RUI DIAS DO BASKET CLUBE DE GAIA FEZ UMA ANÁLISE DOS PRIMEIROS DEZ ANOS DO CLUBE

Rui Dias, presidente e fundador do Basket Clube de Gaia (BCG), em entrevista exclusiva ao Jornal Audiência, falou das dificuldades da criação do clube, bem como daquelas que ainda hoje sente. Há dez anos atrás, o ex jogador criou o clube com o intuito de fazer a modalidade mais visível, hoje luta pelo mesmo objetivo. A equipa sénior do BCG joga no campeonato espanhol e o presidente fala nessa questão como mais uma estratégia de chamar a atenção dos media para a modalidade, de forma a torna-la mais visível e, consequentemente, dar mais referências no basquetebol às crianças e jovens.

O Basket Clube de Gaia tem ainda uma equipa de basquetebol em cadeira de rodas (BCR), um projeto importante no clube e que atraí atletas de várias zonas do país.

A pandemia provocou alguns estragos no desporto, desde logo pela desistência de alguns jogadores, mas também pela perda de apoios e patrocinadores que eram importantes para o clube alcançar voos mais altos. O sonho maior é a notoriedade da modalidade, mas a este junta-se a vontade de atingir o Campeonato Nacional Espanhol com a equipa sénior, ser Campeão Nacional de BCR e, apesar de parecer o sonho mais distante, o clube pretende ainda ter um pavilhão próprio com três campos para que possa ter três equipas a treinar ao mesmo tempo.

 

 

 

Como começou a sua aventura no basquetebol e, mais especificamente, no Basket Clube de Gaia?

Eu comecei a jogar basket com 11 anos, mais ao menos, no Vilanovense, isto já vai há uns 40 anos. Hoje o Vilanovense só tem futebol, o basquetebol já acabou há muito tempo. Eu comecei a jogar aí, com 11 anos, e joguei praticamente até aos 35, em vários clubes, não só aqui da região do Porto, mas também da região de Aveiro. Entretanto fiz uma pausa devido a compromissos laborais, tive de ir trabalhar para fora, trabalhei basicamente em Lisboa, mas andava a viajar muito pela Europa, não tinha tempo para me dedicar ao basket. Depois, quando regressei a Gaia outra vez, numa situação mais estável de trabalho, decidi começar de novo a minha ligação ao basquetebol. Comecei como treinador-adjunto de um clube de Lousada, depois, e com as pessoas de lá, iniciei um projeto na Juventude Pacense, a modalidade tinha terminado e nós reiniciamos o basquetebol lá. Depois de lá estar cinco anos, e visto que era uma distância muito grande, resolvi criar um clube e foi assim que, em 2011, surgiu o Basket Clube de Gaia.

 

Quando decidiu criar um clube de raíz, provavelmente já sabia que haveriam muitas dificuldades, mas quais foram aquelas mais difíceis de ultrapassar ou que até nem estava à espera de encontrar?

Basicamente foi a questão do espaço, ou seja, arranjar espaços para poder praticar basket, porque a ideia que eu sempre tive foi que o basquetebol, ou o desporto no geral, tem de ser praticado nas escolas, isso é o que se passa lá fora nos países mais desenvolvidos a nível de desporto. O desporto pratica-se nas escolas porque é onde os miúdos estão e os pais não têm de se preocupar em levá-los, contratam-se treinadores para irem às escolas e treinar os miúdos. Foi aí que eu quis incidir o meu projeto, ou seja, comecei nas escolas primárias. Queria começar um projeto desde a raíz, com miúdos do minibasket, e defrontei-me com muitas dificuldades nas escolas primárias, desde logo para me permitirem entrar, para me permitirem dar treinos, mesmo após os horários escolares, foi muito difícil. Esta foi a parte mais complicada do projeto, o início, que era o que eu queria, fazer o desporto nas escolas e tive o entrave por parte das coordenadoras escolares.

 

É uma questão ultrapassada ou ainda se debate com ela?

Depois piorou. Começou mal, mas depois piorou. Na altura existiam as associações de pais nas escolas primárias e através delas conseguimos entrar. Elas ficaram motivadas para fazer este tipo de projeto, porque era uma coisa para os miúdos. Depois as associações de pais deixaram de ter iniciativas nos projetos das escolas, a Câmara de Gaia decidiu dedicar-se aos projetos de todas as escolas primárias, então as associações de pais ficaram com menos força e foi ainda mais complicado entrar. Foi a Câmara que tomou conta das atividades e só através dela é que conseguiríamos entrar, mas como já tinha as suas atividades criadas, não conseguimos. Tínhamos dez escolas primárias, ficamos apenas em uma ou duas. Depois, como o projeto já tinha três/quatro anos, esses miúdos já estavam nas escolas preparatórias. Conseguimos que  esses miúdos eles fossem praticar o basket nas escolas preparatórias ou nas secundárias, os pavilhões já tinham os materiais, já estavam adequadas a eles. Nas primárias tínhamos de levar os cestos. O mais complicado é levar miúdos das escolas onde estão para outro local. A maior razão para abstenção no desporto é mesmo essa, a logística dos pais, porque não conseguem levar os miúdos aos treinos, ou trabalham ou têm outras ocupações, e não têm tempo ou disponibilidade para os trazer aos treinos. Como eles já estavam nos ciclos, podíamos fazer lá os treinos, que foi o que eu sempre pretendi, trabalhar com eles onde eles estão.

O projeto foi crescendo, começamos a estar envolvidos com várias escolas. Tivemos na escola dos Carvalhos, na escola de Canelas, na escola de Grijó e no Freixieiro também. Basicamente, começamos a desenvolver o basket também com miúdos mais velhos e, de alguma forma, tentar ter os miúdos mais novos, que foi difícil, mas mantivemos alguns.

 

A mudança para as escolas preparatórias ajudou a cativar mais atletas mais velhos?

Sim e não! Ou seja, basicamente tínhamos os miúdos que já vinham de baixo connosco, foram entrando alguns porque os que já lá estavam iam trazendo os amigos, mas nunca tivemos assim muita gente de fora, para além daqueles que já tínhamos connosco. Das dez escolas primárias, seriam cerca de 150 miúdos do minibasket.

 

Hoje têm algum sénior que tenha começado convosco nessa altura?

Estão a chegar…para o ano chegam aos seniores. Temos cerca de dez miúdos que ainda estão cá no clube e que, basicamente, são esses que vão ser seniores para o próximo ano. Já temos a nossa equipa sénior, que foi criada com jogadores de outros clubes, que fomos buscar, mas para o ano os nossos começam a chegar aos seniores.

 

E neste caminho de formação e de basket com crianças, quando é que sentiu a vontade ou a necessidade de ter uma equipa sénior a representar o clube?

Desde que iniciei o projeto, e depois de muitos anos aqui em Portugal a jogar basquetebol e a acompanhar a modalidade, de conhecer bem o basket que se passa na Europa, principalmente em Espanha, eu vi que estamos a milhas deles. A cultura desportiva que nós temos aqui é muito diferente da cultura desportiva que têm os espanhóis, e desde que criei o projeto, a minha ambição era sempre ter uma equipa sénior a disputar o campeonato espanhol. De alguma forma para atrair a atenção dos media, alguma atenção das pessoas, tentar que houvesse mais empresas interessadas em ajudar. Esse projeto era só para acontecer quando estes miúdos começassem a ser seniores, mas eu queria ter, de alguma forma, uma estrutura preparada, para quando eles chegassem, não ser uma coisa completamente nova para eles e terem o apoio de outras pessoas que já tivessem passado pela experiência. Por isso, decidimos há dois anos, este é o terceiro ano, reunir uma equipa de seniores, de atletas com mais de 18 anos. Fomos abordando atletas de outros clubes e conseguimos juntar uma pequena equipa, não com os elementos todos necessários ou com o que seria o ideal, que são os doze, mas conseguimos uns dez atletas, convencemo-los a vir e começamos o projeto em Espanha. Isto foi há três anos. Quando os nossos miúdos chegarem a este patamar, já temos alguma experiência do que se está a passar lá em Espanha, na Galiza. Esta sempre foi a vontade, desde o início.

 

Falava das diferenças na cultura desportiva entre Portugal e Espanha, quais são as que destacaria?

Basicamente é o apoio que eles têm dos media. A visibilidade que eles têm na televisão é completamente diferente. Eles têm o acompanhamento dos jornais, das televisões, é muito maior do que aqui, também por isso eles têm salários mais altos, não só no futebol, mas em todos os desportos. Por isso mesmo também há uma vontade dos miúdos em querer chegar lá e levar vida do desporto. Aqui é muito difícil fazer desporto de forma profissional e conseguir ganhar o suficiente. As pessoas em Portugal não veem, por exemplo, o basquetebol como um projeto de vida, não podem fazer vida do basquetebol, e lá podem, podem eventualmente ter uma profissão de jogador de basket, aqui é muito difícil, existe, não digo que não, mas é uma minoria, lá há muitos mais e que jogam, não só lá em Espanha, mas muitos vão para os Estados Unidos da América, isso atrai muita gente. Há muita gente a jogar basquetebol lá, eu ligo muito aos números porque as pessoas não têm noção da realidade, e só para terem uma ideia, o número de federados de basket em Espanha é o dobro do número de federados de futebol aqui em Portugal, que será perto de 200 mil, por isso, lá são cerca de 400 mil federados de basquetebol.

 

Como tem sido o percurso do BCG em terras espanholas?

Tem corrido bem. Nós começamos na quarta divisão, eles chamam a 3B, mas equivale a uma quarta divisão, que é a última divisão regional. Eles lá na Galiza têm quatro divisões e começamos na quarta, continuamos na quarta no segundo ano, mas tivemos a possibilidade de subir para a terceira, só que a pandemia parou a competição. Entretanto, este ano surgiram vagas tanto na primeira como na segunda divisão e os clubes que estavam na terceira divisão podiam candidatar-se. Nós candidatamo-nos a ir para a segunda divisão e pronto, ficamos. Começamos este ano na segunda divisão.

 

Quais têm sido as principais dificuldades que têm encontrado? Os custos?

É assim, os custos que temos associados são, basicamente, as deslocações. Nós jogamos sempre duas vezes em casa do adversário. Quando o jogo é em nossa casa, nós pedimos ao adversário para jogar em casa deles. Eles nunca nos cobram nada, jogamos sempre gratuitamente, se fosse aqui era impensável, no mínimo 60 euros íamos pagar por jogo. Mais uma das diferenças do desporto lá, os clubes da vila ou da cidade, não pagam nem para jogar, nem para treinar. Aqui somos obrigados a pagar, e são preços astronómicos que tornam impossível sustentar isso, a menos que haja apoios, fora as mensalidades que os pais pagam. Lá eles não têm este tipo de preocupações, os pavilhões que são feitos a nível regional ou distrital, são para os clubes praticarem desporto e não há custos inerentes à sua utilização. Pronto, isso é uma vantagem para nós, temos a desvantagem das deslocações, basicamente é isso.

 

Queria falar um bocadinho da modalidade do basquetebol. Sente que ainda é marginalizada face, por exemplo, ao futebol?

É muito difícil. Já tive várias situações em que os miúdos adoravam jogar basket e os pais não deixavam porque queriam que os filhos fossem para o futebol. Não nego isso, já aconteceram várias situações dessas. O basquetebol ainda é muito marginalizado em Portugal. É muito difícil cativar miúdos para virem jogar. Podemos fazer mil e uma coisas, e eu fazia muitas sessões de captação nas escolas, e lembro-me, por exemplo quando tive em Paços de Ferreira, fiz uma captação com as escolas primárias, e chegaram a estar 200 miúdos no pavilhão, 100 de manhã e 100 de tarde, e desses 200 ficaram dez, muito poucos. Tivemos de arranjar outro tipo de alternativas, ficar com os contactos dos pais e de alguma forma tentar convencê-los a deixar os miúdos virem jogar, porque os eles adoraram fazer as atividades, mas depois, de alguma forma, nunca chegaram a vir, e eu acho que é por aí, porque os pais não veem o futuro no basquetebol como vêm no futebol e por essa razão não querem perder tempo e dinheiro a trazer os miúdos aos treinos. Apesar da minoria que singra também no futebol, é a realidade que se vê mais na televisão e os pais passam essa ideia e esse sonho para os filhos, apesar de ser uma minoria no futebol, no basquetebol nem sequer há essa ilusão.

 

A visibilidade televisiva muda muito as coisas?

Sim. Os miúdos não têm referências assim. Se perguntar a uma criança uma referência do basquetebol, eles não sabem, não conhecem. Podem até conhecer algum jogador da NBA, mas mesmo assim, dificilmente, mas se pedir de algum jogador português não há, enquanto que no futebol são inúmeras as referências e então os miúdos querem ser sempre como aquela referência. Tem de existir referências no basquetebol, é preciso que seja divulgado na televisão e nos jornais. Eu todos os dias abro os jornais de desporto, na verdade até já deixei de abrir, porque não aparece uma reportagem de basket, é muito difícil.

 

Acha que existe a ideia de que é uma modalidade difícil para os mais novos, por se tratar de uma modalidade em altura?

Não, acho que não. Aliás, eu tenho muitos pais que falam comigo, que vão aos médicos quando os miúdos são pequenos e os médicos indicam dois desportos que podem praticar em termos de coordenação, que é a natação e o basquetebol. Em termos de coordenação o basket, para mim e não é por eu ter sido jogador e por gostar da modalidade, mas o basquetebol é um desporto muito completo. Eu sempre disse que uma pessoa que jogue basket, joga qualquer desporto. Não acho que seja por isso que os miúdos não vêm, acho que é mesmo pela falta de referências e pela pouca notoriedade que tem a modalidade na população portuguesa.

 

Mas tem notado ligeiras diferenças ao longo dos anos?

Eu acho que ultimamente tem crescido um bocadinho, mas é muito pouco. O basket evoluiu um bocadinho, apareceram até mais miúdos nos últimos anos, mas estamos tão no fundo que o bocadinho que cresceu não é significativo. Por isso é que eu tento, de alguma forma, fazer projetos fora da caixa para ver se consigo atrair mais gente. Este projeto de Espanha, que eu tento que cresça e que as pessoas comecem a falar do BCG e do basket. Eu até nem me importava que algum outro clube pegasse neste projeto que estamos a fazer em Espanha e que fosse por lá, chegasse à Liga ACB e fosse campeão de Espanha. Não é por ser o BCG e o meu clube, eu queria é que as pessoas abrissem os horizontes e vissem o que se passa lá fora. As pessoas que estão no basquetebol, muitas não conhecem o que se passa lá fora, não é só em Espanha, é França, Alemanha, países nórdicos. Mesmo a NBA, as pessoas não têm noção, qualquer jogador da NBA ganha mais do que um jogador de futebol, não qualquer um, mas alguns ganham mais do que jogadores de futebol.

 

Quando surgiu o projeto do Basket em Cadeira de Rodas (BCR)?

O projeto do BCR surgiu também há três anos, este é o terceiro ano, mais ao menos a par do projeto de Espanha. Isto foi por causa do Pedro Bártolo, que é um atleta internacional aqui dos Carvalhos e que eu conheci por volta dessa altura, há três ou quatro anos atrás, e que sempre jogou lá fora, jogou muitos anos, uns sete acho eu, e abordou-me no sentido de fazermos um projeto aqui em Portugal e no nosso clube, e foi aí que nasceu. Ele está muito no centro do BCR, é sub-capitão da Seleção Nacional, por isso é uma pessoa que conhece bem o meio, e conseguiu reunir aí alguns jogadores. Há atletas que vêm de longe, São João da Madeira, Póvoa de Varzim, Viseu, Leiria…

Aqui, o clube mais perto que temos é Paredes, e temos também em Braga. Na região do Grande Porto não há mais nada nesse contexto, chegou a existir há uns vinte anos atrás uma equipa de BCR aqui em Gaia, mas depois parou e começamos agora nós, por isso, é uma coisa nova aqui em Gaia.

 

É um projeto, que pelo seu cariz de igualdade social, capta a atenção de mais patrocinadores?

Por incrível que pareça, o BCR, não sei porquê, atrai muitos patrocínios, sim. Eu às vezes brinco um bocado com isto, mas não é brincadeira nenhuma, mas as pessoas deficientes atraem muitos patrocinadores.

 

Enquanto presidente do clube, sente também que tem um papel nesta questão da igualdade social?

É assim, tudo que seja jogar basket é bom. O objetivo deste clube é pôr pessoas a jogar basquetebol, seja em cadeira de rodas ou não, o que importa é que eles joguem basket e que a modalidade seja visível para o maior número possível da população. O BCR é mais um escalão que joga basket.

 

Vamos falar do ano de 2020 e de como a pandemia veio interromper um pouco tudo. De que maneira é que estes constrangimentos se fizeram sentir na época passada, tanto a nível competitivo, como a nível financeiro?

Afetou-nos bastante, claro. A nível competitivo, nenhuma competição terminou e a parte financeira notou-se mais foi este ano porque muitos miúdos acabaram por desistir e nós temos de suportar todos os custos com pavilhões, treinadores e, basicamente, são as cotas que pagam estas despesas, estando os miúdos a desistir, sim, temos encontrado algumas dificuldades económicas. Os miúdos desistiram porque a formação ainda não pôde competir. Este ano tivemos de subir todos os sub-18 a sub-21 e seniores para poderem competir. Os jovens que estão habituados a competir há muitos anos, vêm-se a treinar sem competir este ano, é complicado, é uma frustração para eles e muitos acabam por abandonar.

 

Está há muitos anos no desporto. Que consequências acha que isto poderá trazer no futuro? Falhas de gerações?

Sim, eventualmente falha de uma geração, miúdos que até poderiam, de alguma forma, chegar a uma equipa sénior e que acabaram por desistir por não poderem jogar. Procuram outro tipo de atividades sem ser o desporto. Não digo que as gerações se percam, vamos é ter menos miúdos de uma geração, ou seja, daqui a uns anos vamos ter menos miúdos a subir a seniores.

 

Em que escalões é que se nota mais estas desistências?

Nos mais velhos. Tivemos algumas desistências nos sub-16 e nos sub-18. Nos mais novos, por incrível que pareça, até apareceram miúdos novos este ano. Não na quantidade que nós queríamos, porque nós queremos sempre mais, até para tentar pagar as despesas, mas tivemos um bom início de época. Se calhar também porque estavam parados e os pais quiseram metê-los em alguma atividade, mas tivemos alguns miúdos novos no minibasket.

 

E a nível de apoios e patrocinadores, a pandemia também prejudicou isso?

Exatamente. Tínhamos aí algumas empresas que nos iam dar apoios para esta época e, com a pandemia, eles cortaram radicalmente os apoios que nos iam dar. O basquetebol em cadeira de rodas conseguiu, de alguma forma, sobreviver com alguns apoios que nos deram, também de algumas pessoas conhecidas, mas foram os únicos. Nós nunca tivemos muitos patrocínios, é verdade, mas este ano dedicamos muito tempo a falar com empresas, fomos a várias reuniões e tivemos várias sessões com várias empresas, e tudo estava a correr mais ao menos para que tivéssemos algum apoio, mas chegada a altura de fazer a transferência, eles disseram que com a situação atual não conseguiam pagar.

 

Apesar de dizer que o basquetebol não atrai muita gente, as bancadas agora estão vazias. Isso desmoraliza as equipas?

Claro, mesmo para as pessoas que estão a jogar, gostam de sentir o público, de ver a vibração do público quando metem um cesto ou ganham um ressalto. É lógico que para quem está a jogar é um pouco frustrante não ter essa emoção que vem da bancada.

 

E o que falta, em condições normais, para trazer mais gente ao desporto?

É um pouco o que falávamos antes, a falta de referências e de visibilidade. Falta que os meios de comunicação transmitam alguma informação sobre o desporto, aqui o que se passa é só futebol, e é por isso que as pessoas enchem estádios de futebol, mas não veem as outras modalidades. Tem de passar pelos media, tem de haver aqui algum clique, alguma coisa que faça os medias se voltarem para o basket. Eu ando a dizer há alguns anos que isso está para acontecer, eu acho que vai acontecer para o próximo ano, porque eventualmente na próxima época vamos ter um jogador na NBA, e pode ser que daí, com esse jogador e mediante a performance dele, se ele realmente entrar na NBA, pode ser que a comunicação social se comece a virar para o basquetebol. Eventualmente se o nosso projeto em Espanha também correr bem e começarmos a ser falados. É preciso é fazer alguma coisa para mudar a situação, não estar à espera que a comunicação social promova o basket por promover, temos nós de fazer alguma coisa, e é o que eu estou a tentar fazer.

 

E a nível dos agentes políticos, há algo que pudesse ajudar?

Falamos várias vezes com a Câmara e temos agora um apoio para o BCR, mas para o resto dos miúdos, do basquetebol normal, são os apoios normais que dão a todos os clubes. Podiam de alguma forma apostar em algum clube para que o nome da cidade fosse refletido a nível nacional, chegar a uma primeira divisão ou a uma Liga. Para já não tem havido essa oportunidade, um dia mais tarde, quem sabe.

 

Como funcionou este início de época?

Basicamente nós tínhamos os miúdos todos à espera para competir, tivemos dificuldades foi nos espaços. Por sorte, temos um espaço numa escola, em que o diretor do agrupamento é nosso conhecido e nos abre as portas, mas foi o único que nos deixou entrar. As outras escolas onde tínhamos os treinos, uma não conseguimos ir, outra conseguimos ir mas bastante mais tarde, infelizmente não tivemos miúdos para ir para lá, ou melhor, miúdos suficientes para pagar os custos de abertura do pavilhão e da funcionária, e não tendo miúdos suficientes para pagar essas despesas, acabamos por ficar só numa escola.

 

E a nível de orçamento para esta nova época? Esta pandemia veio prejudicar algum investimento que tivessem pensado para a equipa sénior?

Nós este ano mantivemos, mais ao menos, os mesmos jogadores do ano passado, foram dois ou três embora, mas vieram outros novos. Este ano apostamos num americano que nos apareceu, e pronto, fizemos um investimento para tentar sustentar a equipa sénior, para que ela fique, pelo menos, na segunda divisão e acho que foi uma boa aposta. Com esse jogador aqui, já temos tido contactos de outros americanos que eventualmente podem vir para cá, porque nos Estados Unidos é muito fácil encontrar jogadores de basket e muitos querem vir para a Europa jogar, mesmo sem receber, por isso, com ele aqui, deu-nos conhecimento de outros atletas que querem vir para cá jogar. Ele abriu-nos a porta, é um processo lento, estamos a aprender também com ele como é que se faz isto tudo, mas sim, foi a única coisa que fizemos este ano, foi o investimento no americano.

 

Quais são os sonhos para esta época?

A equipa do BCR, que está na primeira divisão, foi a primeira vez que chegou à primeira divisão, e está num lugar cimeiro, por isso estamos muito perto de poder atingir um Campeonato Nacional. Há aqui um pequeno investimento que é necessário fazer, este ano não devemos fazer, mas para a próxima época, se tudo correr bem, podemos fazer esse investimento para tentar chegar a Campeão Nacional de BCR. Outro objetivo é tentar chegar à primeira divisão da Galiza com a equipa sénior, que poderá passar pela contratação de mais um americano, como eu estava a dizer anteriormente.

 

E que sonhos e projetos tem para o clube a longo prazo?

O que eu pretendo, e pretendi sempre, é dar notoriedade ao basket e uma equipa sénior chegando a um alto nível em Espanha, se calhar vai dar notoriedade à modalidade. Eu quero é atrair as pessoas e os miúdos para virem jogar basket, eu quero que os miúdos jogue, não só no nosso clube, como noutros, e que se criem mais clubes em Gaia. Em Gaia existem cinco clubes, se não estou em erro, e deviam existir quinze. Tem de haver muitos clubes para onde os miúdos possam ir jogar basket. Há poucos campos exteriores em Gaia e basta atravessarmos a fronteira e existem logo imensos campos exteriores onde os miúdos podem jogar basket. Eu quero é que as autoridades, e as pessoas em geral, vejam o basquetebol como uma modalidade de futuro e é isso que eu pretendo com este projeto. Se conseguirmos subir depois da primeira divisão, entraríamos nas competições nacionais espanholas, pela quarta divisão, se nós conseguíssemos chegar a essa quarta divisão, já era um passo muito grande para começarmos a ser falados porque os jogadores da primeira divisão cá, muitos deles vão para a quarta divisão espanhola quando saem daqui. Se chegarmos lá poderemos, eventualmente, ser falados, pode o basket ser falado e podem aparecer patrocínios com algum poder económico que nos possa alavancar para outras divisões cimeiras. É só isso que eu pretendo, que o basquetebol seja falado, para que exista muita gente a jogar e, eventualmente, termos uma equipa da seleção nacional e poder chegar a um Campeonato da Europa e ficar nos lugares cimeiros. O basket é visto de forma muito diferente na Europa e aqui. Eu posso dar-lhe um exemplo: eu costumo ir acompanhar o basket espanhol e costumo ir a uma Copa do Rei, que é equivalente a uma Taça de Portugal, e lá em Espanha, os bilhetes são vendidos em outubro, para a competição em fevereiro, aquilo em quatro dias esgota e estamos a falar de preços onde o mínimo são 150 euros. Aqui, nem há bilhetes, nem conseguimos encher um pavilhão. É por isso que eu luto todos os dias, para que o basquetebol seja visível e consiga atingir esses patamares.

 

E a nível mais material, a construção de uma sede ou um pavilhão próprio, poderá ser um sonho a longo prazo?

Sim, ter um local próprio, era o ideal. Ter um pavilhão com três campos, para ter três equipas a treinar ao mesmo tempo, era isso o pretendido. Eu acho que nós temos esse sonho, mas o investimento é bastante grande. É lógico que temos aquela ilusão de passar por um local ou um espaço e dizer “aqui é que ficava bem um pavilhão”, mas é lógico que o investimento é muito grande e, neste momento, incomportável.

 

Qual é o balanço destes dez anos de existência?

É de muito trabalho. Há muito trabalho que foi feito, não sei se foi bem feito ou não. É muito difícil, e se calhar é por isso que não surgem mais clubes, porque é mesmo muito difícil. Há falta de apoios, o basket não é visível, os miúdos não vêm, temos quase de ir a casa deles falar com os pais para eles virem jogar, já não é a primeira vez que eu o faço. Mas é um trabalho que não é qualquer pessoa que faz, e é um processo demoroso.

 

Está cansado Rui? Imagina-se a deixar o basquetebol em breve ou ainda está cá para lutar pela modalidade?

Estou porque tenho sempre aquela ilusão de chegar mais alto com a equipa sénior, é isso que se calhar me move. É lógico que gostava de ter mais miúdos a jogar e a praticar, mas o trabalho não é fácil. Mas não vou abandonar, então, fui eu que criei isto. Isto rouba muito tempo, agora nem tanto porque estamos na situação de pandemia, mas quando as coisas estão normais, os fins-de-semana são todos dedicados ao basket. Com dez equipas a jogar não há descanso, se quisermos realmente acompanhar o clube, mas o sonho de ver isto crescer e as pessoas a falarem deste desporto, é o motivo que me guia para não abandonar.

 

Comparativamente aos seus tempos de jogador, hoje está melhor ou pior?

Está pior, muito pior. Eu lembro-me de ver os pavilhões cheios, pessoas a verem basket e, agora, é difícil ver um pavilhão cheio num jogo de basquetebol. Lembro-me de ver o Porto no antigo Pavilhão Rosa Mota, nas competições europeias e no pavilhão, que é um dos que leva mais gente aqui na região do Norte, era difícil entrar e estava sempre cheio. Hoje em dia não há, não vemos disso.

 

Faça um apelo.

O apelo é para que experimentem o basquetebol, venham fazer uma experiência aos nossos treinos. Venham experimentar, pode ser que gostem e, de certeza que jogando basket, podem depois fazer qualquer outro desporto.