A esclerose tuberosa (ET) é uma doença genética rara com uma incidência aproximada de 1 caso em cada 6000 nascimentos, o que em Portugal corresponde a cerca de 1600 doentes.
De uma maneira simplificada podemos afirmar que a esclerose tuberosa é uma doença que se caracteriza pelo aparecimento de nódulos/tumores benignos em vários órgãos do corpo (coração, cérebro, pele, rins, pulmões, olhos, etc).
Isto acontece porque há alterações genéticas que fazem com que não seja possível haver um controlo da multiplicação e do crescimento celular. Atualmente são conhecidos 2 genes envolvidos TSC1(9q34) e TSC2 (16p13.3).
A doença pode surgir por transmissão do gene “avariado” de um dos progenitores (herdada) ou pode surgir porque essa “avaria” surge “de novo” (não herdada). Cerca de 1/3 dos casos é de origem hereditária e 2/3 são resultado de mutações espontâneas de novo. Por ser uma doença autossómica dominante, se um dos pais tiver a doença os filhos tem uma probabilidade de 50% de serem afetados.
Os sintomas variam em função da idade e de acordo com o órgão mais afetado e a gravidade. A localização e o tamanho desses tumores benignos podem colocar em risco a vida dos doentes. As lesões neurológicas e as renais são geralmente as mais graves. Dada a variedade e complexidade dos sintomas que podem ser comuns a outras doenças, o diagnostico pode não ser feito precocemente.
O diagnostico da ET faz-se com base nos sintomas e sinais detetados durante a consulta do doente e com base nos resultados dos exames que são obrigatórios realizar para procurar alterações nos vários órgãos. Deve ser feito o estudo genético para aconselhar a família ou se houver duvidas no diagnóstico. Podem consultar os critérios de diagnostico na página da AETN.
Iremos abordar só as manifestações da Esclerose Tuberosa relacionadas coma as alterações do cérebro. Poderá ser consultada a página da AETN para saber mais sobre as outras manifestações da doença.
Manifestações neurológicas
O espectro das manifestações neurológicas é muito heterogéneo, desde doentes assintomáticos até doentes com défice cognitivo e epilepsia de difícil tratamento.
Uma das manifestações neurológicas mais frequente é a epilepsia que está presente em cerca de 80% dos casos de ET. Pode surgir logo ao nascimento ou primeiros meses mas pode manifestar-se em qualquer altura ao longo da vida. Os pais ou cuidadores devem ser informados que as crises nos bebés pequenos podem-se apresentar como espasmos infantis (um tipo de crise epilética que se pode confundir com as cólicas) e obrigam a uma observação urgente na consulta de neuropediatria para se confirmar o diagnostico e iniciar tratamento específico.
Recomenda-se a realização de um eletroencefalograma (EEG) inicial a todas as crianças com diagnóstico de ET.
Outros sintomas neurológicos frequentemente presentes na ET são denominados doença neuropsiquiátrica associada á ET (sigla em inglês TAND) e engloba principalmente:
- Dificuldades aprendizagem
- Alterações comportamentais (hiperatividade, agressividade…)
- Autismo
- Perturbações do sono
- Défice cognitivo
Recomenda-se a realização de uma avaliação mais cuidadosa em termos de comportamento, capacidade intelectual e neuropsicológica nas diferentes etapas do desenvolvimento: dos 0-3 anos, 3-6, 6-9, 12-16 e 18-25 anos.
Na estudo de imagem cerebral (Ressonância) podemos encontrar os “tumores “ típicos da doença. Nalguns casos podem ser detetados mesmo antes do nascimento.
Tuberosidades corticais – presentes em 90-95% dos doentes. Parecem ser responsáveis pela epilepsia, pelas alterações cognitivas e comportamentais.
Nódulos subependimários (SEN) – presentes em 90% dos doentes e geralmente não causam sintomas. São pequenas lesões (<1cm) mas alguns podem crescer e evoluir para SEGA.
Astrocitoma de células gigantes subependimario (SEGA) – surgem em 15% dos doentes geralmente até aos 20 anos e são os mais temidos porque pelo seu tamanho e localização podem impedir a circulação do liquido que existe no nosso cérebro, originando hidrocefalia e podendo necessitar de tratamento neurocirúrgico urgente. Quando surge esta complicação, o doente pode queixar-se de dores de cabeça, vómitos, alteração comportamento.
Para se poder prevenir esta complicação, recomenda-se realizar 1 imagem ao cérebro quando se faz o diagnóstico da doença e depois a cada 1-3 anos até aos 25 anos ou mais cedo se o médico suspeitar de um crescimento rápido.
Tratamento
Prevenir as complicações da doença é a melhor forma de tratamento. É importante que o doente e a família tenham um bom conhecimento da doença e alertem precocemente a equipa médica dos sintomas que forem surgindo. Atualmente é fácil o acesso a muita informação sobre a doença. As associações de doentes podem ser uma dessas fontes de informação. É muito importante saber selecionar toda essa informação.
Muitos hospitais tem já equipas multidisciplinares para acompanhamento destes doentes.
Há atualmente medicamentos que podem impedem o crescimento dos tumores mas nalguns casos a cirurgia poderá ser uma opção. Não há doentes iguais e as opções de tratamento podem ser diferentes e devem ser discutidas pelas equipas multidisciplinares com experiência nesta doença.
Devem ser tratadas as complicações que forem sendo detetados durante o acompanhamento regular dos doentes.
Epilepsia – os doentes devem ser tratados por médicos com conhecimento nesta área que devem escolher a melhor opção terapêutica. Numa grande percentagem de doentes, a epilepsia não responde aos fármacos antiepiléticos sendo necessário utilizar outro tipo de tratamentos como a dieta cetogénica, o estimulador nervo vago e/ou cirurgia.
Os fármacos utilizados para impedir o crescimento dos tumores (inibidores da via mTOR) também podem ser usados no tratamento da epilepsia refratária destes doentes.
Astrocitoma de células gigantes subependimario (SEGA) – cirurgia e/ou medicamentos inibidores da via mTOR.
O tratamento da doença neuropsiquiatrica associada à ET deve ser individualizado (em função da patologia e do doente) e pode exigir a colaboração de várias especialidades como a Psiquiatria, a Psicologia e a Fisiatria. Podem ser usados medicamentos específicos para determinado problema (exemplo: para tratar a agressividade, a hiperatividade, a alteração do sono, etc.) ou outras terapias não farmacológicas.
A ET é uma doença bem estudada mas pela sua raridade e falta de informação, mesmo na classe médica, ainda surgem casos diagnosticados tardiamente. Neste pequeno texto foram abordados só os problemas neurológicos.
Apesar da ET não diminuir a esperança de vida, vimos que algumas das complicações neurológicas se não detetadas e tratadas precocemente podem ter um desfecho fatal.
Reforça-se a importância do seguimento destes doentes por equipas multidisciplinar ao longo da vida, com experiência e competência no diagnóstico e tratamento desta patologia, nomeadamente experiência na utilização de alguns fármacos específicos para o seu tratamento.
Inês Carrilho
neuropediatra do Centro Hospitalar do Porto (Hospital de Santo António)