HÁ 6 ANOS A METER O NARIZ NO MAIOR FESTIVAL DE ARTE DOS AÇORES

Em 2011, o Terry Costa, que eu acabava de conhecer, perguntou-me se eu já tinha ouvido falar do Fringe de Edimburgo e da rede Fringe, por todo o mundo. Claro que sim! Quem não?! O Terry sonhava trazer o Fringe para os Açores e, desde o primeiro momento, pude adivinhar algo extraordinário nessa ideia! Um festival de artes, todas de mão dada, a população açoriana a ter acesso a coisas que, a não virem cá, muito dificilmente veria. E um mar de artistas de todos os cantos do mundo namorando os Açores, a encontrarem-se fraternamente, criando em conjunto, deixando-se inspirar e respirar arquipélago, açoreaneidade, mar e montanha, parindo aqui novas ideias e obras com marca Açores que viajariam depois para todos os lugares. E estas ilhas a serem, então, um lugar perfeito para se ser, viver, criar ou conhecer.

Nessa altura, eu estava a trabalhar numa nova produção, “Piratas” a bordo do barco veleiro “Chaprón” do galego Gonzalo que vive precisamente dando voltas ao mundo e viemos estrear no 1º Azores Fringe Festival. Chegámos ao velhinho porto da Madalena sem aviso prévio (afinal, eramos piratas!) depois de termos actuado em Ponta Delgada, na Terceira e ao largo do Faial. Recordo que, nesse ano, o público era escasso, o que não surpreendia… era tudo novo demais e não havia financiamentos públicos. Lembro de dizer ao Terry: força, hom’. Eu hei-de voltar daqui a 10 anos ver como isto vai ser diferente!
Mas 10 anos de Açores correspondem, talvez, a muito menos tempo noutros sítios do mundo – é uma teoria que tenho ainda em lento desenvolvimento. Por isso, se, naquela altura, eu disse 10… agora devo dizer 15, 20 ou100?

Há 6 anos comecei a vir ao Fringe e nunca mais parei.
Neste festival troquei afectos, sorrisos, gargalhadas, canções e abraços com a população e com turistas, inaugurei obras que teimavam em não ficar prontas, dei formação, visitei pessoas idosas, acarinhei e fui acarinhada em três intensos dias de Corvo (ainda hoje perguntam lá por mim…), fiz Santa Maria a pé, velejei de S. Miguel ao Pico, plantei um dragoeiro, andei de bote baleeiro, vi concertos, magníficas exposições, conheci artistas de dezenas de países, orientei visitas guiadas, dei consultas, comi as melhores comidas do mundo, mergulhei no mais belo mar, joguei às escondidas com a montanha, entrei em grutas desconhecidas, sentei-me debaixo da bruma, comi chicharro frito, fiz foto de família com pessoas desconhecidas no mais bonito auditório dos Açores (eu que tinha dito “ainda um dia hei-de actuar aqui, Manuel”) e a sala esteve cheia e a noite foi tão bela quanto todos os dias passados à margem, em fringe, na franja do tempo e do espaço, quando tudo pára e só existimos para dar e dar e dar a arte que somos e que é a razão de estarmos aqui…

Hoje sou, oh! Surpresa!, a palhaça do Fringe. E é uma honra vestir aqui, todos os dias, todos os anos, esse nariz cor de cereja que protagoniza a minha vida, a minha profissão e a minha acção solidária.

A senhora é engraçada! – dizem – e sabem lá quantas vezes não estamos imensamente tristes, por dentro porque quem deveria realmente apoiar este festival de artistas em voluntariado vive ainda, também tristemente, no tempo de dar pão e circo ao povo e de costas viradas para o que esta Miratecarts está, de revolucionário, a fazer.

É isso, sei que outro tempo virá! Sei que a população dos Açores vai um dia, toda ela, orgulhar-se de ter o primeiro Fringe do mundo que acontece em várias ilhas, durante um mês, sei que a produção artística e cultural açoriana vai finalmente aumentar porque é uma urgência tão vital como a qualidade da água que bebemos, ou o alimento que escolhemos para a alma.

E isto vai acontecer mesmo sem apoios institucionais, demora muito e custa mais mas vai acontecer ou então lá se vai a identidade cultural de um povo, senhores directores, e então lá se vai o turismo (que o resto já se foi) e a economia entristece e tudo termina… e tudo se afunda!)

Longa vida ao Fringe!

 

Maria Simões

Luna, a palhaça