OS FUSÍADAS DA AMÉRICA DO NORTE (1)

Ao escrever estas primeiras palavras não sei a que ponto este conjunto de crónicas poderá chegar. Só tenho a certeza que o objetivo é prestar uma justa homenagem a um grupo de pessoas que se dedicaram de alma e coração a festejar a Ribeira Grande na América do Norte.

Tal como as reuniões de antigos alunos, que desde há muito tempo têm surgido por toda a parte, alguém lembrou-se de organizar aquilo que aqui chamamos de “convívios regionais”, cuja iniciativa surgiu na Nova Inglaterra por parte dos naturais de Mangualde, distrito de Viseu.

O sucesso daquele encontro, tendo ultrapassado todas as expectativas, pediu aos seus organizadores mais  edições de eventos como aquele, a serem realizadas pelo menos uma vez por ano. Assim foi, e assim tem sido.

Estas manifestações de patriotismo, e os sucessos alcançados, fizeram com que outros grupos de naturais e amigos de outras regiões portuguesas lhes seguissem os passos. Quando a pandemia de 2020 nos bateu à porta, os mangualdenses podiam contar entre si um total de quarenta e duas confraternizações anuais realizadas.

Em 1991, numa das conversas semanais de sábado à noite com o padrinho da Califórnia, queixei-me com ele que os ribeiragrandenses da Nova Inglaterra estavam enclausurados, dizendo-lhe que seria tão bom se eles também tivessem o seu convívio anual.

Father Joe (Ferreira Moreno) respondeu, dizendo que não dava muito tempo para isso acontecer, porque tinha na Nova Inglaterra um afilhado capaz de liderar a realização de uma festa ribeiragrandense. A estas palavras, fingí-me de surdo.

Ainda durante a mesma conversa, falou-me padrinho de dois célebres convívios deste tipo, de gente fusa, realizados na Califorlândia, em 1967 e 1968. Portanto, para ele isto não era nada de novo.

Entretanto, nos arredores de Boston, sem que eu soubesse, pairava a ideia de se preparar um convívio ribeiragrandense. O maior inconviniente é que a maioria dos fusos e fuso-americanos não reside naquela latitude. A aposta teria de ser lançada mais a sul, em cidades como Fall River, New Bedford ou East Providence.

Por isso, em 1993, quando José Salvador Couto lançou a ideia de se realizar um convívio ribeiragrandense, contatou Liberal Batista, agente de viagens em Cambridge, e ambos comunicaram com João Luís Pacheco, de East Providence. A partir daí uma comissão foi formada para levar a efeito o que se pretendia. Em menos de dois meses o objectivo foi conseguido. A comissão responsável pela primeira confraternização ribeiragrandense, segundo as informações  que os jornais portugueses da região publicaram, era composta pelos seguintes indivíduos:

Salvador Couto (presidente); José Motta Faria (vice-presidente de Fall River); Álvaro Pacheco (vice-presidente de Cambridge); João L. Pacheco (vice-presidente de East Providence); Jaime Sampaio (vice-presidente de New Bedford); Abílio Morais (vice-presidente de Providence, RI); Liberal Batista (secretário); Eduardo Leite (1º tesoureiro); Eduardo Lima (2º tesoureiro); João Câmara (relações públicas); Fernando Raposo, José Aguiar, Alberto Costa e Ana Silva (diretores).

Assim nasceu a associação que uns anos mais tarde passou a ter o nome de Amigos da Ribeira Grande-USA.

Trinta anos depois esta organização continuava viva, embora conte com apenas três elementos ativos do grupo original. Por ela já passaram várias pessoas, e através dela já foram criadas e fortificadas amizades.

Em comparação com o grupo fundador, aonde só se vê um nome feminino, a organização nos dias de hoje conta com cerca de vinte pessoas, dividindo-se em quase igual número homens e mulheres. É como se fosse uma família. A maior família ribeiragrandense da Nova Inglaterra.

Voltando àquele magnífico ano de 1993:

Nos finais da penúltima semana de outubro foi divulgada a notícia da realização do grande encontro de ribeiragrandenses na Nova Inglaterra, anunciado para 7 de novembro.

Pela curta distância entre a divulgação e o evento, podemos concluir que esta foi a principal causa das imperfeições, que começaram a aparecer pelos cartazes expostos pelas cidades, os quais nos davam a data de 7 de novembro de 1933!

O jornal Portuguese Times, que naquele tempo se publicava às quintas-feiras, na edição de 4 de novembro trouxe a crónica de Ferreira Moreno (Repiques da Saudade) dedicada à festa ribeiragrandense, com o título de “A Respeito Dum Convívio”. Através dela podemos deduzir que a notícia se espalhou rapidamente, numa altura em que o mundo ainda era grande, pois, a Internet naquela altura ainda não estava ao dispor de toda a gente.

O padrinho da Califorlândia começou a sua crónica com estas palavras:

É já no próximo domingo, 7 do corrente mês de Novembro, que os meus ilustres com-patrícios ‘transplantados’, como eu, do concelho micaelense da Ribeira Grande, e presentemente radicados na Nova Inglaterra, estarão reunidos numa festa de confraternização, que terá lugar no Restaurante White’s de Westport, Massachusetts.

Em seguida, father Joe lamenta a impossibilidade de deslocar-se da costa pacífica para a atlântica, para se poder “misturar com o rancho congenial de FUSEIROS, certamente apostados na promoção dum autêntico Festival de Saudade que, oxalá, se perpetue e se repita por muitos anos vindouros”.

Dito isto, felicitando os organizadores, envia a todos os fusíadas da costa leste as maiores felicidades e sucessos, passando a descrever o que lhe trazia à mente a sua memória nostálgica, com estas palavras:

Foi em Setembro de 1967 e, novamente, em Setembro de 1968 (primeiro em San Leandro e depois em São José), que os ribeiragrandenses da Califórnia se juntaram em alegre camaradagem e ambiente de família, promovendo um par de banquetes ao título SAUDADES DA TERRA, que ainda hoje recordamos com viva nostalgia, não só pelo alto nível gastronómico que então se verificou, mas sobretudo pela ‘ementa’ espiritual que amplamente se ‘desdobrou’ na apresentação de diapositivos, música regional, arte, folclore, literatura, tradição, história… e ainda a representação dos nossos romeiros!

   Faziam parte da comissão organizadora ‘Amigos da Ribeira Grande’ o Dr. Décio Oliveira, Álvaro Silva, José Rodrigues e Padre Joe Ferreira.

Padrinho continua a sua crónica lembrando as palavras dos oradores principais de ambos os eventos. As do Padre Albano Oliveira, de 1967, dão-nos a perceber que a ideia da realização destes convívios na Califórnia partira de Father Joe, conhecido no mundo do jornalismo por Ferreira Moreno. Vejamos:

O facto que um sonho de maravilha, concebido e desenhado pela pena engenhosa dum jornalista da nossa comunidade, se tornou realidade encantadora, é prova que tempo e distância não conseguiram destruir os laços de íntimo e abundante amor, que a terra distante atou aos nossos corações de ribeiragrandenses…

Ferreira Moreno termina a sua crónica com a “Canção da Ribeira Grande”, de Ezequiel Moreira da Silva:

 

Oh! minha Ribeira Grande

Teu encanto espalha mágoas,

Por toda a parte se expande

A bênção das tuas águas.

 

Os moinhos a moer,

As turbinas a girar,

Pão p’ra gente comer,

Luz p’ra nos iluminar.

 

Duas vezes nos sustentas

Minha ribeira velhinha,

Molhas as terras sedentas,

Mudas o grão em farinha.

 

E quando o milho se some

Nos povoados vizinhos,

Muitos vêm matar a fome

À porta dos teus moinhos.

 

Mãe d’Água dos namorados

Ardendo sempre em desejos,

Andam nos ecos guardados

Ruídos de muitos beijos.

 

Lavadeiras, lavadeiras,

Debruçadas na corrente

Lavai nas águas ligeiras

As mágoas que o peito sente.

 

Saltando de mata em mata

Por noites de lua cheia,

Pareces fita de prata

Onde a minha alma se enleia.

 

Correm as fontes contentes,

Alegria das estradas,

Água das tuas nascentes

Cantando as mesmas toadas.

 

Já te cortaram em duas,

Tão grande caudal trazias;

Agora passas nas ruas,

Separando as freguesias.

 

O mar vem esperar-te à ponte

Sob os arcos triunfais,

Onde a rainha do monte

Celebra os seus esponsais.

 

A estas lembranças dos célebres convívios ribeiragrandenses da Califorlândia dos anos sessenta, desejamos acrescentar que, por volta do ano dois mil, alguns dos seus organizadores voltaram a fazer “ajuntamentos” de gente fuseira, de pequenas proporções e  em número reduzido de convivas, os quais ainda nos nossos dias persistem. Uma vez por mês, quase sempre às sextas-feiras, reúnem-se na cidade de San José naturais e amigos da Ribeira Grande em almoço e alegre camaradagem.

De volta à Nova Inglaterra, o grande dia chegou, e certamente, muita gente ainda retém na memória as emoções que os reencontros causaram naquela sala, que sendo observada de longe parecia a maior confusão. Que grande leilão, meu Deus!

Na verdade, não foi nada fácil, principalmente para inexperientes, controlar todas as etapas da realização do evento.

O jornal Portuguese Times, edição de 11 de Novembro de 1993 registou a primeira grande confraternização, dizendo que  “cerca de 800 naturais da Ribeira Grande reuniram em Westport” . O mesmo jornal, por causa da confusão que se fez sentir na sala, onde as emoções ultrapassaram todos os discursos e a ordem dos protocolos, salientou a presença do guitarrista Mariano Rego, vindo expressamente do Canadá. Na verdade isto não aconteceu. Mariano Rego na última hora informou o pessoal que não podia marcar presença nos Estados Unidos. Na sala, a quem perguntou por ele foi dito que Mariano Rego tinha partiddo um braço, e por isso não podia tocar guitarra.

Da Ribeira Grande vieram para este grande encontro: o vereador municipal, Abílio Baptista; o ilustre advogado, Eduardo Vieira; e o convidado de honra, Padre Edmundo Pacheco.

Nas semanas que se seguiram a este grande encontro houve uma troca de correspondência no jornal de Fall River (O Jornal) sobre críticas ao primeiro convívio ribeiragrandense. Sim, houve coisas a criticar, e o autor destas notas também criticou, acabando por ficar de mau-humor com Adelino Ferreira (Deus lhe dê o Céu), que naquela altura era o diretor do Portuguese Times, por ele se ter recusado a publicar no jornal o seu ponto de vista.

Na verdade, as coisas aperfeiçoam-se com os erros que cometemos. No entanto, ainda estamos por perceber o que aconteceu com os filmes que foram vendidos na sala.

Carlos Braga, nos seus queixumes sobre a festa, fala que comprou a cassete (VHS) que supostamente mostrava o latoeiro e o sapateiro, e que ao chegar a casa, nem o latoeiro, nem o paneleiro, nem o sapateiro, nem as trempes, nem as peneiras estavam no dito filme, dizendo a larga escrita que fora “enganado”.

Mais tarde, viemos a saber, e confirmámos, que a própria organização havia sido enganada com a multiplicação das cassetes, cujos filmes eram diferentes daquele que os convivas viram passar na sala, através de um televisor.

Outro bom reparo na crítica de Carlos Braga (Deus lhe dê o Céu), na edição de 2 de Dezembro de 1993 do O Jornal:

     “Por outro lado gostaria de perguntar a um repórter local que tal a música do grande artista Mariano do Rego, se o Mariano do Rego nem se deslocou aos Estados Unidos?”

Este sr. Carlos Braga nasceu no Concelho do Nordeste e viveu largos anos na Ribeira Grande, terra que amou com alma e coração, tornando-se um verdadeiro ribeiragrandense. Teve toda a razão nas suas críticas. Era um homem respeitado e respeitador.

Hoje ficamos por aqui, prometendo dar continuação à história. Haja saúde!