SAIAMOS À RUA EM MAIO, PORQUE AINDA FALTA CUMPRIR ABRIL

Com as letras com que se escreve 25 DE ABRIL DE 1974 constrói-se a palavra LIBERDADE. Elas estão lá todas. Não falta nem sobra uma única letra que seja. Hoje, basta que ordenemos as letras de forma lógica para que daquela inesquecível data “nasça” Liberdade, ao mesmo tempo que a podemos sentir e viver em (quase) toda a plenitude.

Nessa longínqua data, há exatamente 51 anos, antes de a madrugada libertadora nascer, tudo era diferente. Apenas existia a palavra… e a vontade de a soltar num grito. Mas tal era impossível. Só depois de as portas de Abril se abrirem é que a Liberdade ganhou forma e se espalhou livremente por este nosso Portugal, que vivia mirrado pelo obscurantismo, reprimido pelo medo e sufocado pela opressão há quase quarenta e oito anos.

Pelas portas que Abril abriu entrou também a Paz. Veio em forma de cravo vermelho, das mãos de uma mulher que trazia no rosto enrugado e triste e nas vestes escuras a dor e a saudade de todas as mães dos milhares de jovens soldados mortos ou estropiados na guerra; uma guerra que mobilizou mais de 900 mil portugueses, ceifando a vida a cerca de cem mil, acrescendo a essas mortes ferimentos graves em cerca de 30.000 militares portugueses, alguns deles estropiados, para além dos que ainda hoje sofrem de doença de stresse pós-traumático crónico, situação que atingiu 15 por cento dos militares expostos a combate.

Pelas portas que Abril abriu entrou também a Democracia, fundada na vontade indomável de um povo inteiro que saiu para a rua em festa, cantando em uníssono a música e as palavras de José Afonso, José Mário Branco, Sérgio Godinho, José Barata Moura, Manuel Alegre, José Carlos Ary dos Santos ou Adriano Correia de Oliveira. Pelas portas que Abril abriu veio também o Poder Local Democrático, que aos poucos se foi instalando pelo País, vencendo as grilhetas do fascismo que ainda perdurava nalguns lugares do interior, onde velhos caciques resistiam à mudança, incapazes de aceitar o exercício da democracia.

O caminho foi difícil, longo e duro. Muitos homens e mulheres travaram uma luta sem tréguas contra a ditadura. E, a lutar, muitos tombaram às mãos do regime fascista: pela Liberdade, pela Paz e pela Democracia! Até que finalmente as portas de Abril se abriram, com o povo nas ruas a reivindicar novas políticas mais justas, uma liberdade a sério e sem grilhetas, e o fim de todas as opressões. Nesse dia, acabou de vez a polícia política, a censura intelectual e a tortura física. Mas hoje pululam por aí forças populistas que reclamam pelo passado, exigindo de nós uma resposta firme e um grito de revolta: 25 DE ABRIL SEMPRE!

Hoje, neste primeiro de maio, quando o AUDIÊNCIA chegar às bancas, muitos de nós estarão nas ruas, um pouco por todas nossas cidades, para levantar a voz por um novo paradigma da governação do país, com respeito pelas conquistas de Abril. E entre essas conquistas está a organização do Estado nascida dessa madrugada libertadora, desde a democratização das autarquias, com a extinção da máquina administrativa que vigorava e a criação de comissões administrativas locais. E foi aí que o Poder Local se foi constituindo verdadeiramente como uma realidade democrática, recuperando a autonomia e conquistando novas atribuições e competências próprias, assumindo igualmente novas responsabilidades.

As profundas transformações sociais que se desenvolveram a partir das políticas de proximidade exercidas pelo Poder Local Democrático são inseparáveis das metas programáticas de Abril e da dinâmica popular que acompanhou a Revolução. Nos primeiros anos, graças ao trabalho voluntário das populações, as realizações concretizadas permitiram uma profunda alteração na vida das populações nas cidades, vilas e aldeias do nosso país, melhorando as condições de higiene e saúde públicas e criando novas ofertas sociais e culturais. Generalizou-se a distribuição da água e da luz, melhorou-se o saneamento básico, ergueram-se equipamentos culturais e desportivos, recuperaram-se e construíram-se escolas, creches e jardins de infância. O associativismo teve um impulso enorme e tornou-se um grande veículo de dinamização e intervenção cultural, assumindo-se também como parceiro no desenvolvimento social das suas freguesias, o que ainda hoje é uma realidade efetiva.

As autarquias locais foram-se tornando, assim, essenciais na promoção dos valores da democracia e da liberdade, constituindo-se como uma das principais conquistas de Abril, pelo seu caráter vital no desenvolvimento e coesão das populações e dos territórios. Mas, a ao longo dos tempos, o Poder Local Democrático foi sendo alvo de fortes e inqualificáveis ataques, que têm abalado este verdadeiro alicerce da nossa democracia e âncora da nossa liberdade. Por decisões unilaterais do Poder Central, as autarquias têm sido sujeitas a um conjunto de constrangimentos que lhe têm retirado a autonomia e impedido maior eficácia na gestão, restringindo drasticamente a sua capacidade realizadora e de intervenção. E no caso particular das freguesias esses efeitos têm-se sentido de uma forma mais expressiva.

A dezoito dias de escolhermos de novo os nossos representantes na Assembleia da República, de cuja composição sairá um novo governo, fico na esperança de que este aposte no incremento da legitimação das autarquias, abrindo portas a uma maior transferência de competências diretas para níveis de decisão mais próximos das pessoas, e que os nossos futuros autarcas, que irão a votos antes do final do ano, sejam merecedores dessa mudança.

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