UM OLHAR INSULAR

Depois de uma longa e feliz morada na ilha de São Jorge, a minha aproximação à expressiva ilha de São Miguel firmou-se na vontade de estabelecer alicerces de um domicílio que, embora esporádico e sazonal, me permitisse inserir numa comunidade na qual pudesse intervir e contribuir ativamente, constituindo-me como “observador participante” no processo
de interação social.

Esta condição privilegiada tem-me permitido um acercamento das gentes e dos lugares, mantendo a isenção e espírito crítico necessários para uma análise eficaz dos aspetos atinentes à identidade local, aos principais interesses, condicionamentos e inquietações da população.

Sendo um dos concelhos mais jovens dos Açores, a Ribeira Grande atraiu-me pela sua sinuosidade geográfica e arquitetónica, por ser uma cidade “saudável”, imprevisível e inclusiva, por ser uma cidade de “pontes”, símbolos da união e da transposição de limites e adversidades, elementos cada vez mais necessários num mundo em que tanto se fala de muros.

A Ribeira Grande é um mosaico de diversidade que interioriza a real noção de cidadania, enquanto exercício de participação ativa e esclarecida, que implica uma permanente contribuição individual e coletiva na manutenção dos direitos, dos deveres e dos valores fundamentais.

Neste mosaico constituído por “pedras vivas”, homens e mulheres que diariamente constroem um futuro que tem a convicção de poder ser sempre melhor, destaco uma “pedra fundamental” que, à margem de veleidades ou solenidades de cargo, se evidencia pela vivência objetiva e tangível junto dos cidadãos, pela capacidade de estar presente, pela consciência de uma pertença comunitária muito ativa.

Esta nossa “vizinha” é norteada por valores éticos e humanistas, e perceções de ordem social e cultural, muito mais que orientada por perspetivas ideológicas. Tem sempre à mão, não o raminho de salsa que tanta falta nos faz para terminar o almoço, ou o pacote de farinha que
nos esquecemos de incluir nas compras de mercearia, mas o olhar atento e o coração disponível que, por hábito de educação e formação académica, sabe ouvir e confortar, muito para além das obrigações da edilidade e sem a correspondente necessidade de afirmação e ganho individual a que a classe política nos habituou.

É assim esta mulher de sorriso aberto e envolvente, um compêndio de boas práticas, transversal a todas as franjas da sociedade, detentora de um fermento agregador que não descura o investimento no próximo e nas causas sociais que combatem a desigualdade, a carência, a violência, a desertificação; obedecendo ao imperativo de assegurar a existência de
condições para novos modelos sociais e económicos equitativos e justos, com efeito prático imediato na qualidade de vida da comunidade.

Estas coordenadas, que dão à Dra. Tânia Fonseca a sua “fisionomia” humana, social e política, são transversais a todas as áreas de ação em que se envolve, e são reforçadas pela sua atenção ao real, à vida quotidiana dos munícipes, à singularidade individual, à captação do ritmo da Ribeira Grande, dos seus movimentos e das suas emoções.

Entre o exercício do poder autárquico e o seu confronto com a noção de individualidade humana, a Dra. Tânia Fonseca incute um sentido de valor autêntico a cada pessoa, ajustando a vida quotidiana à medida exata das necessidades dos munícipes.

E neste exercício de proximidade, entre razão e emoção, estou certo que a Dra. Tânia Fonseca não faltará com o tal raminho de salsa, sempre que a um vizinho tal condimento se afigure essencial.

A sua vocação é a de representar a comunidade com um elevado coeficiente de fidelidade e verosimilhança, fazendo coincidir o seu perímetro político com o seu perímetro humano.

A minha opção de firmar residência nos Açores manifestou-se há muitas décadas, movido pelo apelo insular, oceânico e telúrico que o arquipélago transpira, envolto numa inimaginável riqueza de património cultural e natural. Moveu-me, igualmente, o sentido do dever, consciente que estava do muito trabalho que poderia fazer no incremento da cultura e das artes num território periférico, há tantos anos negligenciado pelos condicionamentos, adaptações e morfologias impostos pela história, pela
geografia, pelo clima, por sucessivas políticas culturais danosas e orçamentos sistematicamente restritivos, que traduzem não só o desinvestimento cultural como uma incompreensão profunda
do fenómeno criador contemporâneo.

De pouco valerá proclamarmos a importância da criatividade e da inovação nos múltiplos setores de intervenção humana, se esquecermos este aspeto, pois é na arte, na cultura e no património material e imaterial de uma comunidade que a criatividade e a inovação sempre terão de estar ancoradas.

A herança cultural é, pois, o conjunto de elementos que nos permitem abordar um determinado grupo, reconhecê-lo como portador de uma identidade própria e assumirmos a partilha dessa identidade, conservando-a, promovendo-a e divulgando-a. Assumo-me envolto neste sentimento de pertença civilizacional e cultural da Ribeira Grande, que julgo em condições de saudável desenvolvimento, numa relação que pretendo cada
vez mais alicerçada no intercâmbio e diálogo, na vivência cívica, no desenho dos vínculos humanos.

Dizê-lo, significa o respeito por um conceito de autenticidade, pela manutenção da diversidade, pelo reconhecimento da responsabilidade comum, visões e estratégias a longo prazo.

Chegado à Ribeira Grande, no contacto imediato com a população local, apercebi-me que encontraria na Dra. Tânia Fonseca um potencial de entendimento, um empenhamento real, um compromisso em oposição aos sistemas normativos que não consideram a cultura como um ativo, mas antes como um encargo, uma aliada na missão que se me afigura essencial: a promoção da arte contemporânea enquanto manifestação cultural que testemunha permanentemente a criatividade do espírito que, contra qualquer adversidade do meio, permite realizações inesperadas, sendo portadora do sentido enriquecedor que caracteriza a condição
humana na sua insatisfação, incerteza, problematização, aventura e sentido de risco. E será sempre incompleta e imperfeita, adequando-se a uma sucessiva construção.

Se a arte, o património, a cultura não forem objeto de uma consideração específica e de políticas corajosas, muito corajosas, para a sua conservação e valorização, arrisca-se a desaparecer e a deixar de desempenhar a sua função: a melhoria moral do ser humano.

Reconheço na Dra. Tânia Fonseca essa coragem, uma matriz comum de semelhanças e afinidades várias, através da qual seremos capazes de ultrapassar dificuldades e constrangimentos.

Bem-haja, Dra. Tânia!

Álvaro Lobato de Faria, Diretor Coordenador do MAC Movimento Arte Contemporânea Lisboa