“LIDAMOS COM CRIANÇAS E É NECESSÁRIO HAVER AMOR E TRANSMITI-LO A ESSES PEQUENOS SERES”

Há quanto anos das aulas e a há quanto tempo nesta escola?

Iniciei a minha atividade em outubro de 1999, ou, prestes a fazer 21 anos de carreira. Na escola de Balteiro estive no ano de 2005, tendo regressado em 2009 até ao presente momento.

 

Foi um sonho de criança “…quando for grande quero ser professora”?

Na verdade, não. Sempre disse que nunca seria professora. O meu sonho era ser enfermeira e cheguei a concorrer para o curso de enfermagem, mas não entrei. No ano seguinte, e por intermédio de uma grande amiga, decido tentar a sorte no curso de professores do ensino básico, variante de Português e Inglês. Ao fim de 3 meses de aulas convenci-me de que era aquilo mesmo que queria fazer para o resto da vida. Nesta profissão tem mesmo de ser assim. Lidamos com crianças e é necessário haver amor e transmiti-lo a esses pequenos seres, aos quais estamos a traçar algum do seu futuro.

 

Quando entrou na escola para dar aulas pela primeira vez, como foi receção? E hoje?

Lembro-me como se fosse hoje. Fui colocada longe, na aldeia de Míguas, concelho de Santa Marinha do Zêzere. Fiquei assustada, pois nunca havia saído de casa e agora seria tudo novo. Deparei-me com 20 pequenos do 1º e 2º ano, tal e qual como este ano. Crianças muito pequenas, de olhar simples e com uns pais do mais genuíno que podia haver. Um pouco assustados também, pois era uma nova professora que vinha de longe e que não conheciam. Foi uma aprendizagem mútua que foi sendo construída e fortalecida ao longo de todo o ano letivo.

 

Como se prepara para um dia de aulas?            

Agora é um pouco mais fácil. Os anos e a experiência vão-nos dando alguma bagagem para um dia de aulas, apesar de que é cada vez mais, os alunos serem mais exigentes. Dormir bem e principalmente ir com gosto para a escola, é sem dúvida, a “almofada” que se precisa para que cada dia seja diferente e produtivo para todos.

 

Aquela palavra que se ouve sempre “senhora professora, tenho uma pergunta para si, ou preciso da sua ajuda” como soa no seu espírito de professora?

Todos os dias isso acontece. Se por um lado faz com que nunca estejamos quietas, por outro ecoa o sentimento de que eles precisam de nós e é a nós que recorrem. Por vezes, acho-lhes graça quando me dizem “a minha mãe não explica como a professora”. Claro que não é todos anos é diferente, mesmo que os conteúdos sejam os mesmos. Fazer parte deste crescimento e desta transmissão de saberes é sem dúvida gratificante.

Tem filhos?

Sim, tenho duas princesas. No próximo ano, uma vai para o 12º ano e a outra vai para o 8º ano. Têm sido sempre muito boas alunas. Sou grata por elas e por terem até ao momento, colegas que também lhes souberam transmitir o gosto pela escola e pelo estudo.

 

Se eles quiserem seguir esta profissão, que palavras usa para inspirar ou…

No presente momento, não parece ser esse o caminho que pretendem escolher. No entanto e tal como me aconteceu a mim, não devemos dizer “nunca”. Caso optem por esta profissão digo-lhes que é preciso gostar muito do que se faz, criar sempre motivação nos alunos e sobretudo, nunca deixar ninguém para traz que possa não estar tão recetivo ao estudo. Lidamos com crianças e elas serão aquilo que lhes incutirmos, juntamente com a família que os rodeia.

 

Está sempre com a porta aberta, para quando precisem de si. Já aconteceu, algum aluno pedir-lhe ajuda fora do horário da escola?

Já sim e essa porta nunca pode estar fechada. A nossa profissão não é daquelas em que “picamos o ponto” às 9h da manhã e voltamos a fazê-lo às 16h. Por vezes, ou eles ou os próprios pais têm necessidade de falar sobre determinado assunto e esse contacto tem de existir em tempo útil.

 

Um professor deve dar aulas até que tempo ou idade?

Hoje em dia, a função pública tem de trabalhar até aos 66 anos e 6 meses. No caso dos professores, isso é um exagero. Esta profissão é de desgaste contínuo e a determinada idade, nós próprios sentimos que não conseguimos chegar da mesma forma aos alunos. A sua personalidade tem vindo a mudar, mais exigentes, mais rebeldes, menos recetivos ao estudo e nem sempre é fácil para um professor de 60 anos adaptar-se a este turbilhão de situações novas, de tecnologia em constante mudança … entre outras. Assim, penso que a idade de 60 anos seria a ideal para poder ainda usufruir um pouco da reforma com alguma saúde.

 

Algum momento marcante bom e mau: Pode contar?

Um dos momentos que me irá sempre ficar como uma bonita memória foi o facto da Feira Medieval de Vilar de Andorinho ter começado comigo, na minha escola em 2005. A Associação de pais da altura ficou extremamente recetiva à ideia que apresentei e lançaram “mãos à obra” para a concretizar. Foram excelentes e incansáveis. As duas primeiras edições decorreram na EB1 de Balteiro e devido ao seu sucesso e ao impacto que teve junto da comunidade foi proposto passar para o espaço que ainda hoje se realiza. Relativamente a um momento menos bom, não me recordo… provavelmente não ocorreu.

 

Já se emocionou com alguma dedicação de um seu aluno?

Imensas vezes. Todos os anos, em algum momento, isso acontece. No entanto, a emoção é sempre maior quando nos despedimos dos alunos de 4º ano, pois passamos muitos dias a conviver e de repente, tudo muda. Não há lágrima que não caia.

 

Guarda alguma recordação, poema ou objeto?

Tenho guardadas imensas recordações. No início de cada ano, é tradição tirar fotografias da turma (tenho-as todas) e há sempre aqueles pequenos poemas, quadras ou uma simples frase num desenho que nos fazem derreter o coração.

 

Já encontrou alunos seus que agora estão formados ou com família? E filhos de seus antigos alunos?

Felizmente sim. Por vezes, são eles próprios que nos vêm visitar à antiga escola, ou até na rua. É incrível como ainda se lembram de nós. Lembro-me de uma situação engraçada. Decorreu há cerca de 6 anos quando fui com alunos da Escola de Balteiro à Bracalândia, em Penafiel. De repente, escuto: “Professora Carla, é a senhora?” Virei-me e era um antigo aluno meu, um rapaz com 20 anos que ali trabalhava. Ficou-me na memória as suas palavras: “Lembro-me tão bem de si…. e daquela situação em que me defendeu ao portão de um malandro! Lembra-se?” Claro que me lembrava, pois havia sido uma situação complicada, mas que felizmente se tinha resolvido com diálogo entre todos. Foi um momento muito bom.

 

“Sou amiga, sou mãe, sou professora” nos dias de hoje estas palavras ainda são compreendidas pelos alunos?

Por vezes não, mas pelos pais. Hoje em dia, parecem existir muitos direitos e poucos deveres. Todos achamos que devemos exigir o melhor de cada um. Contudo, do outro lado, é necessário que também haja compreensão e o dever de cumprir com os seus e nem sempre isso acontece.

 

Vive-se um tempo de mudança, mudança é atitude para os jovens alunos. Como encara as atitudes dos alunos quando veem para a escola com toda a tecnologia que é possível transportarem para as aulas?

No nível de ensino que leciono, apenas a tecnologia que é utilizada é aquela que existe na escola, ou aquela que solicito para algum trabalho de pesquisa. A tecnologia, desde que bem utilizada, poderá trazer benefícios.

 

Quando olha para um aluno carregando a sua mochila pensa ou acredita, que ele pode mudar o mundo?

Sozinho talvez não, mas em conjunto, claro que sim. Quando se ouve, como foi o facto de hoje, um aluno dizer: “preferia estar na escola consigo do que ir de férias!”, penso que esta frase é um sinal de que fazemos um bom trabalho e que estamos a criar sonhos a essas crianças que poderão pô-los em prática mais tarde. Esse é o meu pensamento.

Nas suas aulas, se uma disciplina fosse realizar sonhos, que sonhos gostaria que eles realizassem? E o seu sonho professora.

Esta pergunta até parece telepatia. Ainda hoje, tivemos a hora do conto na escola e a obra escolhido foi “A estrelas dos desejos”. No final da história foi pedido aos alunos quais seriam os seus desejos no futuro e as respostas foram de fazer os adultos chorar. Quase todos os desejos ou sonhos pedidos poderão ser realizados. Haja vontade, tempo ou determinação para o fazer. Quanto ao meu, provavelmente seria continuar nesta caminhada (que ainda vai a meio) com a mesma saúde e dedicação para quando chegar ao fim, poder-me sentir realizada.

 

Uma frase ou poema em homenagem a todos os seus colegas da mesma profissão Professora.

Paulo Freire disse um dia “Onde quer que haja mulheres e homens, há sempre o que fazer, há sempre o que ensinar, há sempre o que aprender”. Este será sempre a nossa bandeira. Que a possamos levar sempre longe. Obrigada a todos os professores.