OS NOSSOS QUERIDOS ACTORES; “E O SOM DA ÁGUA CANTA-NOS AO OUVIDO”

Hamlet: (a Polónio)

“Caro senhor, quereis incumbir-vos da hospedagem destes actores? Mas tomai nota: que sejam bem tratados porque são o espelho e as breves crónicas do tempo. Antes tenhas um mau epitáfio depois de morto do que seres acusado por eles enquanto vives” (Hamlet, II, 2)”.

Mais de uma vez me socorri desta fala da peça de Shakespeare.

Quem tenha lido com atenção aquela magnifica obra descobrirá o amor, o afeto e carinho que a personagem de Hamlet nutre pelos actores, vasta ler com atenção o monólogo  do acto III- cena 2, no qual, na forma mais pedagogicamente  possível ,o príncipe ensina os actores a não ser exagerados mas também não demasiado insípidos, afeiçoando o gesto à palavra, a palavra ao gesto, sem   ultrapassar a sobriedade da natureza, pois todo o exagero é contrário ao objectivo da arte dramática, cujo fim…é ser como o espelho da natureza…

Neste belo monólogo, Shakespeare, é Hamlet e será este, um dos momentos nos quais o bardo, está tão próximo da personagem na juventude como mais tarde nas suas obras finais estará da personagem de Próspero na Tempestade, ou de Leontes no Conto de Inverno   respetivamente.

Assisti ao encontro no TNSJ, do lançamento do CD da versão de Ode Marítima na voz de João Grosso, metade apresentação/lançamento e logo recital lírico. Nas palavras da organização era um apelo a um reencontro com um imenso poeta e um grande actor; “E o som da água canta-nos ao ouvido!”, escreveu Fernando Pessoa/Álvaro de Campos na Ode Marítima (1915), o poema que Eduardo Lourenço considerou “um dos mais grandiosos e profundos de que pode orgulhar-se a língua portuguesa”. Há mais de 35 anos que João Grosso nos canta ao ouvido este poema, em espetáculos e recitais, a solo ou com acompanhamento musical, em teatros, escolas, bares, prisões, ruas. O ator e encenador propõe-nos agora, a meias com o sonoplasta Francisco Leal, a edição em CD da sua versão de Ode Marítima, combinando o valor plástico da palavra dita com as possibilidades abertas pelas novas tecnologias de produção áudio. O resultado é uma espécie de “filme sonoro” ou “um modo de encenar o som”, de que faremos prova no recital integral da obra, em versão acústica. Antes disso, João Grosso e Francisco Leal conversam sobre o processo de criação desta singular Ode Marítima, com a moderação da escritora, crítica literária e jornalista Filipa Melo.” (informação do TNSJ)

Na plateia do TNSJ, também actores contemplando actores, Jorge Pinto e Emília Silvestre (Ensemble), amigos desde sempre, amizade com quase 50 anos, João Cardoso e outros.

O actor Jorge Mota, em ensaios neste momento no TNSJ, me lembra a fidelidade de João Grosso à Ode Marítima, já apresentada num longínquo FITEI na sala do Ateneu Comercial do Porto, hoje parece que essa inicial aventura alcança uma outra etapa, a edição sonora para a posteridade.

Salvador Santos- 2021 no TNSJ e capa do livro

Ainda no final do ano passado o amigo, cronista e homem de teatro, Salvador Santos edita o seu livro Os Meus Queridos Actores – Volume I. Há uma amizade que me liga ao Salvador desde os seus tempos de Administrador, Director e Productor no TNSJ, junto a ele fizemos possível na direção artística de Nuno Carinhas, consolidar o Ciclo das Escolas de Teatro no TNSJ, isto é a apresentação pública dos espectáculos dos finalistas das escolas de teatro do Porto. Assim os finalistas de estudos superiores e profissionais, podem representar nas três salas do TNSJ os seus exercícios de graduação final. Este ciclo foi iniciado há mais de uma década e se afirma como uma das programações fixas da nossa primeira casa de teatro da cidade do Porto.

 

«Já lá vão mais de cinquenta anos desde o dia em que me iniciei como fazedor de teatro, primeiro como amador e depois como profissional. (…) em todas as funções que exerci dispensei sempre uma preocupação maior e cuidados muito especiais por aqueles que são de facto, para mim, o elo principal de toda a cadeia de valores da ação teatral, desde a pré-produção à última exibição dos espetáculos: o ator.» 

Com estas notas, Salvador Santos, abre o prefácio da apresentação do seu livro, Os Meus Queridos Actores -volume I. Durante alguns anos partilhei com o Salvador uma coluna, numa mesma página do Jornal Audiência/Gaia, as minhas crónicas chamadas Palco, ele titulava as suas No Palco da Saudade– talvez esboço embrionário do seu livro-  eram as suas memórias dos actores que marcaram a sua vida profissional como colegas e como espectador.

Hoje essas memórias compõem o primeiro volume que neste livro inclui 143 nomes, de épocas e movimentos passados e contemporâneos.

Ao ler, me reencontro com alguns deles que tive a sorte de conhecer e com os quais partilhei emoções; a sempre boa recordação de Eunice Muñoz, de Paulo Renato numa noite em Lisboa no Teatro Aberto, António Rama no Porto, dos actores prematuramente idos Carlos Daniel e António Assunção, e esperando no segundo volume uma nota de vida do dramaturgo e actor açoriano Carlos Wallenstein, o meu sempre querido anjo da guarda na Gulbenkian, quem sempre apoio os meus projetos. E há mais, claro, tantos outros que tive a fortuna de os ver no palco representando as vidas de outras personas.

 

Sem dúvida, será este livro material excelente para um historiador de teatro, para um jovem em formação superior, para um estudante de literatura ou enfim, para qualquer um que se deixe levar pela arte de Talma.

O nosso amor aos actores manifesta-se nos aplausos, na nossa presença nos espectáculos, no respeito e fidelidade ao seu trabalho no palco, desejando a continuação dos seus percursos artísticos e, guardar para sempre na memória momentos inesquecíveis como espectadores. Obrigado ao Salvador Santos e um Bem-Haja por esta generosa oferta!

E porque de actores de teatro se trata nesta crónica, não posso deixar de comentar a partida de Antonino Solmer (1950-2024), conheci-o como actor na companhia teatral de Os Cómicos de Lisboa, um jovem actor e mais tarde pedagogo que nos deixou um belo manual sobre teatro (*) para o estudo teórico e pratico das matérias relacionadas com a nossa bela profissão.

(*) Manual de Teatro/ Cadernos contracena- Afrontamento -1ªa edição 1999

Nota: alguns dados biográficos sobre Salvador Santos (Lisboa 1949) – Produtor e Gestor Cultural. Tem o Curso Avançado de Gestão Pública. Foi animador cultural na segunda metade anos 60, em Lisboa. Iniciou a sua atividade profissional no teatro em finais de 1973, tendo desempenhado até ao início da década de oitenta funções de actor, ponto teatral, técnico de som, técnico de luz e director de cena em diversas companhias e grupos de teatro. Em 1981, ingressou no Teatro Nacional DII. Em setembro de 1997, foi nomeado subdirector do Teatro Nacional S. João (TNSJ), responsável pelo pelouro da produção e da técnica, cargo que exerceu até setembro de 2000. Em setembro de 1997, foi nomeado subdirector do Teatro Nacional S. João (TNSJ), responsável pelo pelouro da produção e da técnica, cargo que exerceu até setembro de 2000. Em 2021, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, atribuiu a Medalha de Mérito Cultural a Salvador Santos, pelo seu percurso profissional exemplar e pelos seus contributos para as artes cénicas em Portugal.

Salvador Santos é o mentor intelectual e programador do Festival de Teatro José Guimarães da Tuna Musical de Santa Marinha/ Vila Nova de Gaia, que homenageia o escritor José Guimarães que já vai numa 5tª edição.