Estão naturalmente satisfeitos todos quantos levantaram a voz contra a extradição e em defesa e reconquista de algum grau de liberdade para Assange e agora aguardam com esperança o alívio do seu perigo de vida, já que a sua saúde continua a piorar na prisão de alta segurança e superlotada de Belmarsh em Londres que também se tornou um terreno fértil para a Covid-19.
Por essa razão e num momento de festejo pela não extradição, não esquecemos que Assange ainda não está fora de perigo, pois as autoridades estado unidenses fizeram saber que vão recorrer da decisão e por outro lado ainda não está claro se Julian Assange permanecerá preso no Reino Unido, possivelmente ainda em Belmarsh, enquanto decorrerão meses de discussão legal sobre o seu futuro.
Tanto as autoridades americanas como britânicas não se importam com o local onde Assange está preso, seja na Grã-Bretanha ou nos EUA, pois o mais importante para eles é ele continuar numa cela, onde sua força física e mental possa ser destruída e onde ele seja efectivamente silenciado, encorajando outros a tirar a lição de que há um preço muito alto a pagar pela dissidência e a denúncia de actos contra os direitos humanos.
A batalha pessoal de Assange e dos seus apoiantes não terminará até que ele esteja livre, mas mesmo assim ele terá sorte se a última década passada em várias formas de encarceramento e tortura a que foi submetido não o tiver deixado permanentemente traumatizado, física e mentalmente, o que a acontecer já será uma vitória para as autoridades britânicas e norte americanas que estavam e ainda deverão estar em sérias dificuldades perante a comunidade internacional com as revelações vindas a lume no Wikileaks sobre os seus crimes militares e de espionagem diplomática.
Entretanto e para além do que poderá ser uma vitória pessoal para Assange, supondo que ele não perca na apelação, devemos estar profundamente preocupados com os argumentos jurídicos que a juiza Vanessa Baraitser apresentou ao negar a extradição, dado que o pedido foi rejeitado na base do que é efetivamente um tecnicismo, pois o sistema de encarceramento em massa em terras do tio Sam é tão bárbaro e depravado que, como foi demonstrado de forma conclusiva por especialistas nas audiências de Setembro, Assange estaria sob grave risco de suicídio caso desse entrada nas prisões «especiais» existentes, tornando-se assim uma vítima com visibilidade global bastante incómoda.
Por outro lado, poderá colocar-se a hipótese de as autoridades britânicas terem rejeitado a extradição devido à mudança de presidência e governo nos EUA, na expectativa de que o novo presidente Joe Biden possa não estar interessado no caso Assange em princípio de mandato, para não seguir as pisadas autoritárias e errantes do homólogo Trump.
Era lógico imaginar que as autoridades judiciais e políticas britânicas actuaram com independência e não subserviência na decisão contra a extradição, porém o mais provável é elas terem sondado a nova equipa de Biden e terem recebido anuência para renunciar a uma decisão imediata a favor de extradição baseada num mero tecnicismo.
Não devemos esquecer que a juiza Baraitser apoiou todos os principais argumentos legais do governo Trump para a extradição, embora eles tenham sido completamente derrotados pelos advogados de Assange por inverosímeis.
Baraitser aceitou a inadmissível nova definição do governo dos Estados Unidos de que jornalismo de investigação é igual a «espionagem» e deu a entender que Julian Assange também violou a Lei de Segredos Oficiais da Grã-Bretanha ao expor crimes de guerra do governo estado unidense, pelo que o Tratado de Extradição de 2007 se aplica neste caso, abrindo a porta para que outros jornalistas possam ser detidos em seus países de origem e entregues aos Estados Unidos, mas ignorarando o conteúdo real do Tratado que isenta casos considerados políticos como este.
Portanto, ao celebrarmos esta decisão para Assange, devemos também denunciá-la em voz alta como um ataque à liberdade de imprensa, como um ataque às nossas liberdades coletivas conquistadas e como um ataque aos nossos esforços para responsabilizar as autoridades dos EUA e do Reino Unido por violarem os valores, princípios e leis que eles próprios proclamam defender.
A batalha de Assange para tornar as nossas sociedades mais justas, para responsabilizar os poderosos por suas ações criminosas, tais como, ingerências, sanções económicas, invasões, destruição e morte em países soberanos, não é evidência de disfunção ou insanidade mental e é um dever de todos nós compartilharmos e apoiarmos essa luta para tornar a nossa política menos corrupta, o nosso sistema jurídico mais transparente e a nossa comunicação social de referência menos desonesta.