Apesar de já ter passado mais de meio século e só agora me ter disposto a abordar este tema, não é fácil recordar tantas peripécias do foro geográfico e sentimental sem correr o risco de ser invadido por um misto de amor nostálgico e talvez também alguns lapsos de memória.
A nostalgia de sabermos que o nosso regresso ao “torrão pátrio” provocou, em termos físicos, uma separação real irreversível daquela terra que tanto nos cativou, pese embora o controverso motivo que nos levou lá: de usurpação para uns e patriótico para os outros, entre os quais me incluo.
No entanto, a avaliar pelo que tenho sentido e pelas frequentes notícias que diariamente nos chegam ao conhecimento, estou firmemente convicto que, embora a maior parte dos que lá estiveram tenham regressado sãos e salvos e 13 ptentre os quais me incluo, não posso negar que além dos que ali deixaram a vida, um pouco de nós ficou também naquela bela e promissora nação da África Oriental. Uma nação que se estende do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Canal de Moçambique, mais propriamente à sua foz na cidade do Chinde, depois de percorrer mais de 2.500 Km em terras de Angola e da Zâmbia, onde também nasce, na condição sublime do ponto de confluência do mar com as águas daquele que é um dos cursos de água mais majestáticos do continente africano, envolto num turbilhão emocional em dimensão física e ternura sentimental, bafejada pelo Trópico de Capricórnio em grande parte da sua extensão, numa relação directa com o fértil Vale do Limpopo, que muitos reconhecem como o “Celeiro da Nação Moçambicana”.
Mas Moçambique é muito mais do que isso. Para além do que tem sido dito e escrito, Moçambique é uma nação detentora de um altruísmo e amor às raízes narrado vezes sem conta, aos nossos filhos e aos nossos netos, numa singularidade paradisíaca, turisticamente atrativa e riquíssima em recursos naturais, na razão directa da cobiça que, ao longo dos tempos, o jovem país africano tem suscitado no exterior.
No fundo, ao longo da história, Moçambique tem transportado consigo uma atração inexplicável; um mistério “mágico” que nós próprios fomos interiorizando, dia após dia, que penetrou no íntimo do nosso ser e que se sente dentro de nós, muitas vezes sem uma explicação racional, a não ser a da simples condição de nos considerarmos portadores dos genes da aventura lusitana no corpo e na alma. Todavia, por imperativos de consciência patriótica, é mais que justo dar glória a esses bravos navegadores de antanho, que “por mares nunca dantes navegados”, indiferentes às tormentas oceânicas e aos “adamastores” de índole diversa e imaginários também, souberam rasgar nos mares imensos do Atlântico e do Indico, caminhos de futuro para todo o mundo, cuja indomabilidade, a dada altura, deixou de ter significado algum nas nossas mentes. Em bom rigor, ser português é isto mesmo, é ter sentimentos! (…).
E se materialmente poucas terão sido as vantagens auferidas pela nossa secular presença naquela africana terra distante, ganhámos, sobretudo, a capacidade de conhecer e aprender a respeitar comunidades humildes e cheias de gratidão, estados de alma trazidos até aos nossos dias, numa diversidade cultural e humana, cujo altruísmo e amor às raízes têm sido narrados vezes sem conta, aos nossos filhos e aos nossos netos. Só por esse reconhecimento, já valeu a pena termos cruzado o Atlântico e o Índico, recordando historicamente, coordenadas geográficas tão distintas e fusos horários tão diferenciados, mas que muitos dos nossos antepassados já tinham dado a conhecer ao Mundo. –
Obs: Texto escrito sob o antigo acordo ortográfico.