“Há muitos prodígios, mas nada
é mais prodigioso que o homem.
Mesmo através do mar grisalho,
por Noto invernal impelido,
ele vai, cruzando-o sob fundos
vagalhões ao redor, e a Terra,
dentre os deuses a suprema,
inexaurível, imortal, ele consome,
num ir e vir dos arados ano após ano,
revolvendo-a com espécie equestre.”
Coro – Antígona de Sófocles- Primeiro Estásimo (332-375)
A imagem da tragedia grega!
A minha primeira imagem, estará para sempre ligada à figura da actriz Irene Papas. Foi ainda pelos anos sessenta (mas já em reposição) que na minha cidade, a qual, repito muitas vezes, foi um berço para a minha cultura e aprendizagem; a minha Atenas, que vi o filme a preto e branco…não podia ser a cores! da versão cinematográfica de Electra de Eurípides, com realização de Michael Cacoyanis! (*) O filme participou do Festival de Cannes de 1962, vencendo na categoria de Melhor Adaptação para o Cinema.
Se, por essa altura eu, já tinha lido muitas das tragedias, e muitas das coisas gregas, dado o meu pai ser professor de filosofia…julgo que foi no momento da minha contracena com o ecrã que compreendi aquilo que era uma tragedia e os seus elementos; o papel do coro, os tempos, as pausas na representação, o valor dos figurinos e adereços…o despido e despojado dos cenários, e o idioma grego que me soava como algo que nunca alcançaria a compreender, mas que era um canto nos ouvidos! Um ano antes foi a versão de Antígona, de Sófocles, cinta com a qual obteve o Urso de Prata de melhor actriz em Berlim, realização de Yorgos Tzavellis. E logo a lúdica tragicomédia, Zorba- O Grego (1964), também de M. Cacoyanis que entregou a Irene Papas o papel da mulher sacrificada, a viúva, que depois de viúva pertence a aldeia e que pelo mesmo nunca mais poderá voltar a pertencer a outro homem…assim Irene, é o cordeiro degolado, o bode expiatório de uma comunidade que quer, e deve manter as regras, ancestrais e telúricas que a regem. Seria cansativo enumerar as multiplex intervenções desta actriz no cinema e no teatro. Também Manoel de Oliveira se apaixonou pelo seu trabalho convidando-a participar nos seus filmes. “Irene Papas filmou por três vezes com Manoel de Oliveira, que lhe chamou “a essência mais profunda da alma feminina” e “a mãe da civilização ocidental”; foi em Party (1996), Inquietude (1998) e Um Filme Falado (2003), tendo este último marcado praticamente o final da sua carreira no cinema.”…Capaz de navegar sem problemas entre o cinema e o teatro, Irene Papas interpretou igualmente Helena de Tróia, Ifigénia e Electra no cinema, e em palco, um pouco por todo o mundo, Clitemnestra, Fedra ou Medeia, a par de autores como Dostoievski, Ibsen ou Shakespeare…A sua carreira estendeu-se à música. Em 1969, gravou um álbum de canções de um outro artista grego exilado, o compositor Mikis Theodorakis (que escrevera a música de Zorba, o Grego)https://www.publico.pt/2022/09/14/culturaipsilon/noticia/morreu-actriz-irene-papas-2020511
Politicamente comprometida, Irene Papas, participou no filme Dulce País, (Sweet Country) filme americano de 1987 realizado por Michael Cacoyannis. Baseado no romance semiautobiográfico de mesmo nome de Caroline Richards, publicado em 1979. O filme narra as vicissitudes de um casal americano que vive no Chile durante os dias sangrentos do golpe militar de 1973. O título do filme é uma referência ao coro do hino nacional chileno (” Dulce Patria, recibe los votos/con que Chile en tus aras juró. /Que o la tumba serás de los libres, o el asilo contra la opresión.”- letra Eusebio Lillo, poeta nacional chileno)
Basta olhar para o retrato inicial desta crónica para ver a beleza desta mulher que encarna por si própria o espírito da tragédia, inolvidável no ecrã e na minha vida!