“O AMBIENTE EM GAIA ESTÁ A SER MUITO MAL CONDUZIDO”

Criada em 1989, como Associação de Defesa da Praia da Madalena, após o encalhe do Reijin, em 2018 mudou de nome para ONGaia – Associação Defesa Ambiente e, em 2022, conseguiu o estatuto de utilidade pública. Considerando-se uma associação municipal, a ONGaia tem como objetivo promover, fazer a conservação, educação e preservação ambiental. O AUDIÊNCIA esteve à conversa com o presidente José Carlos Cidade que, sem grandes rodeios, admitiu não ter apoios nem da Câmara Municipal de Gaia nem das Juntas de Freguesia do concelho, referindo mesmo que em Gaia, não existe um vereador do ambiente. “Temos um vereador que se preocupa muito mais com os jardins do que com o ambiente, e o ambiente é muito mais do que jardins”, afirma.

 

A ONGaia foi criada em 2018, nasceu porquê?

A associação OnGaia de defesa do ambiente nasce a 7 de dezembro de 1989 como Associação de Defesa da Praia da Madalena e isto em sequência de um encalho do porta automóvel Reijin com 5400 viaturas, à época, o maior porta automóveis do mundo, que saiu de Leixões e encalhou a cerca de 250 metros da praia Marbelo, na freguesia da Madalena. Quase decorrido um ano, a 7 de dezembro de 1989, foi constituída por um grupo de moradores e de pessoas da freguesia, a Associação de Defesa da Praia da Madalena, nome que se manteve até 2018, altura em que fui convidado a ser candidato a presidência da direção, uma vez que havia a intenção do presidente cessante de fazer a entrega da associação ao presidente da Junta de Freguesia e, com isso, extinguir a Associação. Na altura, o Nuno Aldeia era o presidente da Assembleia Geral e foi ele que me convidou a avançar com uma lista para colocar a sufrágio numa assembleia geral de sócios. À época, o presidente da direção era Fernando Ribeiro, e o presidente da Junta o Francisco Leite. Portanto, o Fernando Ribeiro preparava-se para extinguir a associação e, dessa forma, terminaria a vida útil desta associação de defesa do ambiente. Fruto desse facto, apresentei uma lista aos sócios e foi unânime a votação e o primeiro mandato foi de 2018 a 2020, entretanto surge o Covid e não nos é possível efetuar mais eleições no seu tempo habitual. Isto porque de 2016 a 2018 a associação não efetuou nenhuma atividade tendo, inclusivamente, perdido o registo de Organização Não Governamental de Ambiente. Efetuamos depois eleições em junho de 2021, e aqui com uma alteração significativa, que os mandatos que eram de dois anos passaram a ser de quatro anos pelo que esse meu segundo mandato vai terminar agora em junho de 2025. Neste segundo mandato, uma das coisas que propus em assembleia geral de sócios foi a alteração da denominação de Associação da Defesa da Praia da Madalena para ONGaia – Associação de Defesa do Ambiente, porque, atualmente, não faz sentido a existência de uma associação de defesa do ambiente apenas pelos seus 2500 metros de frente marítima. E não existindo uma associação de defesa do ambiente de âmbito municipal, alteramos o nosso nome e passou a ser ONGaia, associação de defesa do ambiente, de âmbito local, mas a incidência é todo o município de Gaia. Assim, ficamos responsáveis, de certa forma, pelos 15km de orla marítima, os 17km de orla fluvial, mais todo o território do município de Vila Nova de Gaia e com todos os seus problemas, de água, de ruído, de saneamento, mobilidade, tudo isso são problemas ambientais.

 

O motivo que originou a criação da Associação de Defesa da Praia da Madalena foi o encalhe do Reijin, e exatamente na data, em 2025, realizaram um evento na praia. O que procuraram com isso?

Nós temos vindo a assinalar o encalhe do Reijin desde 2018, e no passado dia 26 de abril, assinalamos o 37º aniversário, se se pode chamar assim, com uma sessão evocativa para assinalar o encalhe do Reijin, com todos os seus danos ambientais efetuados na nossa orla marítima, nomeadamente ao nível de chapas, de espelhos, de tudo aquilo que constitui uma viatura. Algumas delas foram desmanteladas, o Reijin também foi desmantelado, foi cortado em três partes, sendo que uma delas ainda está ao largo da costa da Madalena. Fruto de um trabalho de um jovem nosso sócio, que visitou recentemente o encalhe do Reijin e tudo o que existe ainda do barco, e transmitiu-nos que, hoje em dia, a zona onde o barco foi afundado, é um coral, com novas espécies de peixes deram novamente à costa, por isso, está ali agora, de certa forma, uma área protegida fruto do afundamento.

 

Está a dizer que há males que vêm por bem?

Exato. Porque, em 1988, as pessoas deslocavam-se à praia da Madalena para apanhar espelhos, e banhos de sol, mas também estavam sujeitos a irem tomar banho e cortarem-se em chapas. Aliás, essa recolha de chapas foi, precisamente, a primeira ação de sensibilização da população efetuada pela, então, Associação de Defesa da Praia da Madalena, de forma a permitir aos veraneantes que pudessem novamente voltar à praia em condições de segurança.

 

Quem compõe a associação, quem são os sócios?

São sócios habitantes no município de Vila Nova de Gaia, não extravasa o município uma vez que o nosso âmbito é municipal. Atualmente, estamos com cerca de 110 sócios, jovens, voluntários, pessoas que querem colaborar e, cada vez mais, é uma preocupação fundamentalmente dos mais jovens as questões ambientais.

 

E estão abertos à adesão de novos sócios?

Claro, evidente. Nós temos sócios, temos voluntários, os sócios pagam uma quota mensal que, no seu valor anual, são 12 euros, portanto, é um euro por mês. Os sócios que estudam, incluindo desde o secundário até efetuarem o seu doutoramento, não pagam as quotas, e os voluntários também não. Ao contrário de outras, a associação não tem por fim ser um banco. Apesar de termos as nossas despesas inerentes da criação e manutenção da associação, nós não olhamos para a associação enquanto receita, o nosso objetivo não é esse. O nosso objetivo é promover, fazer a conservação, educação e preservação ambiental. Daí o foco da associação ser o facto de trabalhar com as escolas, com os jovens, apelar à sensibilização e educação ambiental.

 

Numa associação deste tipo, o que fazem os voluntários?

Os voluntários ajudam-nos a fazer a sensibilização junto da população, junto dos veraneantes, ajudaram-nos na época de 20/21 quando se usava máscara, uma vez que temos passadiços ao longo da nossa orla marítima, ajudavam a sensibilizar as pessoas para que as máscaras não fossem colocadas na areia, nem nas dunas, mas sim no respetivo recipiente de recolha de resíduos. São jovens estudantes, que se preocupam com as questões ambientais, com a flora e a fauna da orla marítima e fluvial, uma vez que uma das nossas ações foi fazer uma limpeza no estuário do Douro onde pudemos constatar que do lado do rio e do lado do mar havia lixo de toda a espécie. Sensibilizamos as pessoas que lá estavam para que o lixo que trazem, como o facto de fumar e deixarem ficar a beata na areia, esquecendo que depois pode ir o neto ou o filho brincar na areia e como se sabe, uma beata demora cerca de 50 anos a ser degradada.

 

Após as últimas eleições autárquicas, a associação a que preside foi apresentar cumprimentos e dar-se a conhecer aos órgãos autárquicos constituídos. Isso teve algum reflexo na vossa atividade, houve algum despertar de interesse das instituições públicas pelo vosso trabalho ou não?

Não. Queríamos há muito, e conseguimos em 2022, o estatuto de utilidade pública e teremos durante 10 anos. Apesar da nossa existência ser de 37 anos, desde que tomei posse, solicitamos apoio à Câmara, não tinha de ser financeiro, mas para colaborar connosco, e não nos deram qualquer tipo de apoio. A nível da Câmara, infelizmente, temos de assumir que não temos um vereador do ambiente. Temos um vereador que se preocupa muito mais com os jardins do que com o ambiente, e o ambiente é muito mais do que jardins. Fomos lá, como pessoas educadas e de bom trato, apresentar cumprimentos, quer em 2018, quer em 2021. De ambas as vezes saímos de lá com a sensação de que foi meramente tempo perdido, porque houve uma falta de cuidado e de atenção para com a associação que foi desesperante. Ainda bem que fiz questão de não ir sozinho a essa reunião, levei membros da direção, e saíram de lá com uma imagem não muito positiva do responsável do pelouro do ambiente, o arquiteto Valentim Miranda. Também fazemos parte do Conselho Municipal do Ambiente, fomos a uma reunião, como era a primeira pedimos um relatório anual de ambiente, que é obrigatório, e até hoje ainda estamos à espera há seis anos. E foi-nos dito que não há relatório de ambiente, portanto, eu diria que o ambiente em Gaia está a ser muito mal conduzido, não sei se o presidente da Câmara tem noção disso ou não, mas o certo é que julgo que não há mesmo vereador do ambiente.

 

E relativamente às Juntas de Freguesia, foi o mesmo feedback?

O feedback foi exatamente o mesmo, não percebo a razão, mas não há grande sensibilidade dos autarcas pelas questões ambientais, porque, para alguns deles a questão do ambiente não dá votos, e como tal, não é preocupante. Nem a Câmara nem as Juntas de Freguesia de Gaia nos dão qualquer tipo de apoio. Nem a da Madalena e tem a particularidade do presidente da Junta ser nosso sócio. E fez uma coisa espetacular, que foi, uma vez que a associação tinha um espaço cedido pela Junta de Freguesia desde 1989, ele resolveu retirar-nos isso argumentando que o edifício, que se chama Casa das Tílias, porque aquele edifício iria ser requalificado pelo PRR, sabendo nós que isso não corresponderia à verdade, e agora se lá formos tem lá uma associação de âmbito social que parece ter uma certa ligação menos vantajosa.

 

Quer isso que há promiscuidade entre o presidente da Junta de Freguesia da Madalena e essa associação?

Sim. Acho que sim, pelo menos é o que se ouve.

 

Se uma das primeiras coisas que este atual executivo da freguesia da Madalena foi “limpar” a associação do espaço que tinham, não será que a própria autarquia terá dado o sinal exterior de que era uma associação que não contava?

Pois, não sei. Sei que, felizmente para nós enquanto associação, temos estado a trabalhar e cada vez temos trabalhado mais sem qualquer tipo de apoio quer da Câmara, quer das Juntas. Aliás, até diria que ainda bem que não o temos porque não ficamos condicionados, ou poderíamos ficar eventualmente condicionados, assim não. Estamos completamente libertos de qualquer tipo de pressão que, eventualmente, possa existir.

 

De 2018 a 2025, quais foram as principais atividades que a associação tem levado a cabo?

Temos vindo a desempenhar trabalho junto das escolas, a assinalar diversos dias como o Dia do Mar, o Dia do Ambiente, o Dia da Terra, uma série de datas que são importantes para o ambiente. Temos estado a sinalizar junto de várias entidades algumas atrocidades ambientais que ocorrem em Gaia, informando diretamente as entidades, Igamaot, a própria Câmara, as Águas de Gaia, a CCDR, portanto, temos vindo a informar, até a própria Gaiurb relativamente a colocação de restos de obras, ligações mal efetuadas, ribeiros que aparecem vermelhos ou azuis, portanto, estamos sensíveis a todo o tipo de problemas que sejam de índole ambiental. Até mesmo ao nível do ruído porque é inconcebível para nós associação que o município de Gaia tenha estações de ruído apenas na Avenida da República, porque aqui na Madalena também se faz ruído e não é medido. Participamos também em três consultas públicas, parece que houve alguém que não gostou, nomeadamente na linha de alta velocidade e no novo terminal de cruzeiros no Cais do Cavaco. Outra participação que tivemos prendeu-se com a ideia que era a ocupação do parque de campismo da Madalena por uma piscina de marés artificial, mais tarde aquele grande colosso que iria criar 15 mil postos de trabalho e traria grandes empresas, e agora vê-se que tudo isso esfumou-se e fizemos um comunicado, manifestamos a nossa preocupação, até porque o parque de campismo da Madalena foi construído com verbas que foram doadas do Casino de Espinho, foi inaugurado a 27 de junho de 1997, pelo então secretário de Estado do Turismo, Jaime Andrez, e atualmente o parque de campismo da Madalena não tem a valência de campismo e estamos a falar de uma área que tem 27 hectares, que tem uma estação arqueológica e que está classificada, pela própria Gaiurb, e estamos a falar de um equipamento municipal aberto cerca de um mês a mês e meio, que é o tempo que medeia prévio ao Festival Marés Vivas, subsequente para a limpeza de toda aquela zona e depois quem vai lá paga para entrar, uma vez que aquela área verde não está ao serviço da população, infelizmente para todos os gaienses. Ouve-se falar que vem aí um parque agora, que também já mudou de nome, o Parque do Atlântico, não sei o que virá a dar, mas o fundamental é que é um equipamento ambiental de referência que deve estar aberto à população, porque, no fundo, somos nós contribuintes que pagamos através dos nossos impostos a manutenção desses parques.

 

A OnGaia, durante os últimos anos, terá pago a fatura dos atritos entre um considerado ativista no passado, e que saiu de candeias às avessas do município de Gaia, chamado Nuno Oliveira, e que lidera também uma associação ambiental?

Não sei, até porque cada organização é uma organização, só posso reportar o que se passa na OnGaia. Esse problema não é meu, não fui eu que o criei nem de um lado, nem do outro, problemas nós temos como já referi, temos problemas ambientais, de ruído, de corte de árvores em zonas verdes, tudo isso visa a construção, visa, eventualmente, o aumento de receita pelo município através da cobrança do IMI e, portanto, estamos atentos a isso, estamos atentos a todas as questões que digam respeito ao ambiente. Essa é uma questão paralela que não nos aflige porque não foi nada connosco.

 

Falou em parcerias pontuais com as escolas, e há momentos em que as escolas estão muito ativas na área ambiental, por exemplo, o Agrupamento de Escolas dos Carvalhos promoveu a plantação de árvores. A associação acompanha este tipo de atividades?

Sim, acompanhamos. Nós é que fizemos a plantação de árvores na Escola Secundária de Valadares, já fizemos uma ação de recolha de resíduos com o Agrupamento de Escolas de Arcozelo, vamos fazer, em princípio, no dia 5 de junho uma atividade com o Agrupamento de Escolas da Madalena, temos apontado, ainda nada definido, uma outra atividade com a Escola Secundária Almeida Garrett e, portanto, o nosso foco é, como disse, trabalhar junto dos jovens porque é nos jovens que se ganha o futuro. Já fizemos também um Dia Mundial da Criança com o Agrupamento de Escolas de Canelas, e temos vindo a trabalhar com várias escolas.

 

Vêm aí eleições autárquicas e vão mudar os intérpretes em várias autarquias. Como desejava que os novos intérpretes vejam a questão ambiental?

Gostaria que os 24 candidatos a presidente de Junta de Freguesia, mais o futuro presidente da Câmara Municipal, mais o vereador do ambiente e o próprio executivo municipal, que fossem constituídos por pessoas que tenham sensibilidade ambiental. Porque todos estão preocupados com o ambiente, mas o ambiente é muito relativo. As pessoas devem ter sensibilidade ambiental, se assim for, certamente, estarão muito mais preocupados com o ambiente do que os atuais autarcas e, a partir daí, será muito mais simples.

 

Órgãos sociais para o mandato 2021-2025

Mesa da Assembleia Geral

Presidente: Vítor Manuel de Sousa Monteiro

Secretário: Nuno Vasco Marques Simões Aldeia

Vogal: José Fernando Silva Moreira

Direção

Presidente: José Carlos Cidade Rodrigues de Oliveira

Vice-presidente: Raúl José Martins de Sousa Tavares

Tesoureiro: Lúcio Mendes Pinto

Vogais: Joaquim Manuel de Oliveira Nogueira e Maria Madalena Lemos

Conselho Fiscal

Presidente: Delfim Manuel Magalhães de Sousa

Secretário: Maria Elisa Vieira da Silva Cidade Oliveira

Relator: Fernando Alberto Moreira Couto

Rádio Audiência
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