Volto para casa na noite das eleições, 30 de janeiro de 2022. Amanhã uma data importante se assinala; o dia 31 de 1891, emblemático dia para a cidade do Porto e a primeira tentativa de implantação da Républica. Curiosamente a rua que toponimicamente assinala esta data na cidade encontra-se abandonada e decadente, saudosa do seu passado comercial como artéria invicta…
Passando revista pelos canais entre números, sondagens e espectativas, ainda há tempo para fazer zapping entre cozinhados gourmets e séries americanas onde o quotidiano está quase sempre marcado por delitos por desvendar com a ajuda de científicos laboratórios recheados de ADN e impressões digitais. No aconchego precário da paragem do autocarro, ainda há espaço para um jovem casal trocar beijos, caricias, afagos, ternuras… a noite eleitoral passa-lhes ao lado.
A política nada disse à esta nova geração para a qual a fila de votantes poderia ser facilmente confundida com a vacinação de reforço. De todas as promessas da noite, a única que neste momento espero se cumpra, é a chegada do autocarro, que não se atrase, que não falhe! Quero voltar logo para casa para me enfrascar na leitura de um livro ou no visionamento de um bom documental da RTP2… A rádio transmite os últimos momentos do Porto/Marítimo, já sabemos os resultados, intercalando os números da eleição parlamentar.
No resto da noite, há como sempre, e estou habituado a isso; as felicitações da praxe, os lamentos, os mea-culpa, as demissões dos dirigentes como crónicas de mortes anunciadas. Há vitorias e derrotas, a democracia é assim. Tem os seus momentos bons e os maus que podem ser muitos, quando contemplamos os números dos resultados, as escolhas, as surpresas inesperadas e/ou esperadas. Não sou um animal político, mas habituei-me a vê-los desde muito novo quando os meus irmãos e o meu pai militavam em partidos de marcada ideologia humanista! A política não me passa ao lado! Onde se fala de animais…(divagações)
“Na tragédia Júlio César, de Shakespeare, ao aderir à conspiração contra o ditador Júlio César, Brutus o compara a “um ovo de serpente, que, uma vez chocado, por sua natureza, se tornará nocivo, razão pela qual deve ser morto quando ainda na casca”. Em 1977, inspirado na fala shakespeariana, o cineasta sueco Ingmar Bergman deu o nome de O Ovo da Serpente a um filme que mostra o início da ascensão do nazismo na Alemanha. Desde então, a expressão tem sido usada para se referir a movimentações de cunho nazifascista, talvez como intuição de que, como dizia Mark Twain, “a história nunca se repete, mas ela rima”. https://podcasts.apple.com/tt/podcast/32-o-ovo-da-serpente-reflex%C3%B5es-sobre-o-fascismo/id1462803834?i=1000477558150
Houve na campanha eleitoral, também tempo para a entrada dos animais, qual pista de circo, e assim apareceram os animais de estimação, entre eles, um gato…o Gato Zé Albino, do seu nome. Gato que o Dr. António Costa qualificou de deprimido ao ver a fotografia no Instagram. Na noite da eleição, o Dr. Rio perdeu o sorriso que o caracterizou durante a campanha. Era de esperar, até chegou a balbuciar palavras numa língua estrangeira em jeito de defesa. A sua actitude pouco gentil e delicada fez-me lembrar o Trump, quando falava com os jornalistas pelos quais nutria pouca simpatia e respeito.
Segundo o historiador e linguista espanhol, Ramón Menéndez Pidal, o imperador Carlos V, não falava espanhol quando criança. Suas línguas maternas eram o francês e o flamengo. Já adulto, no entanto, ele disse sobre isso: “Eu falo espanhol para Deus, italiano para as mulheres, francês para os homens e alemão para o meu cavalo”.
Não acredito que o alemão, que é uma língua tão preciosa, sirva apenas para falar com os animais, e, é provável, que esta anécdota não passe de uma mera invenção.
Prefiro refugiar-me na poesia de Johann C. F. Hölderlin, H. Heine ou Johann W. Goethe que escreveu versos belos como estes;
“Tranquilo, o mar não canta nem ondeia.
O nauta, imerso noutro mar de mágoas,
Os olhos tristes e húmidos passeia
Pela tranquila quietação das águas.
A onda, que dorme quieta, não espuma;
O astro, que sonha plácido, não canta,
E em todo o vasto mar, em parte alguma
A mais pequena vaga se levanta.”
(Mar Calmo – Johann Wolfgang von Goethe – trad. de Francisca Júlia)