“SOL DE INVERNO” APROXIMA-SE DO FIM

Na pista de uma perigosa quadrilha, onde pontificam dois cruéis meliantes que haviam escapado à polícia num complicado caso muito recente que enchera as primeiras páginas dos jornais e abrira os principais noticiários televisivos, o inspetor Carreira não só descobrira o covil dos criminosos, como se preparava agora para lhes deitar a mão.

Apesar de estar completamente só e sem qualquer hipótese de pedir auxílio, não hesitou em fazer frente aos inimigos… Mas será que consegue dominá-los? É o que vamos saber com a continuação da publicação do conto que venceu o concurso “Um Caso Policial em Gaia”, que se aproxima a passos largos do seu final.

Sol de Inverno, de Luís Pessoa
V – Parte

Numa derradeira tentativa, em desespero, descarregou o tambor da arma, sem selecionar a direção nem os alvos. Apenas descarregou… Ouviu na resposta, dezenas de tiros!
Fez-se, então, um estranho silêncio, interrompido por um sonoro grito:
– RENDAM-SE!

Carreira ainda conseguiu esboçar um sorriso. Tinha-os enganado, pensavam que estavam cercados por vários polícias! Antes de desmaiar, ainda ouviu:
– Está aqui!
Acordou lentamente.

O quarto excessivamente branco, fazia Carreira imaginar que poderia estar já no “outro lado”, pelo menos era a ideia que tinha do que encontraria quando a vida se esgotasse. Não tardou, no entanto, a estar rodeado de vários colegas, inteirando-se da sua situação e do seu estado.

Eram quase 17 horas quando os presentes se ergueram, para dar passagem ao chefe, invulgarmente sorridente.
– Boa tarde, Carreira!
– Boa tarde, senhor diretor! Lamento não poder levantar-me…
– Ora, ora, Carreira, deixe-se disso! Venho dar-lhe os parabéns pela sua ação. Não foi a mais perfeita em termos técnicos, mas foi eficaz e a imprensa está a adorar. Você é um herói! Isso é sempre bom… Mas não devia ter isso sozinho, percebe? Foi um risco escusado. E sem comunicações, sem armamento capaz, sem uma lanterna… Se o rapazito não o tivesse visto entrar na capela e não sair, de certeza que não tínhamos chegado a tempo…

– Rapazito, que rapazito?
– Um moço cigano que andava por ali e reparou que você entrou e não o viu sair. O Sequeira disse-nos que o tinha deixado por lá e foi por lá que começámos, claro. Andávamos à sua procura com a foto, quando o rapaz nos disse que o tinha visto a entrar na capela ao anoitecer, mas não tinha dado conta de o ver sair… Foi assim que vasculhámos o interior da capela até encontrarmos o mecanismo e tudo o resto, até chegarmos a si…

– Apanharam o monstro?
– Era um truque para afastar visitas inoportunas. Quando alguém passava em certos sensores, começava uma espécie de sessão de cinema com som altíssimo… Era arrepiante.
– Os carris paravam repentinamente…

– Era de propósito. Quem conhecia, acionava um mecanismo que trazia uma carruagem e essa ia direta para a caverna. Quem não sabia, era despistado pelo caminho que você e nós percorremos, com as armadilhas, para forçar a desistência. Muito bem engendrado!
– Apanharam-nos todos?
– Todos! Estão a ser interrogados e certamente vamos ter novidades em breve…
– Apanharam também o Ptolomeu e o Pancrácio?
– Essa agora, porque pergunta?
– Porque eu vi-os lá! Estavam no envidraçado a falar com os outros, eles estão envolvidos em tudo isto…
– Tenha calma, Carreira, temos tempo para falar de trabalho. Agora trate de recuperar para regressar em condições.
Carreira nem queria acreditar que os PPs se haviam escapado de novo, eles que estavam por trás de tudo, quer ali, quer em Lisboa.

O telefone tocou e do outro lado estava o seu amigo Farinha:
– Parabéns, pá! Já todos soubemos do teu feito! Parabéns!
– Farinha, os gajos escaparam!
– Quem?
– Os PPs! Os gajos estavam lá, eu vi-os! Vi-os lá a dar ordens, são eles, mas escaparam…
– Esquece, havemos de lhes dar caça e apanhamo-los mais cedo ou mais tarde, tem calma, agora já sabemos! Olha, já falaste à Vera e aos miúdos?
– Hem? Sim, sim. – mentiu – Está tudo bem…
– Vê lá se precisas de alguma coisa, apita!
– Claro, obrigado Farinha, és um bom amigo…

– Já há muito caíra a noite quando Carreira se ergueu da cama, foi à casa de banho, regressando pronto para abandonar o hospital. Não disse nada a ninguém, vestiu a mesma roupa com que dera entrada. Sentia-se andrajoso, mas só tinha que chegar à sua atual casa, para tomar um bom banho, vestir roupa lavada e regressar à vida…
Não foi intercetado por ninguém, saiu calmamente pelo próprio pé e tomou um táxi, que o deixou à porta do prédio do seu apartamento. Olhou em redor e já não viu o movimento habitual nem a presença do agente que por ali fazia vigilância permanente durante o tempo que durou a investigação.

– Parece que acabou tudo! Desistiram de ir mais além? Acham que a prisão de uma dúzia de bandoleiros resolve a situação?

Desalentado, cabisbaixo, entrou no apartamento que nunca lhe dissera grande coisa, mas que agora não lhe dizia mesmo nada.

Às sete da manhã, era grande o alvoroço na Judiciária. O piquete fora alertado para ocorrências quase simultâneas em dois pontos distintos no Canidelo, um num apartamento de luxo e outro numa vivenda, onde foram ouvidos tiros.

Ao chegar, a Polícia verificou que havia um cadáver em cada uma das habitações, tendo alertado a PJ para proceder à recolha de indícios e tomar conta da investigação.

Por volta do meio-dia já muitos agentes procuravam o colega Carreira, misteriosamente desaparecido, porque os dados laboratoriais não deixavam margem para qualquer dúvida: fora a sua arma que disparara os tiros mortais encontrados nos dois corpos e Carreira recuperara a sua arma, depois das atribulações por que passara.
Mais importante, ainda, os cadáveres eram do Ptolomeu e do Pancrácio!

Iniciou-se uma autêntica caça ao homem. Era necessário que a PJ chegasse ao Carreira antes de qualquer outra força policial ou de um possível bando dos dois criminosos, eventualmente ainda em liberdade.
O Chefe deu a ordem para se intensificarem as buscas, sem emissão de qualquer alerta para as restantes forças. Todos os agentes puseram os seus informadores em campo, mas não havia vestígios do inspetor.

(Continua na próxima edição)