NOSSA SENHORA FUSEIRA

Segundo nos afirmou, por várias vezes, o sr. Padre Edmundo Pacheco, a única igreja sede de paróquia em Portugal que tem por orago Nossa Senhora da Estrela é a Matriz da Ribeira Grande, na ilha de São Miguel. A Basílica da Estrela, na serra do mesmo nome, em Portugal Continental, não tem nada a ver com a nossa história, e muito menos a devoção dos pastores daquela zona à Nossa Senhora da Boa Estrela. Dizem que em França, na Normandia, a Senhora da Estrela começou a ser venerada no século XII, e em outras partes daquele país há devotos a Notre Dame de l’Étoile. No território português também há devoção, capelas e nichos consagrados a esta Senhora, todos com seus diferentes historiais. Muitos destes marcos de oração só surgiram no país durante o decorrer do século XX, e temos quase a certeza que a divulgação do nome da Senhora da Ribeira Grande é que foi o factor responsável pelo aparecimento da sua maioria.

     Curioso não deixa de ser o facto da existência da devoção à Senhora da Estrela na cidade da Lagoa. A ermida de Nossa Senhora do Cabo, edificada em 1678 por um nobre da terra é vulgarmente conhecida pela casa de Nossa Senhora da Estrela, cuja imagem da Virgem daquele nome passou a ter este pelo povo da Lagoa e arredores. A imagem sai em procissão todos os anos no dia 2 de fevereiro, ou nas suas proximidades. À festa da sua padroeira se associa a banda de música local, Estrela d’Alva, que por sua vez celebra o seu aniversário. Actualmente há três entidades a cuidar da festa: a Câmara Municipal da Lagoa, a Junta de Freguesia de Santa Cruz e a filarmónica. Em pouco menos de um mês os Cantares às Estrelas na Lagoa contarão com a sua décima edição. Nesta ermida de Nossa Senhora da Estrela, na Lagoa, celebrou a sua primeira missa o saudoso prior da Matriz da Ribeira Grande, Padre Evaristo Carreiro Gouveia.

     Como toda a gente sabe, o dia 2 de fevereiro no calendário litúrgico assinala a Purificação de Maria e a Apresentação de Jesus no Templo. Que eu saiba, da maneira como me ensinaram, Maria nasceu pura, nunca necessitou ser purificada. E se esta coisa de dar à luz despurificasse, no caso de Maria seria o contrário. Ainda a tornaria mais pura. Porém, quem quiser analizar a Sua purificação em outro ângulo notará que é infinita, e dependendo da fé de cada um, Ela poderá purificar quem a pureza procura. Mas isso é um assunto que deixo à responsabilidade dos especialistas na matéria. Além disso, não desejo fazer inveja a certos ratos de sacristia que pensam saber mais do que os curas e vigários. O que nos interessa aqui é a purificação que por Ela podemos receber e a Apresentação de Jesus ao Mundo. Se foi apresentado no templo, foi apresentado ao mundo, à humanidade. Foi a apresentação da Luz. A Luz que Nossa Senhora nos trouxe. Por isso Lhe chamam da Luz, ou Candelária, das Candeias e, no nosso caso, da Estrela. Portanto, variantes de luz e fontes de luz. Calhou à Ribeira Grande a Estrela, e não deixa de ser muito interessante como a Nossa Senhora fuseira ficou com este nome.

     Em 1507 os ribeiragrandenses, esperando confiantes que brevemente o seu lugar fosse elevado a vila resolveram edificar a sua igreja matriz. Estávamos no início do século dezasseis, na altura em que a estrela polar tinha a maior importância na vida dos portugueses mariantes e não só. A nova igreja substituiu uma ermida dedicada a Nossa Senhora do Loreto, e sobre a padroeira da Matriz, o seu sétimo vigário, o Dr. Gaspar Frutuoso, falou-nos, dizendo que a igreja era “da advogação da Purificação de Nossa Senhora, que vulgarmente se chama Nossa Senhora da Estrela, por estar nesta ilha da parte da estrela do norte.”  O nome pegou, foi em frente, e a Senhora da Estrela é a padroeira da Ribeira Grande e do seu concelho há mais de quinhentos anos.

     Em São Miguel, principalmente na costa norte, devem ser largas dezenas de milhares os nomes de “estrelas” atribuídos a mulheres nascidas em finais de janeiro e princípios de fevereiro.

     Os cantares às Estrelas da noite de 1 para 2 de fevereiro, que todos os anos se sucedem, tiveram a sua origem algures na noite dos tempos. Estão relacionados com outros cantares, como as Janeiras e os Reis. Graças ao empenho de algumas pessoas e ao governo municipal, esta tradição foi re-vivada há cerca de três décadas e promete dar continuidade. Mas também houve, e há, gente que canta às estrelas durante todo o ano, dependendo das bebedeiras que apanha em certas noitadas. Cantar ao ar livre é muito bom e cura muitos males. Tal como o cantar da meia-noite, que é excelente. Acorda quem está dormindo e alegra quem está doente, como diz o cancioneiro popular açoriano.

     Como já mencionámos, na cidade da Lagoa também se canta às estrelas, e acrescentamos que o mesmo se faz em outras localidades micaelenses, tais como Ponta Delgada, Vila Franca do Campo, entre outras, embora não sejam na mesma noite da Ribeira Grande, que é de 1 para 2 de fevereiro, ou datas mais próximas, de acordo com as conveniências.

     Na noite das estrelas, antigamente, pescadores de Rabo de Peixe pernoitavam no adro da Matriz para as suas previsões de tempo e de safras anuais. Durante as doze badaladas da meia-noite os seus olhos fitavam o cata-vento. Se o vento soprasse do “cuzinho” de Nossa Senhora teriam um bom ano, de certeza absoluta.

     Nossa Senhora da Estrela é padroeira da Banda Triunfo e dos Bombeiros Voluntários da Ribeira Grande, que também fazem neste dia uma procissão com a sua própria imagem, da Matriz para o seu quartel, depois da missa da alvorada, em que ambas instituições participam, e que se realiza às cinco da manhã. Um bombão acorda a cidade às quatro, o sino grande chama os fiéis, e às cinco a igreja se enche de gente. No cimo do adro, ou no alto da torre um corneteiro executa o toque da alvorada, cuja melodia é transportada pelo vento àqueles que o bombão não acordou. 

     Ainda nos nossos dias, em algumas casas da Ribeira Grande conservam-se os presépios e outras decorações natalícias até à festa da Senhora, o que, aliás, muitos católicos concordam que a época do natal devia acabar com a Apresentação e não com a Epifania.

     A mais bela Estrela do Norte, nunca purificada por ter nascido pura e  pura será até à eternidade, mora naquela casa, alta, com a torre quase a tocar no céu e na estrela polar.  É a Estrela das estrelas. É Nossa Senhora da Estrela!

     Representada numa gigante estátua no altar-mor, só saiu em procissão duas vezes. Apresenta-se aos homens como sua rainha, tendo os anjos a seus pés, envoltos em alva núvem. Traz na mão direita uma palma que faz brilhar uma estrela, e o seu braço esquerdo segura Jesus ao cólo, em jeito de apresentação, dizendo-nos: -Eis a Luz do Mundo!…

     Para terminar esta longa crónica escolhemos o refrão de uma canção estreada nos Cantares às Estrelas do ano passado, que achamos fazer sentido com o que aqui já foi dito. A Senhora da Estrela é da Ribeira Grande. Portanto, é tão fuseira como nós e como vós.

Fuseira Nossa Senhora,

Estrela que tanto brilha,

Consola o povo que chora

Saudades da nossa ilha.

Nossa Senhora Fuseira

Dai-nos paz e alegria,

Luz e amor à Terra inteira.

Bendita Virgem Maria