PAPEL DOURADO

A menina tinha apenas três anos, mas os tempos eram de crise. Aquele Natal não podia de forma alguma ser como os anteriores. Foi por isso que o pai se zangou seriamente quando descobriu que a criança tinha desperdiçado um rolo de papel de presente dourado para embrulhar uma caixinha que, depois, tinha ido colocar debaixo da árvore de Natal.

Não havia muito dinheiro em casa naqueles dias, e o pai chegou mesmo a castigar a menina. Apesar disso, na manhã seguinte, ela levou o presente ao pai e disse: «Isto é para ti, Papá».

O pai encheu-se de vergonha, por ter tido aquela reacção. E beijou a filha. Mas voltou a “explodir” quando verificou que a caixa estava vazia.

Gritou com a filha, perdendo um pouco o domínio de si mesmo e o domínio sobre as palavras que dizia. Entre outras coisas menos próprias, gritou-lhe: «Tu não sabes que quando se dá um presente a alguém se coloca alguma coisa dentro da caixa?»

Gritou, mas não era bem com ela que estava a gritar. Era porque não tinha o emprego que desejara; era porque sabia que tinha gastado demasiado dinheiro no café; era porque estavam a subir os preços de todas as coisas. Tudo lhe fugia das mãos…

Mas os gritos atingiam a criança, por causa de um pedaço de papel dourado. Porque lhe tinha parecido que o presente para o pai devia ficar embrulhada no papel mais bonito que havia em casa.

A menina olhou para cima, para o rosto do pai, que gritava.  Tinha lágrimas nos olhos. E disse: «Ó Papá, não está vazia. Eu soprei beijinhos para dentro da caixa. Todos para ti, Papá!»

Obrigado, Alice, por me teres contado isto.

Talvez também tenhamos gritado com a vida, por causa da vida, e dito mal da vida. Quando a verdade é que temos bem perto – de mil maneiras, de mil formas distintas – coisas como alguém que sopra beijinhos para dentro de uma caixa que é toda para nós. Que mais poderíamos desejar?

Não nos falta nada. A vida é uma festa quando sabemos saborear as coisas pequenas, aquelas que são do nosso tamanho: uma toalha limpa na mesa; uma refeição, embora simples; um pouco de sol no meio do Inverno; umas pernas que ainda nos podem levar a ouvir pássaros num jardim; uns olhos onde notamos compreensão e carinho; as crianças, que enchem a casa de luz e algazarra…

Se houver crianças, haverá Natal. Porque elas nos obrigam a sair de nós mesmos; porque aquilo que nos dão – beijos soprados para dentro de uma caixa… – é mais real, mais útil e mais belo do que tudo aquilo que poderíamos adquirir com esse dinheiro em que temos andado a pensar.