra”. O presidente da Junta mencionou, ainda, que “tínhamos todos confiança uns nos outros. Cada um fazia as suas funções”, acrescentando que “a nossa Junta sempre trabalhou com delegação de competências, diferente das outras”, portanto “cada um ficava com a documentação referente ao seu Pelouro”. Quando questionado pelo procurador sobre o facto de as faturas referentes aos materiais terem a sua assinatura, Paulo Lopes respondeu que “jamais daria, de forma consciente, autorização para materiais para o uso do senhor Victor”, explicando que assinava “faturas às dezenas”, logo, não confirmava os materiais, nem para o que eram usados. Quanto à reunião com Agostinho da Silva Viana e o empreiteiro, o edil esclareceu que “a Junta convocou o senhor Victor, porque além da obra estar incompleta, foram utilizados materiais da autarquia. (…) ele disse-nos que tinha dado conhecimento ao Correia da Silva de que o orçamento não incluía materiais e que ele tinha autorizado a utilização dos mesmos”. Outra questão frisada por Paulo Lopes foi o facto de Victor Silva ter afirmado que entregou o orçamento, em mão, ao ex tesoureiro.

Mário Reis, à semelhança do que José Filipe, Luís Gonzaga e Rosa Novo, então colegas do executivo, referiram na sessão seguinte, que decorreu a 8 de julho, afirmou que não teve acesso aos orçamentos e que votou naquele que apresentava o valor mais baixo, acreditando que todos tinham o material incluído. Todavia, o atual tesoureiro, enalteceu que o responsável por cada pelouro tinha aos seus documentos e o presidente tinha acesso a todos. Por sua vez, Rosa Novo, confirmou a versão de José Correia da Silva, dizendo que “antes uns dias da reunião do executivo, quando os orçamentos chegavam, eles eram analisados pelo senhor presidente e pelo responsável do Pelouro em causa”.

Numa tentativa de confirmar se José Correia da Silva pediu os orçamentos com ou sem material, chamaram a depor José Oliveira Pinto, representante pela empresa Conjopef, que também deu um orçamento para a obra em questão. O empreiteiro disse que o orçamento que lhe foi pedido, pelo arguido, deveria incluir materiais e mão de obra e que só não incluía a lavagem do muro. Entregou o orçamento na secretaria da Junta e nunca mais foi contactado. José Oliveira Pinto destacou, ainda, que do seu orçamento, cerca de 3250 euros destinavam-se aos materiais.

No final da sessão ocorrida no dia 8 de julho, José Correia da Silva pediu a palavra e reforçou as suas anteriores alegações de que “não havia nenhum documento que não tivesse passado pelo presidente”.

As alegações finais foram conhecidas no dia 14 de julho. O advogado Arlindo Vinagre declarou que o arguido tinha conhecimento de que o orçamento selecionado não continha os materiais e que induziu em erro os restantes membros do executivo para que votassem favoravelmente no mesmo. Já o advogado Vítor Guerra começou por questionar: “como é que alguém está a ser julgado por uma decisão tomada num órgão colegial?”, uma vez que a decisão foi coletiva o que denota “uma clara e manifesta negligência de todos os restantes membros do executivo”. Vítor Guerra destacou, também, as “falsas declarações prestadas pelo presidente da Junta”, suportando-se no depoimento de Rosa Novo que garantiu que o edil reunia com os responsáveis para analisar os orçamentos antes da reunião de executivo, algo que Paulo Lopes negou no seu testemunho. Alegando que não pode ser provada qualquer vantagem económica para o arguido, o advogado foi ainda mais longe e sugeriu ao Ministério Público a abertura de um novo processo, para apurar a responsabilidade política e administrativa dos membros do executivo, do mandato da altura.

Por fim, José Correia da Silva fez questão de prestar uma última declaração, reforçando que “nunca tirei qualquer partido” e que “eu não mandava na Junta, nunca mandei, o senhor presidente é que tomava as decisões finais”.

A leitura da sentença está marcada para o próximo dia 7 de setembro, pelas 14h.