O Centro Histórico de Gaia tem registado uma crescente procura turística, o que tem contribuído para uma grande dinamização das atividades económicas locais. Porém, este aumento significativo de visitantes tem trazido também consequências muito negativas, como uma enorme especulação imobiliária, traduzida na pressão sobre os moradores para abandono das suas habitações, visando a criação de unidades de alojamento local ou a construção de novos hotéis. E esta situação tem vindo a transformar o miolo do Centro Histórico num espaço atrativo apenas para fruição de turistas de curta permanência ou para gozo de fins de semana de gente que vive noutras paragens, com natural prejuízo para a preservação da sua identidade.
Para evitar que tal aconteça, é necessário que este coração da cidade seja revitalizado pelo pulsar de um povo que ali viva todos os dias, porque um lugar histórico sem habitantes fixos, apenas servido por populações flutuantes, é um local com história, mas moribundo! Só assim, com uma população autóctone, será possível criar as condições para o desenvolvimento e a preservação de um equilíbrio ambiental, paisagístico e arquitetónico fundado nas raízes da sua memória mais remota, de maneira a permitir que este nosso património histórico sobreviva à voracidade dos que apenas querem ali fazer negócio ou viver da especulação imobiliária!
É indispensável, por isso, que se invista fundamentalmente na reabilitação das velhas casas, mantendo a população que ainda por ali vive e promovendo o regresso prometido dos muitos habitantes que foram realojados em bairros sociais noutras zonas em que se sentem desenraizados, e atraindo, simultaneamente, famílias da classe média e jovens casais em inicio de vida em comum, proporcionando a todos estes custos de habitação acessíveis, de acordo com o perfil social e os rendimentos de cada agregado. Isto porque a nossa memória cultural não é apenas constituída por monumentos, outros edifícios históricos ou paisagens singulares. As pessoas, as comunidades, são bens patrimoniais que acrescentam real valor aos lugares!
É preciso consolidar o que ali existe de bom e melhorar, requalificar, o que merece cuidados específicos de conservação e de enquadramento com o meio envolvente. Não é destruindo o passado que se constrói um futuro com memória! Os lugares, as pessoas, as casas, têm um espírito sempre feito de diferenças e de complementaridades. Temos de compreender o espírito dos lugares e transformar essa compreensão num modo de enriquecimento cultural a partir do diálogo produtivo entre o que herdamos e o que criamos, o que inevitavelmente nos conduz à noção da diversidade como um fator de unidade e não de fragmentação.
O investimento no futuro tem de ter como suporte uma “moeda” forte com duas faces distintas, e às vezes aparentemente antagónicas, mas que se completam e se potenciam mutuamente: o passado e o presente! Não podemos apagar do amanhã o que o passado nos legou. Só é possível projetarmo-nos no futuro se o fizermos de forma articulada e positiva, inserindo-nos na alma e na história do Lugar sem violar o seu carácter. Urge, pois, que se combata a desertificação do Centro Histórico, que se animem os seus edifícios e espaços públicos, e que se promova a história que habita nas suas casas, ruas e vielas, preservando o inestimável valor simbólico da nossa memória coletiva e o significado histórico de cada lugar.
Na estratégia de investimento (e programação) a adotar, tanto do ponto de vista da reabilitação como da conservação, da animação ou da requalificação do Centro Histórico, é necessário ter uma perspetiva integradora do património, não apenas os seus aspetos materiais, mas também as características intangíveis dos bens, que se revelam na envolvente física, no contexto histórico, no uso e funcionalidade dos lugares, e o papel fundamental que estes bens desempenham na construção da identidade local. Os vestígios deixados pelas gerações que nos precederam são uma grande e preciosa ajuda para o entendimento do presente e uma extraordinária alavanca para o nosso futuro! É tão óbvia a importância do desenvolvimento de um trabalho de conjugação dos vários bens que o Centro Histórico de Gaia encerra, de forma a constituir uma unidade coerente e significativa, numa lógica de acréscimo e partilha do conhecimento e de divulgação para o exterior, que só não vê quem não quer ver. A sua simples integração nas “rotas culturais” ou nos “itinerários temáticos” permitiria uma abordagem integrada e sustentada deste património culturalmente rico e único, que deve ser olhado de forma cuidada e transversal através dos vários domínios de todas as artes!
É necessário, é urgente, que se redobrem esforços para que estes bens sejam considerados de forma holística, atendendo a todas as suas características, materiais e imateriais. Só assim será possível cumprir cabalmente as obrigações de identificação, proteção, conservação, valorização e transmissão às gerações futuras deste valioso património. A procura desenfreada do lucro ou a ignorância são algumas das muitas razões que levam à perda e à degradação do património cultural dos centros históricos. Esse é o risco que corre o Centro Histórico de Gaia. E parece que ninguém quer ver. Será que os candidatos às próximas eleições autárquicas têm soluções para inverter esta situação? Fico na expectativa das medidas que estes proponham para o futuro deste local emblemático do concelho, ultimamente tão desbarato, que perdeu três quartos da sua população só nas 3 últimas décadas!