O domingo amanhecera negro e com cara de poucos amigos, mas pouco antes do meio-dia o sol quis dar um ar da sua graça; e não passou despercebida a entrada de mais de duas dezenas de forasteiros na Igreja do Sr. Santo Cristo, em Fall River, quase fazendo o templo transbordar de gente, já que não se via a igreja tão cheia desde o dia da festa do padroeiro.
Não era para menos, porque a missa foi dedicada às intenções dos ribeiragrandenses, e celebrada pelo Padre Edmundo Pacheco, que sempre arranjava um jeito de tocar nos corações de quem o ouvia. Recordemos que, mesmo com a sua maneira branda de falar, e por ser escutado com atenção, nunca teve necessidade de ir pregar às sardinhas, muito menos aos carapaus e aos chicharros de olhos azuis.
O jornal Standard Times, de New Bedford, trazia a notícia do quarto convívio dos naturais do Concelho da Ribeira Grande, a realizar naquele dia, pelo seu colaborador Pedro Amaral, nascido na Ribeirinha, na sua coluna Luso Life.
Depois da missa, à 1:00 da tarde, as portas se abriram, e mais de seiscentas pessoas se reuniram no restaurante White’s of Westport, na quarta grande confraternização ribeiragrandense.
O jornal Portuguese Times, de 14 de novembro, destaca na sua reportagem sobre o evento o apoio à educação, e diz que a grande aposta é a reunião de todo o concelho, prosseguindo desta forma:
“Vieram do Canadá e de toda a Nova Inglaterra. São naturais da Ribeira Grande. O motivo da deslocação é o matar da saudade e o encontro amigo e familiar. Não restam dúvidas de que os encontros regionais estão a atingir os seus objetivos. Além do mais são a forma de união comunitária, contribuindo ao mesmo tempo para uma maior ligação às origens, graças às embaixadas que nos visitam (…)”
A mesma reportagem é decorada com uma fotografia da comissão responsável pelo evento, onde em primeiro plano, se destaca os trajes femininos, que naquele ano se diferenciaram dos outros, os quais eram compostos por saias azuis, camisas brancas, e lenços vermelhos ao pescoço. Muita gente pensou tratar-se de um grupo de escoteiros, ou “guias”, neste caso. A ideia terá surgido para que na sala, durante a festa, fosse mais fácil localizar um membro da organização.
A comissão organizadora do IV Convívio Ribeiragrandense era composta pelos seguintes elementos:
Almerinda Calouro, Helena Vieira, Eduarda Alves, Benjamim Calouro, Fátima da Ponte, Néli Faria, Maria Ponte, Alda Pacheco, Connie Pacheco, Mariazinha Raposo, Liberal Batista, Fernando Raposo, Luís F. Vieira, Fernando Luís Ponte, António Pacheco, José M. Faria, João L. Pacheco, Armando Alves, José Aguiar, Fernanda Aguiar, Ildeberto Pacheco e Alfredo da Ponte.
Diz ainda a referida reportagem que o presidente, Liberal Batista, satisfeito com o sucesso alcançado pelo trabalho da sua equipa disse o seguinte:
“Temos connosco Fernando Maré, gerente do Montepio Geral no concelho da Ribeira Grande; Luís Carlos Faria, sub-gerente do Comercial dos Açores: António Francisco Borges de Melo, tesoureiro da Junta de Freguesia da Matriz; Norberto de Oliveira Gaudêncio, presidente da Junta de Freguesia da Ribeira Seca e presidente dos Bombeiros Voluntários da Ribeira Grande; o reverendo Padre Edmundo Pacheco, pároco da igreja de Nossa Senhora da Conceição; Filomeno dos Anjos da Silva Gouveia, vereador municipal e ainda o engenheiro António Tavares Vieira, que é o convidado de honra (…)”
De facto, foi um dos convívios de grande embaixada ribeiragrandense. A nível local, Dinis Paiva e Manuel Estrela foram reconhecidos pelos trabalhos prestados à comunidade, e a “História das Pêras e dos Edmundos” tornou-se memorável, e será gravada no fim desta crónica.
Manuel F. Estrela foi o responsável pela reportagem do acontecimento no semanário O Jornal (edição de 13 de novembro de 1996), e nela diz que durante a festa “houve ligação direta com os irmãos de lá, usando a amizade da Rádio Nova Cidade.”
Da recolha de depoimentos sobre o evento, por parte dos visitantes, Manuel F. Estrela gravou os seguintes:
Fernando Maré (figura por demais conhecida como Rei das Cavalhadas), do Montepio Geral: “Esta não é a décima ilha, mas sim a Ilha Maior…”
Luís Carlos Motta Faria, sub-gerente do Banco Comercial dos Açores, “confessou-se profundamente impressionado com o calor fraterno recebido no Encontro.”
António Francisco Melo Borges, representante da Junta de Freguesia da Matriz, no seu discurso “acabou por dar vivas à Ribeira Grande, aos Açores e a Portugal, concluindo com um ‘God Bless America’”, o qual fez vibrar a sala, com a intensidade dos aplausos recebidos.
Foi um pingo de água num copo improvisado em folha de conteira, que fez com que lá se pusesse mais gotas, para ficar cheio. António Borges foi imitado, mas não igualado.
O primeiro que lhe seguiu os passos, depois de sublinhar a importância destes convívios, foi o presidente da Junta de Freguesia dos Fenais d’Ajuda, Carlos Dinis de Oliveira Melo que, ao repetir a mesma frase, fez com que o mestre de cerimónias, Dinis Paiva, lhe perguntasse, como só ele sabe fazer, há quanto tempo se falava inglês nos Fenais d’Ajuda.
O presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Ribeira Grande e da Junta de Freguesia da Ribeira Seca (representou no convívio estas duas instituições), Norberto Oliveira Gaudêncio, “não sendo natural do Concelho, disse sentir-se mais ribeiragrandense do que muitos lá nascidos. Falou do novo Quartel dos Bombeiros, chamou à Ribeira Seca ‘Porta de Entrada da Cidade da Ribeira Grande’, e enalteceu o carinho com que foi recebido neste Encontro.”
Por sua vez, o Padre Edmundo Pacheco, depois de dar os parabéns à comissão organizadora daquele encontro, apelou para que estes convívios sejam de todas as freguesias do Concelho – expressão clara como a água das Lombadas –, e terminou a sua intervenção com estas palavras: “God Bless You”. Afinal, também se falava inglês na Conceição, mas Dinis Paiva nem se atreveu a comentar, porque se tratava do Padre Edmundo.
Filomeno dos Anjos Silva Gouveia, vereador e representante da Câmara Municipal da Ribeira Grande, “referiu sentir-se muito honrado por participar no Encontro, e que este o deixou muito orgulhoso.”
Finalmente, o convidado de honra, Eng. António Tavares Vieira, classificou o “encontro como um ‘Convívio Familiar dos Ribeiragrandenses’, afirmando que encontrou aqui na diáspora ribeiragrandense virtudes que hoje raramente se encontram na Ribeira Grande…”
A reportagem do O Jornal, que esteve a cargo de Manuel F. Estrela, termina com “uma palavra de louvor ao livro do IV Encontro, da responsabilidade de Alfredo da Ponte, que merece um lugar de destaque e de carinho em casa de qualquer ribeiragrandense, e não só.
Parabéns Ribeira Grande pelos filhos que tens.”
Para concluir este capítulo do historial dos Amigos da Ribeira Grande-USA é necessário contar a história das pêras, que Manuel Estrela fez questão de gravar a seguir à reportagem, e que difere um pouco da versão contada no Portuguese Times, por Augusto Pessoa. Vamos aqui juntar as duas versões àquilo que ouvimos e recordamos, prometendo, deste modo, não alterar os conteúdos essenciais:
“Em 1946, o Padre Edmundo Pacheco, então estudante, com outro Edmundo da Ribeira Grande, foram de passeio à Povoação.
Na Lomba do Louçã encontraram numa parede de pomar um jovem, a quem pediram informação. O rapaz respondeu-lhes muito delicadamente e os dois visitantes perguntaram-lhe o nome. Era também outro Edmundo.”
Riram-se os dois, e explicada a risota passaram a rir os três. Ao despedirem-se, os visitantes ofereceram ao Edmundo mais moço uma moeda de escudo. Este, por sua vez, fê-los esperar, entrou no pomar, depois dele saiu com duas peras nas mãos, e ofereceu uma a cada um.
Os anos passaram e, ao que parece, aquele encontro dos três “Edmundos” nunca esqueceu. Em 1993, por ocasião do I Convívio, Padre Edmundo Cruzou-se com Edmundo Dinis, o tal jovem Edmundo da Povoação, e ambos reviveram o passado.
Três anos depois, no decorrer da quarta confraternização, Padre Edmundo finalizava o uso da palavra, ao microfone, quando foi surpreendido por Edmundo Dinis, que lhe foi entregar um saco que continha qualquer coisa. Ao abrir o saco e deparar-se com peras, Padre Edmundo exclamou:
-Estas são bem maiores do que as outras!…
Houve uma gargalhada de ambos, seguida de um abraço; e foi nesta altura que Padre Edmundo teve de nos contar a história, que acabava de completar cinquenta anos de idade.
Hoje ficamos por aqui, que a escrita vai longa, e o quarto convívio acabou. Haja saúde!
Bem podem esquecer tudo,
Até mesmo a mocidade,
Menos pêras e o escudo
Que lhes trouxe a amizade.