MILHARES DE MILHÕES SEM CRISES

Não é novidade nenhuma haver um governo que, com recurso à chantagem e ameaça, procure desestabilizar a ordem nacional e desrespeitar os direitos consagrados nos Orçamentos de Estado e na própria Constituição da República.

Falo, obviamente, sobre as últimas declarações de António Costa que deram azo a um clima de crise política, abriram portas para uma possível demissão do Governo e que colocam em causa o normal funcionamento democrático da nossa Assembleia da República, uma vez que, e segundo aquilo que foi dito, se a proposta que consagra a reposição do tempo perdido na carreira docente for aprovada na AR, o governo demite-se.

Com toda esta jogatina política altamente calculada do ponto de vista eleitoral, existem várias coisas que não consigo perceber. Todos os anos vemos milhares de milhões de euros do erário público destinados à banca portuguesa e aos grandes grupos económicos, sendo o setor privado aquele que mais beneficia deste saque aos bolsos dos contribuintes, e nunca vi uma ameaça de demissão que seja por parte da classe política que nos governa. Veja-se: só entre 2014 e 2017 as ajudas à banca atingiram os 12,8 mil milhões de euros; a gestão danosa em relação ao Novo Banco fez com que o Estado injetasse 6,8 mil milhões num espaço de dois anos e, entre muitas outras ações consumadas e catastróficas para o povo português e os seus trabalhadores, sempre com o cunho dos sucessivos governos do PS, PSD e CDS, estes mesmos que ainda teimam em não renegociar a dívida, somos obrigados a pagar 7 mil milhões de euros todos os anos só em juros de dívida.

Contrariamente à ideia que o Governo procura disseminar na opinião pública, esta proposta que visa a contagem integral do tempo de serviço prestado pelos nossos professores não terá qualquer impacto no Orçamento de 2019. O que podemos constatar é nada mais nada menos que um recurso à mentira, de modo a alimentar a obsessão pela redução do défice e uma desconsideração perante os trabalhadores cada vez mais acentuada.

Sendo certo que 600 milhões de euros para a reposição deste tempo perdido é um valor elevado, isso não significa que o Estado tenha de torcer o nariz quando deve assumir as suas responsabilidades. Trata-se de uma compensação justa para uma classe profissional que tem sofrido imensos ataques aos seus direitos, à sua imagem e à sua carreira. Com uma pequena visita ao passado da governação de Sócrates e da sua ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, encontraremos aqui o início desta intentona contra a classe docente, altamente potenciada, mais tarde, com as políticas nefastas de Passos e Portas a mando da Troika.

No entanto, já que se fala tanto em números e em obsessão pelo défice, olhemos para a situação do nosso país caso muitos dos principais setores estratégicos da nossa economia não tivessem sido privatizados. A título de exemplo temos a EDP, que apresentou lucros de 313 milhões de euros em 2018 (uma subida de 14% em comparação com 2017), e/ou a Galp, com lucros de 707 milhões de euros no mesmo ano (uma subida de 23% face ao ano transato). Com estes valores titânicos, e se estas empresas continuassem na esfera pública, teríamos ótimas condições para a contabilização total da carreira docente e ainda restava mais de metade para a valorização de outras carreiras especiais da Administração Pública.

É óbvio que para continuarmos neste caminho de conquista de direitos e de melhoria das nossas condições de vida não poderíamos ter como fundo de maneio somente os lucros destas ou de outras empresas, até porque existem outras áreas fundamentais para o desenvolvimento do nosso país; urge assim também acabar com as facilidades concedidas às grandes empresas.

Falando em concreto, o Estado tem de começar a taxar os lucros das 19 empresas (num universo total de 20) que compõem o PSI-20, mas que têm a sua sede em paraísos fiscais; tomar outras posições que sejam sustentáveis para a nossa agricultura, pesca e setor produtivo; avançar no trajeto da valorização dos trabalhadores, dos seus salários e direitos -tal como tem sido possível alcançar nos últimos anos, ainda que aquém do necessário- longe de quaisquer constrangimentos e ameaças vindas, principalmente, da UE e dos grandes interesses económicos.

Ponta Delgada
João Luís Teves Almeida.
Politólogo